O neofascismo de máscara e a cultura do ódio

Na quinta-feira passada, fiz uma denúncia aqui no blog que provocou um bocado de polêmica. Vários comentaram dizendo que “distorci”, que falei “mentira”, etc. Mas eu não escrevi como jornalista. Não fiquei sabendo por terceiros. Eu estava lá. Eu vi com meus próprios olhos um bando de mascarados agirem com extrema agressividade contra os manifestantes. Eu socorri umas doze ou treze pessoas, levando-as para meu escritório ali perto, a maior parte senhoras de meia idade totalmente pacatas. O relato de todas elas era o mesmo: um bando de mascarados atacaram-nas durante a passeata.

Era um bando de 150 a 300 mascarados. Comentaristas vieram defender os Black Bocs, que eles não fazem isso, etc. Não sei. Mascarado para mim é tudo igual. Eu dou minha cara a tapa em qualquer parte. Sei que os mascarados podem às vezes ter objetivos em comum, como serem contra a Globo, por exemplo. Mas esse tipo de companhia não me interessa. Eu me interesso pelo cidadão que mostra o seu rosto.

Depois fiquei sabendo que muitos deles portavam coquetéis molotov, que foram quebrados por sindicalistas da CUT. Estes não estavam identificados com o símbolo da central. Sua função era justamente dar segurança a passeata. Os mascarados disseram que foram agredidos por P2s, mas na verdade foram pelos sindicalistas – justificadamente, visto que estavam com coquetéis, bombas caseiras e pretendiam incendiar os carros de som.

Deixem-me dizer uma coisa: nenhuma passeata é perfeita. A grande manifestação do dia 20 de junho, por exemplo, que reuniu 300 mil pessoas, teve seu lado bonito, mas teve também seu lado violento e fascista, com gente rasgando bandeiras com os dentes.

A passeata das centrais sindicais, na última quinta-feira, dia 11 de julho, teve seu lado bonito, de unir as centrais em torno das mesmas bandeiras, mas também foi um tanto cafona, com aqueles balões gigantes da UGT, da Força Sindical, da CUT. As bandeiras monótonas, repetitivas. Ausência terrível de criatividade.Até mesmo as demandas me pareceram descoladas da realidade: fim do fator previdenciário e 40 horas semanais.

Nada disso justifica, porém, a violência. Pessoas vem ao meu blog me xingar porque eu fiz uma denúncia baseado no que testemunhei pessoalmente.

Eu não gosto de máscaras e não gosto de violência. Não concordarei jamais com essas táticas de queimar carros na rua, tentar invadir prefeitura. Nem mesmo fechar estradas. A violência só é justificável se vier no bojo de uma revolução, com ideias e propostas por trás. Não é o que tenho visto.

A juventude coxinha, depois das manifestações, passou a se achar a última coca-cola gelada do isopor. São eles que vêm comentar por aqui, cheios de arrogância. São eles que idolatram os mascarados, ou são os próprios mascarados.

Também não acho producente essa histeria “fora Cabral”, sempre acompanhada de manifestações violentas. Querem expulsar o governador, então decidam qual partido apoiarão e comecem uma campanha para 2014. É incrível como as pessoas não estão vendo o rumo profundamente antidemocrático pelo qual estamos enveredando. Derrubar governante no grito é apenas um outro tipo de golpismo. O golpismo coxinha: ao invés de tanques na rua e editoriais bombásticos, coquetéis molotov e acampamentos no Leblon.

A grande mídia, sempre tão ciosa da ordem, de repente passou a glorificar manifestações, chamando-a de pacíficas mesmo que seus repórteres tenham que filmar tudo do alto de helicópteros ou terraço de prédios, para não serem linchados pela turba “pacífica”.

Apesar da minha crítica dura à grande mídia, não vejo com bons olhos agressão a jornalistas. As manifestações dos trabalhadores podem ser cafonas, mas jamais fizeram isso. Em São Paulo, um jornalista da Globo tentou uma fraudezinha fulera, ao pedir para um manifestante segurar um cartaz contra Dilma. Um diretor sindical observou a cena, antes de saber que era da Globo, e disse umas verdades ao repórter, que por sua vez reagiu com arrogância. A equipe da Globo levou umas vaias, e ponto. Ninguém os agrediu fisicamente nem incendiou seus equipamentos.

Violência não é brincadeira. Essa condescendência pode custar muito caro ao país. Não estou gostando nada de ver as pessoas achando “bonitinho” e “legal” ver jovens mascarados incendiando a lojinha da dona maricota, que não tem nada a ver com as injustiças históricas do país.

São estratégias inúteis.

A mídia aposta numa interpretação que separa totalmente governo e povo. Os governos são, mal ou bem, a expressão do povo, inclusive de seus aspectos mais egoístas. A corrupção está entranhada na sociedade, não apenas nos políticos ou nos governos.

Acho ridículo que as pessoas, em nome de um mundo melhor, destruam patrimônio público. Tornei-me absolutamente cético em relação à ações políticas “espontâneas”. As pessoas têm que se organizar, em movimentos sociais, em sindicatos, em partidos, em associações. É assim que se mudam as coisas, concretamente.

Em relação àqueles que se consideram anarquistas, tenho certeza que a maior parte não tem ideia do que está falando. De qualquer forma, o anarquismo é uma ideologia meio coringa. Todo mundo se apropria dela, capitalistas com rancor ao Estado, jovens coxinhas que odeiam o papai (e botam a culpa no Cabral), e ativistas de esquerda ressentidos com a burocracia partidária.

A violência anárquica, porém, se algum dia fez sentido, era num contexto histórico totalmente diferente, em países sem democracia, sem leis trabalhistas, sem liberdade de expressão, com um Estado altamente repressor, estagnados politicamente. Não é o caso do Brasil. Façam blogs, sites, jornais, é assim que se faz política.

Desculpem-me os que romantizavam os mascarados. Eu só posso falar do que vi. E não foi bom. Brutalizaram senhoras de meia idade. Fizeram o que nem a polícia do Cabral, que eles tanto odeiam, jamais fez: interromper uma manifestação democrática e pacífica. Se não concordavam com ela, então não participassem. Os mascarados, Black Bocs ou não, são piores que a PM.

Mencionei, no post anterior sobre este aassunto, a necessidade da ABIN investigar esses grupos porque tenho receio que haja infiltração estrangeira, o que é uma coisa extramemente perigosa. Aí vieram me abordar: “como alguém de esquerda pode pedir aumento dos serviços de inteligência do governo?”. Bem, não sei em que mundo essas pessoas vivem, mas no meu mundo a esquerda sempre, historicamente, defendeu a constituição de serviços de inteligência altamente profissionais. Não para causar nenhum dano aos movimentos sociais, mas para protegê-los de manipulação estrangeira. Não podemos ser ingênuos. O fato de um grupo incentivar o uso de máscara, é quase um convite à infiltração.

No mesmo dia 11, em São Paulo, houve uma grande manifestação em frente à Rede Globo, com presença de mais de 2 mil pessoas, incluindo vários movimentos sociais. Houve música, projeção na parede do edifício da emissora, dança, mas a Folha prefere publicar a seguinte foto (só na edição de SP, na edição nacional, não teve foto).

Vocês vão me perdoar, mas isso é queimação de filme.

Para piorar, a menção ao protesto diante da Globo vem numa nota cujo título é:

A tática do ódio e da violência pode até conquistar algumas coisas. Mas violência é como uma droga pesada: os efeitos são fortes e chegam rápido, mas o prazer não perdura, e a ressaca posterior é proporcional. Tomemos cuidado para não nos tornarmos um país dominado por coxinhas arrogantes, violentos e mascarados.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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