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Ressurge a democracia!

A liberdade para se manifestar no Brasil, para a nossa gloriosa imprensa livre, tem restrições temáticas, e só é válida quando obedece às suas diretrizes. Se for para protestar contra Renan Calheiros, o passe é livre, o espaço nos jornais, garantido, a cobertura da imprensa, eufórica.

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A liberdade para se manifestar no Brasil, para a nossa gloriosa imprensa livre, tem restrições temáticas, e só é válida quando obedece às suas diretrizes. Se for para protestar contra Renan Calheiros, o passe é livre, o espaço nos jornais, garantido, a cobertura da imprensa, eufórica. Há incentivo na mídia. Jornalistas como Dora Kramer, chegaram a reproduzir, com indisfarçável volúpia, os xingamentos proferidos pelos manifestantes contra o presidente do Senado: “ladrão, sem vergonha, safado”.

Noblat, colunista do Globo, outro que adora manifestações, faz ameaças explícitas, quase físicas: diz para Renan nem pensar em frequentar academias, não entrar em shoppings ou aeroportos. Manifestações contra Renan ou Lula, mesmo que reúnam oito pessoas, ganham destaque na imprensa escrita e nos telejornais.

Até aí tudo bem. As concessões de TV são públicas, os jornais são sustentados em boa parte por anúncios estatais, mas as empresas são privadas, e tem autonomia para selecionarem os temas que cobrem.

Mas aí hoje pela manhã, ao passar a vista pela coluna do Merval Pereira, eu ouvi o barulho de uma ficha caindo no interior do meu cérebro.

 

 

Merval poderia dizer também, porque não?, que passou pela mesma situação que enfrenta Renan…

A ficha foi a seguinte: a reação da mídia – e mesmo de alguns intelectuais, inclusive de esquerda – às manifestações contra Yoani foram muito mais violentas, simbolicamente, que as próprias manifestações.  Os manifestantes expressaram seu repúdio à uma pessoa que, segundo eles acreditam, recebe dinheiro para minar o regime político de seu país. Estão no seu direito, democrático, de se manifestar. Se em Cuba, há problemas de liberdade, isso é uma lástima, e há muitos cubanos que protestam contra isso, não só Yoani, mas não são acusados de vendidos ao dinheiro imperialista.

No Brasil, há liberdade de se manifestar. E aí os manifestantes são acusados de… atentar contra a democracia! Ou seja, a mídia pode, como sempre, fazer as acusações que deseja, no conforto de seus escritórios com deslumbrantes vistas para a cidade. Intelectuais posudos sentem-se no direito de fazerem todo o tipo de ofensa aos manifestantes. Mas os manifestantes, esses têm de ficar quietos, porque se levantarem seus cartazes, se erguerem a voz, serão acusados de inimigos da democracia!

Em sua coluna de hoje, Merval Pereira rompe seus próprios recordes de manipulação, mentira e arbitrariedades. Mas ele tem o direito de protestar, os manifestantes, não, certo?

Sou forçado a comentar. Meu texto segue em fonte normal.

Meu momento Yoani, por Merval Pereira
Merval Pereira, O Globo

Na sexta-feira à noite, na inauguração do museu MAR na Praça Mauá, passei por rápidos instantes a mesma situação que enfrentou a blogueira Yoani Sanchez quando esteve no país recentemente.

Momentos iguais também ao de Renan Calheiros… Não é?

Havia diversas manifestações nos arredores do museu, onde participavam da inauguração a presidente Dilma Rousseff, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. O barulho era insuportável dentro do museu, que, com seu lindo teto ondulado, criou um inesperado efeito acústico dentro do prédio.

Uma era contra o fechamento dos teatros do Rio depois da tragédia de Santa Maria. Muitos teatros, que funcionavam sem as medidas de segurança necessárias, continuam fechados e os artistas estavam ali protestando. Mas protestavam contra o quê?

Deveriam mesmo protestar contra o fato de terem passado todo esse tempo trabalhando e recebendo pessoas em lugares sem condições de segurança adequadas. Deveriam protestar contra a prefeitura, mas pelo que ela não fez, e não pelo que está fazendo, embora tardiamente.

Concordo. A prefeitura tem que zelar pela segurança, e talvez esses protestos estejam mal direcionados. Mas os artistas estão sem trabalho, desesperados, não com o fechamento em si dos teatros, mas com a demora em reabri-los, e com a falta de diálogo e compreensão da prefeitura para com os problemas reais, financeiros, logísticos, que o fechamento provoca. A economia artística é terrivelmente frágil.

Havia um pequeno grupo reclamando casas prometidas e não entregues. E um terceiro grupo, mais barulhento e agressivo, que protestava contra a Medida Provisória dos Portos que, em boa hora, a presidente Dilma enviou ao Congresso. Aparentemente, não havia no grupo nenhum estivador ou operário. Eram todos jovens estudantes com máscaras e cartazes que alertavam: “Gestão mata”.

O que esses jovens do PT, do PCdoB, da Juventude Socialista, do PDT, sei lá de onde, queriam dizer é que a nova legislação sobre os portos trará prejuízos aos trabalhadores.

O protesto contra a medida dos portos é absolutamente necessário e democrático, mesmo que seja equivocado em alguns pontos. De qualquer forma, Merval parece estar fazendo uma confusão tremenda, misturando tudo. Ele não fez sequer questão de apurar contra o quê protestavam ou quais eram as forças e partidos atuantes ali. O protesto contra o choque de ordem da prefeitura do Rio, e contra o governo do estado pelas obras da Copa, etc, por exemplo, parte principalmente da militância do PSOL, poupada aqui, como sempre, pelo colunista do Globo. Pelo que entendi e li em agências de notícias, Merval entendeu tudo errado. Os protestos eram contra a revitalização da zona portuária do Rio, e conduzidos pelo PSOL, e não manifestações contra a reforma dos portos, lideradas pela Força Sindical, que aliás nem atua no Rio de Janeiro.

O que está por trás dos protestos, no entanto, é uma nada estranhável, embora exótica, aliança entre órgãos sindicais e empresários que operam os portos sem competição beneficiando-se de uma reserva de mercado tão ultrapassada quanto prejudicial à economia.

Os jovens radicais estavam ali protestando contra a possibilidade de os novos administradores de portos disputarem cargas com os terminais já existentes e contratarem mão de obra pelo regime da CLT, à qual estão subordinados todos os trabalhadores brasileiros.

Sindicatos liderados pelo Paulinho da Força Sindical, deputado federal (PDT), querem impedir a modernização dos portos, obrigando os novos terminais a contratarem os estivadores pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). E têm o apoio de concessionários dos portos que querem tudo menos competição para melhorar a produtividade.

No entanto, dar competitividade ao setor portuário é fundamental para a retomada do crescimento, reduzindo o chamado custo Brasil. E lá estavam os jovens esquerdistas não apenas protestando, como seria normal em uma democracia, mas agredindo verbal e quase fisicamente as pessoas que passavam por uma espécie de corredor polonês que a polícia deixou que fizessem.

Aí eu notei um certo saudosismo pela ditadura ao afirmar “que a polícia deixou que fizessem”. Ou seja, protestos contra Renan Calheiros, contra Lula, são estimulados, ganham espaço nos jornais. Acontecem até dentro do Congresso. Certa feita, um senhor agrediu fisicamente José Dirceu com uma bengala, dentro da Câmara dos Deputados. Nas últimas eleições, Genoíno e Dirceu foram violentamente insultados quando exerciam o sagrado direito do voto.  Nada disso foi considerando antidemocrático pela mídia. Mas os protestos por onde Merval Pereira vai passar deveriam ser contidos pela polícia. ..

As pessoas que saiam da festa de inauguração forçosamente tinham que passar pelos manifestantes para pegar seus carros, e houve momentos em que as agressões verbais chegaram às raias da agressão física. Uma senhora que ia à nossa frente foi chamada de “fascista”por um manifestante que gritou tão perto do seu rosto que quase houve contato físico.

Pois é, Merval. Assim é uma democracia… Experimente morar nos EUA para ver como são os protestos por lá.

Passei pelo grupo com minha mulher sob os gritos dos manifestantes, e um deles me reconheceu. Gritou alto: “Aí, Merval fdp”. Foi o que bastou para que outros cercassem o carro em que estávamos, impedindo que saísse. Chutaram-no, socaram os vidros, puseram-se na frente com faixas e cartazes impedindo a visão do motorista. Só desistiram da agressão quando um grupo de PMs chegou para abrir caminho e permitir que o carro andasse.

Olha só. Reconheceram Merval! Pois é, meu caro. As ameaças que Noblat fez a Renan Calheiros, pelo jeito, também valem para você. Com uma diferença. Renan não pode frequentar shoppings da zona sul do Rio, mas você tem que se cuidar quando circular em lugares frequentados por “esquerdistas”.

Foram instantes de tensão que permitiram sentir a violência que está no ar nesses dias em que, como previu o ministro Gilberto Carvalho, “o bicho vai pegar”. É claro que o que aconteceu com a blogueira cubana Yoani Sanchez nem se compara, mas o ocorrido na noite de sexta-feira mostra bem o clima belicoso que os manifestantes extremistas estão impondo a seus atos supostamente de protesto.

Que violência? Esse discurso me cheira à mesma criminalização dos protestos sindicais que o Globo fez em 1964, para justificar o golpe. Não vi a manifestação. Mas francamente não consigo acreditar em mais nada do que o Merval diz. O que alguns chamam de “clima belicoso”, em outros países seria classificado como protestos absolutamente pacíficos. 

E é impressionante que jovens ditos revolucionários se empenhem em defender um sistema arcaico que só interessa às corporações sindicais que já estão instaladas nos portos e a empresários que se beneficiam de privilégios que emperram a economia brasileira. A presidente Dilma está certa ao não aceitar as pressões políticas para mudar a medida provisória dos portos, essencial para a revitalização da economia.

Vamos pôr de lado o fato de que Merval entendeu errado os protestos: eram contra a prefeitura e o estado por conta da revitalização da zona portuária, e não contra a reforma dos portos. Eu sou totalmente a favor da revitalização da zona portuária, mas acho positivo que haja protestos, para calibrar o entusiasmo algo messiânico das forças políticas locais com   um pouco mais de prudência em relação a danos sociais e ambientais.

Quanto aos portos, é evidente que precisam ser modernizados, e a economia, revitalizada, mas a pressão de trabalhadores é fundamental para contrabalançar a pressão dos empresários. Dilma não é perfeita, nem onisciente dos problemas ou detalhes de tudo. E para um trabalhador, um pequeno detalhe numa nova lei pode significar grande melhora ou lamentável retrocesso em sua qualidade de vida. Dilma tem de aceitar pressões sim, já que sua função, como estadista, é justamente ponderar com equilíbrio os interesses de todas as partes, tomando cuidado, evidentemente, para depurar os interesses puramente corporativos, algumas vezes ligados ao velho cartel empresarial dos portos, das preocupações sindicais genuínas com o bem estar dos trabalhadores.

*

O que me chamou a atenção, sobretudo, é o desequilíbrio no tratamento às diferentes manifestações políticas no país. Se a manifestação diverge das ideias ou interesses da grande mídia, ela é antidemocrática, uma vergonha. Se é a seu favor, as manifestações são feitas por cidadãos honrados, preocupados com a ética, baluartes da república. Até entendo que o tratamento oscile em função das características ideológicas de quem analise o fato. O que eu critico, veementemente, é a manipulação do que se entende por “democracia”, essa tendência crescente de tratar alguns protestos como democráticos, outros como antidemocráticos. A gente já viu esse filme. O resultado foi uma vitória da “democracia” que nos empurrou, na verdade, uma ditadura.

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Adir Tavares (@Adir00)

04/03/2013 - 10h18

Ressurge a democracia! http://t.co/KuV8NmnUvV

Wilson Cunha Junior (@wilsoncjunior)

04/03/2013 - 09h25

Texto de @migueldorosario sobre o ideal democrático de Merval Pereira http://t.co/VPbzYaIHV3

Carlos Antônio (@Carlosgrupon8)

03/03/2013 - 21h46

Ressurge a democracia! – http://t.co/SkHEpv1015

@cnunesc

03/03/2013 - 14h13

Ressurge a democracia! – http://t.co/ETV0nM84Ad

Érico Cordeiro (@ricocordeiro)

03/03/2013 - 14h04

Ressurge a democracia! – http://t.co/h8VaIJrZfg

Pituca (@pituca_amiglo)

03/03/2013 - 12h42

Ressurge a democracia! // ae, Merval fdp! http://t.co/YU39cP719u

migueldorosario (@migueldorosario)

03/03/2013 - 11h18

Ressurge a democracia! http://t.co/Cn8qxS4uE6


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