Procurador napolitano ameaça Pizzolato

Escrevo sem muita esperança de causar grande comoção sequer entre os dirigentes do Partido dos Trabalhadores. O caso Pizzolato esbarra num muro de preconceito junto ao próprio campo da esquerda. Outro dia, conversando com um amigo ligado ao PT, ele me olhou maliciosamente e falou que “achava” (na verdade, tinha convicção) que Pizzolato havia se aproveitado.

Ele não se referia ao mensalão, nem ao Visanet, porque ao menos isso a defesa de Pizzolato conquistou: ninguém mais acredita nessa farsa. Mas ele mencionava outros casos, mais antigos. Prova apresentada: Pizzolato usava ternos caros. Contra-argumentei que ele tinha ótimos empregos, dava consultorias, e tudo isso sem filhos, com uma mulher arquiteta. Não adiantou.

Por aí se vê o calvário de Pizzolato. Qualquer acusação fulera pega nele. Agora ele não merece solidariedade porque usava “ternos caros”.

Outros o culpam por ter fugido, dizendo que foi um grave erro. Pois é, mas diante da truculência absolutamente insana de Joaquim Barbosa, e de setores do Ministério Público, contra pessoas como Dirceu, que possuem ao menos um manto de popularidade, por sua trajetória política vitoriosa, qual a perspectiva de Pizzolato de receber um tratamento minimamente digno do Estado brasileiro? Qual a esperança que ele poderia guardar, após ser condenado contra uma incrível quantidade de provas que o inocentavam? As provas da inocência de Pizzolato são redundantes. Não havia necessidade nem de haver tantas provas para que, num ambiente judicial justo, ele fosse absolvido. Na verdade, num ambiente judicial justo não havia necessidade sequer de nenhuma prova de que ele é inocente: precisaria haver provas de que ele é culpado, coisa que também não há.

Além disso, Pizzolato não tinha direito a semi-aberto. Era prisão fechada o resto da vida, a depender do Judiciário brasileiro.

Outro confessou que não gosta de Pizzolato porque ele, quando diretor de marketing, “não anunciou na revista” dele…

Bem, depois a gente fala mais sobre essas intrigas, tão tristemente humanas, mas também tão lamentavelmente reacionárias, porque vão contra o conceito humanista de justiça, que é supor a inocência da pessoa até prova em contrário. Muita gente, mesmo no campo da esquerda, ainda parece considerar esse conceito uma espécie de “frescura”, coisa de tolinhos. Ora, sei lá se Pizzolato algum dia comprou um terno caro com verba desviada de um partido ou sindicato, mas acredito que deveríamos ser mais responsáveis quando acusamos alguém, e sobretudo, entender que falamos aqui de uma condenação pesadíssima por crimes que ele não cometeu.

Venho trazer aqui uma novidade, que me foi relatada por fontes na Itália, ligadas à própria defesa de Pizzolato.

Um procurador de Nápoles e três policiais de Módena estiveram, dias atrás, na Penitenciária para interrogar Pizzolato, que se encontra preso por mandato internacional, em que o Brasil requisita à Itália sua extradição. Pizzolato encontra-se preso na condição de “extradando”.

O Administrador da penitenciária anunciou a Pizzolato a presença de seu advogado, chamando-o para o encontro. Na verdade, não se tratava do advogado de Pizzolato, mas, sim, de um procurador e 3 policiais que interrogaram Pizzolato sob ameaça. Perguntaram a ele se conhecia ou tinha informações sobre Claudio Scajola, ex-ministro italiano de Desenvolvimento durante o governo de Silvio Berlusconi, “investigado pela promotoria de Nápoles, a qual esmiúça as comissões ilegais sobre a venda de equipamentos de tecnologia aeroespacial e de defesa da Finmeccanica, empresa que é controlada em 30% pelo Estado Italiano”, segundo constam em notícias veiculadas pela imprensa italiana e brasileira no ano de 2012. As investigações na Itália envolvem o “ex-ministro da defesa no governo Lula, além de ex da Justiça na era FHC e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que é citado em acerto para a compra de 11 fragatas italianas; segundo a promotoria de Nápoles, comissão seria de 11%, num negócio de 5 bilhões de euros, intermediado pelo político italiano Claudio Scajola” (notícia publicada pelo Brasil 247).

Pizzolato, muito assustado, pois reconheceu que os 3 policiais eram os mesmos que o haviam preso no dia 5 de fevereiro, afirmou que não conhecia Claudio Scajola. O procurador apresentou-lhe uma foto de Scajola numa tentativa que Pizzolato reconhecesse, e de qualquer forma, prestasse alguma informação sobre o caso investigado pela promotoria de Nápoles. O clima do “encontro” era claramente para intimidadar, pois enquanto o procurador inquiria Pizzolato, um dos policiais ostensivamente fazia ligações pelo celular, dando a entender que as ligações eram motivadas pelo que estava se passando, e outro fazia anotações em um papel que depois foi apresentado a Pizzolato para ser assinado.

A situação que já se configurava grave pelo fato de um procurador e 3 policiais estarem inquirindo uma pessoa presa, sem a presença de defensor, foi agravada por ameaça dirigida a Pizzolato:

Se ele (Pizzolato) não tinha como “contribuir” com o estado italiano, a Itália, iria extraditá-lo.

O advogado de Pizzolato pediu explicações sobre o “interrogatório” feito sem a presença de defensor e claramente intimidador, e requisitou o que foi escrito pelo procurador de Nápoles.

O procurador Alberto Candi de Bolonha, representante substituto do procurador geral do Ministério Público, negou o pedido do advogado de Pizzolato dizendo que a investigação: “está coberta por segredo de justiça”.

*

Essa violência do procurador de Nápoles, ameaçando o réu por causa de um escândalo com o qual Pizzolato não tem nada a ver, possivelmente foi motivada pelo fato do brasileiro estar em vias de ser julgado pela Justiça italiana, se irá responder em liberdade ou se continuará preso.

Entretanto, Pizzolato se tornou um exemplo clássico de perseguido político num Estado Democrático de Direito, com auxílio de todo o tipo de intrigas.

Lembro-me que, no início do calvário de Dirceu, as pessoas diziam que ele havia caído por ser “arrogante”. É a mesma história dos “ternos” ou das “gravatas borboleta” de Pizzolato.

Sem esperança de ter auxílio do Estado brasileiro, que parece comprometido, de maneira firme, com a manutenção de uma farsa, por estar mais preocupado com a reputação de seus membros do que com a ideia de justiça, Pizzolato agora enfrenta as primeiras arbitrariedades do Estado italiano, por causa de um escândalo da era Berlusconi que envolve, na verdade, Nelson Jobim.

Da imprensa, infelizmente, não podemos esperar um grau de interesse pela verdade, até porque ela ajudou a criar este clima opressivo de perseguição do Estado contra um cidadão brasileiro.

No entanto, a sua defesa ainda se mantém esperançosa de que, se ele não for extraditado e o julgamento acontecer na Itália, ele será inocentado, porque seu caso é muito forte.

Os crimes relacionados à fuga, por sua vez,  seriam todos perdoados, porque se relacionam à perseguição política. Todos os perseguidos políticos pela ditadura brasileira, por exemplo, falsificaram documentos e planejaram operações clandestinas para fugir do país.

Na própria legislação brasileira, quando se confere asilo político a um cidadão de outro país, todos os crimes cometidos por este cidadão, referentes ao processo de fuga do regime perseguidor, são perdoados.

Lula e Pizzolato

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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