Pasadena e a estratégia do tiro no pé

Dilma finalmente se pronunciou sobre Pasadena. Foi esclarecedor. Numa só frase, a presidenta explicou os detalhes do negócio, as perspectivas do mercado de refinarias nos EUA, os planos internacionais da Petrobrás, e as estratégias para assegurar nossa soberania energética.

Ela disse o seguinte:

“Como presidenta do Conselho de Administração da Petrobras, a presidenta Dilma Rousseff não recebeu previamente o contrato referente à aquisição da refinaria de Pasadena”, disse Thomas Traumann.

Claro que estou sendo irônico.

Foi a nota mais lacônica da história do blog do Planalto. Pouco mais de 20 palavras. Pouco mais de 20 tiros no pé. Aliás, a esta altura não há mais pés. Nem joelhos.

Essa notinha é de uma incompetência estarrecedora, porque não explica nada, não agrega nenhuma informação. É apenas uma reação amendrontada. Parece uma criança assustada explicando ao pai que não tinha lido as instruções da garrafa de álcool antes de botar fogo na casa. Se a coisa continuar assim, a oposição está com a vida ganha.

Antes da lacônica nota de Dilma, a Petrobrás soltou uma parecida, falando em criação de uma comissão com prazo de “45 dias” para apresentar suas conclusões.

45 dias? Não podia ser 45 horas? Não basta pegar o telefone e dar umas ordens? Deus fez o mundo em 6 dias e descansou no domingo. A Petrobrás precisa de 45 dias para “apurar os processos de compra de Pasadena”?

Ora, uma apuração completa, em relação à qualquer negócio, pode demorar anos, mas a Petrobrás precisa acertar seu relógio. Tem que dar respostas pensando nos próximos segundos, não em “45 dias”.

A Petrobrás não percebe que a comunicação é alma de qualquer negócio?

A Petrobrás é uma empresa que opera no mercado de petróleo, explorando matéria-prima, refinando, distribuindo, vendendo. Ela é a maior dona de refinarias e postos de gasolina da América Latina. Está investindo centenas de bilhões de dólares em novas e gigantescas refinarias no Brasil. Por que não pode adquirir uma maldita refinaria nos EUA?

Petróleo bruto não serve para nada. A única maneira de dar uso ao petróleo, seja do pré-sal da costa brasileira, seja do golfo do México, é processando-o numa refinaria.

E não é esse o caminho certo para o Brasil? Industrializar-se? Internacionalizar-se?

Quer dizer que possuir uma tradicional refinaria de petróleo, no coração do país que mais consome gasolina no mundo, é um mau negócio? Que investimentos a Petrobrás deveria fazer nos EUA? Lanchonetes? Lojas de produtos eróticos?

O governo FHC pode dar mais de US$ 50 bilhões para os bancos, como fez com o Proer, sem nenhuma contrapartida, e a Petrobrás não pode adquirir uma das mais tradicionais refinarias americanas, com capacidade para processar mais de 100 mil barris por dia e estocar 6 milhões de barris?

O Brasil ainda é deficitário em gasolina. Precisamos importar bilhões de dólares em petróleo refinado. Se quisesse acabar com a “crise política” de Pasadena, Dilma só precisava dizer uma verdade: temos que assegurar nossa soberania energética, e Pasadena é um passo nesse sentido.

A Petrobrás, na minha opinião, poderia avançar ainda mais e adquirir alguns postos de combustível nos EUA, para vender a gasolina e outros derivados produzidos em Pasadena. Eu já imagino a cara de espanto de um coxinha vira-lata, ao se deparar com um posto da Petrobrás no meio do Texas!

O preço de Pasadena foi bom, até mesmo abaixo do mercado. Depois encareceu porque tivemos que pagar garantias bancárias milionárias, herança das dívidas anteriores da refinaria, mas que abrem o crédito imenso do mercado americano.

A obrigação da presidente, de qualquer forma, não é mais avaliar se foi ou não um bom negócio. Isso é trabalho para auditores especializados. O dever da presidenta é defender a Petrobrás, o que inclui a refinaria de Pasadena, e fazer o melhor possível para dar um sentido estratégico a esse ativo. A Petrobrás é uma empresa que explora petróleo e comprou uma refinaria de… petróleo.

Se Dilma agora acha que foi um mau negócio, ela deveria ter a dignidade de assumir a responsabilidade pelo erro. Tirar o corpo fora depõe contra ela mesma e contra todo o projeto do qual ela é apenas uma líder temporária.

A cláusula Marim não pode levar a culpa porque sequer foi usada, então não influenciou negativamente no custo final da Petrobrás, ou antes, até ajudou a reduzi-lo. A Put Option, que obrigou a Petrobrás a comprar a outra metade, é praxe nesse tipo de negócio. Quem estava querendo entrar no negócio era a Petrobrás, a Astra já estava dentro. A Put Option é uma cláusula de segurança para quem permite a entrada de um novo sócio. É uma cláusula lógica.

O negócio se deu quando Dilma era presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, além de ministra da Casa Civil, e já uma das pessoas mais influentes do governo. A compra final, mesmo compulsoriamente determinada pela justiça americana, aconteceu durante a sua gestão como presidenta. Qual a diferença, para a opinião pública, se recebeu o contrato 15 dias antes ou 15 dias depois?

Ao fazer silêncio sobre Pasadena ou, pior, ao divulgar essas notinhas lacônicas, cheirando a medo, a presidenta continua jogando a gasolina na polêmica envolvendo sua compra. E atiça os cães da oposição.

A tsunami nas redes sociais, agora reforçada pela temperatura eleitoral, só faz crescer. Eu pensei que, após as manifestações de junho do ano passado, o governo entenderia que as crises não se resolvem mais com telefonemas para donos de jornal. As redes agora formam uma multidão perigosa e instável, que pode pender para a direita ou para a esquerda ao sabor das ondas. Não há mais espaço para silêncios ou articulações palacianas. A saída não é derrubar a CPI da Petrobrás. É explicar! É trazer informação!

Se o governo não traz informação, então é melhor mesmo fazer uma CPI!

Se acha que houve alguma “treta” no negócio, a presidenta, tanto a da república quanto a da Petrobrás, deveriam esperar o término das investigações para se apurar a responsabilidade de cada um, e não sair cortando cabeças, o que apenas serve para criar novos inimigos. E, sobretudo, venham a público se explicar decentemente, ou dêem aval para alguém fazê-lo. A pior das atitudes é justamente a que elas vem adotando: ficar na defensiva, mudas, reagindo com notinhas lacônicas e evasivas às últimas notícias.

A estratégia de lançar a culpa toda em Cerveró ou em qualquer outro diretor é tardia, inútil e contraproducente. Dilma parece agir como um servidor público do baixo clero, que cumpre à risca o conselho de um advogado para não ser responsabilizado por um mau negócio. Só que ela não é um servidor do baixo claro, é a presidenta da republica. E a compra de Pasadena não foi apenas um “negócio”. Foi uma decisão estratégica, que fazia parte do plano de investimentos internacionais da estatal.

Se estivesse sendo julgada num tribunal, Dilma poderia até conseguir convencer o juiz de que não tem culpa pela compra de Pasadena, mas jamais um júri popular. Ela tem responsabilidades políticas sobre a refinaria. E tem de enfrentá-las!

Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás; Fabio Barbosa, hoje presidente da Abril; Gerdau, todo mundo defendeu a compra de Pasadena. Só a Dilma até agora não disse uma palavra em defesa da refinaria.

O brasileiro quer que Dilma lhe diga a sua opinião sobre Pasadena, enquanto decisão estratégica, e não se leu dias antes ou depois um relatório. E não vale repetir a estratégia da Petrobrás e enfiar a cara num buraco por “45 dias”.

Não será possível manter a estratégia do início do seu governo, quando, à semelhança da rainha de Alice no país das maravilhas, mandava cortar cabeças à primeira denúncia de jornal.

Com Pasadena, chegou-se ao limite. É a própria cabeça dela que está em jogo. E o futuro do país.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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