Eleições no Rio: samba do criolo doido ou loucura planejada?

Se a disputa no Rio de Janeiro já estava doida, com um cruzamento de apoios de fundir a cabeça de qualquer analista, agora ela entrou no terreno do psicodélico.

Doideira número 1: Aécio apoia Pezão e incentiva a formação de um bloco político nomeado “Aezão”. Os setores mais fisiológicos e mais reacionários do estado, liderados por Jorge Picciani, presidente local do PMDB, que não estão contentes com o governo federal, e não se identificam com suas políticas sociais, refluíram naturalmente para a direita, representada por Aécio Neves. Entretanto, há um detalhe: Pezão apoia oficialmente Dilma e aparecerá na campanha em fotos ao lado da presidenta.

Doideira número 2: o PSB fluminense resolveu apoiar Lindberg Farias, candidato do PT ao governo do estado. O próprio Campos já deu declarações de que aprova a coligação. Só que Lindberg apoia, obviamente, a presidenta Dilma e aparecerá ao lado da presidenta em sua propaganda eleitoral. O candidato a senador da chapa de Lindberg será o deputado Romário, do PSB, que ultimamente tem dito cobras e lagartos de Dilma, mas que agora está, oficialmente, numa chapa do PT.

Doideira número 3: César Maia, vereador e ex-prefeito do Rio, deverá ser o candidato a senador na chapa de Pezão. Ora, César Maia sempre foi oposição radical a Sergio Cabral e a Eduardo Paes. E agora será o candidato do partido de Sérgio Cabral, Eduardo Paes, e Pezão.

Entretanto, como se dizia de Hamlet, alguma lógica há nessa loucura, e pode ser resumida na seguinte. O Rio está oferecendo um laboratório para uma polarização ideológica talvez mais racional do que se vê no plano nacional. Desse ponto-de-vista, a loucura estaria antes na política nacional do que na local. Lindberg teria conseguido, de fato, criar um pólo progressista, atraindo a esquerda do PSB, na figura sobretudo de Roberto Amaral, vice-presidente do partido, ex-ministro de Lula, e um dos raros quadros do partido que ainda podemos chamar de “socialista”.

Amaral foi o principal avalizador da parceria entre PT e PSB no Rio. Romário, por sua vez, apesar de sua implicância com Dilma, talvez seja melhor senador para o Rio do que Dornelles e Sérgio Cabral. E os setores menos reacionários do PMDB fluminense também estarão com Dilma no Rio.

Então ficamos assim: Lindberg juntou a centro-esquerda, representada pelo próprio PT; a esquerda propriamente dita, representada pelo PCdoB; a centro-direita ambientalista (e por isso também progressista), representada pelo PV; e o centro, representado pelos setores do PMDB que não se uniram ao Aezão.

E Lindberg é um dos raros (raríssimos) nomes do PT que tem uma boa relação com Marcelo Freixo, principal nome do PSOL no estado, sobretudo em virtude de seu apoio firme ao deputado por ocasião dos embates recentes de Freixo contra a Globo e contra a direita raivosa fluminense.

Já há um acordo informal de apoio de Freixo à Lindberg num eventual segundo turno.

Pezão, por sua vez, apesar de ser um boa praça que goza de amizades importantes junto ao PT nacional, e estar conseguindo se descolar da forte rejeição de Sérgio Cabral, só reuniu, em torno de si, a direita fluminense mais empedernida. A entrada de César Maia em sua chapa apenas agrava esse quadro.  E será difícil para Pezão se manter, por muito tempo, distante das críticas que se faz a Cabral.

Mas não se subestime jamais um candidato que contará com uma máquina partidária monstruosa, bom tempo de TV, e um longo histórico de parcerias com Lula e Dilma.

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Na última pesquisa Ibope, vimos Garotinho e Crivella empatados em primeiro lugar. Garotinho é um candidato sempre muito forte, mas que tem uma rejeição fortíssima que dificulta seu crescimento. Crivella tem o mesmo problema.

Eu venho apostando num segundo turno entre Pezão e Lindberg. É só uma aposta de botequim, ou como dizem os advogados, “por amor ao debate”, que não pretende desprezar ou subestimar, de jeito nenhum, Garotinho ou Crivella.

Mas se for o caso, teremos uma disputa, até o momento, apertadíssima, como se pode ver nos gráficos abaixo. Crivella, um quadro fiel ao governo Dilma, deve apoiar Lindberg.

A postura de Garotinho, num eventual segundo turno, é um mistério. Aliás, esse é um dos defeitos de Garotinho, que o torna um político um pouco provinciano. Ele é bom de voto. Mas ruim de acordo – o que é reflexo de sua independência radical (longe de mim julgá-lo por isso).

Outro defeito grave de Garotinho (e aí, sim, eu o julgo), que o faz ter alta rejeição, é seu radicalismo conservador no campo comportamental e religioso, num estado com uma classe média fortemente liberal e com uma capital tão cosmopolita. Mas talvez seja justamente por isso que ele tenha tantos votos…

 

Seja como for, as eleições no Rio prometem fortes emoções.

Publico abaixo, matéria do Globo que traz declarações relevantes das personalidades citadas na análise acima.

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Maia será candidato ao Senado na chapa de Pezão

Sérgio Cabral abre mão da candidatura. Em nota, Eduardo Paes diz que ‘depois da suruba’, eleições no Rio são ‘bacanal eleitoral’

POR PAULO CELSO PEREIRA, CÁSSIO BRUNO E LETÍCIA FERNANDES, NO GLOBO

22/06/2014 15:02 / ATUALIZADO 22/06/2014 20:45

BRASÍLIA e RIO – O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) vai anunciar nesta segunda-feira que abrirá mão da candidatura ao Senado na chapa do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) para o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) ocupá-la, dando caráter formal ao movimento “Aezão“. A informação, antecipada pelo colunista do GLOBO Merval Pereira em seu blog, repercutiu entre os políticos do estado. Em nota oficial, o prefeito do Rio Eduardo Paes chegou a afirmar que, depois da ‘suruba’ eleitoral – termo utilizado pelo deputado Alfredo Sirkis para definir as alianças no Rio na última semana -, as eleições fluminenses são um “bacanal eleitoral”.

A articulação foi selada, na manhã deste domingo, no apartamento de Aécio Neves, em Ipanema, junto com Pezão, Cabral e Cesar Maia, além do presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani. Assim, a tendência é que Cabral não dispute qualquer cargo público este ano e assuma formalmente a coordenação da campanha de Pezão.

Formalmente, o ex-prefeito Cesar Maia será o candidato majoritário do tucano no estado, mas a expectativa é que a formalização da aliança, que dará quase três minutos de TV a mais para Pezão, faça o “Aezão” se alastrar pelos palanques de deputados no estado. Pelas contas peemedebistas, a chapa de Pezão tem cerca de 1.400 candidatos a deputado federal e estadual que poderiam abraçar a candidatura nacional tucana.

O movimento é uma reação formal à aliança do PT com o PSB no Rio. Cabral e Pezão guardam mágoas do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, outro pré-candidato à Presidência, que durante anos aprovou a presença de seu PSB no governo estadual, mas passou a atacar a dupla no ano passado.

PAES: ‘O QUE SE VÊ AGORA É BACANAL ELEITORAL’

Candidato ao governo do Rio pelo PT, o senador Lindbergh Farias, adversário de Pezão, reagiu:

– A eleição caminha para uma polarização entre dois blocos: a chapa Lindbergh e Romário (deputado federal e candidato ao Senado pelo PSB), que simboliza um novo rumo, de mudanças, e a chapa Pezão e Cesar Maia, que simboliza a velha política, o continuismo e o mais do mesmo no Rio.

Romário seguiu o mesmo discurso do petista:

– A chapa Romário e Lindbergh é o novo da política. Quando a gente fala de Cabral, Pezão e Cesar Maia trata-se da política antiga. O povo carioca e fluminense têm a tendência de querer mudanças no estado.

O presidente regional do PPS, deputado estadual Comte Bittencourt, afirmou que fará uma reunião ainda neste domingo com integrantes do partido para avaliar o caso. Mas, segundo ele, a tendência é apoiar Pezão e Cesar Maia.

– É uma informação nova. Vamos avaliar este cenário. O PPS quer derrotar a presidente Dilma Rousseff. No Rio, o movimento do PSB (de apoiar Lindbergh) e a desistência do deputado Miro Teixeira de concorrer ao governo (pelo PROS) nos deixa com pouca alternativas. Eu e o deputado Luiz Paulo Correa da Rocha (presidente regional do PSDB) sempre fomos oposição ao Cabral na Assembleia Legislativa. Estamos numa encruzilhada. Agora, o “Aezão” está fortalecido e abre palanque para o campo de oposição a Dilma e ao PT. Há chances (de apoiar o PMDB). Na verdade, vamos é seguir o PSDB – declarou Comte.

O presidente do PSDB fluminense, deputado Luiz Paulo, afirmou que as conversas dos tucanos com Cesar Maia já aconteciam há muito tempo, e se disse feliz com a notícia:

– A posição do PSDB do Rio sempre sólida nessa questão: aqui faremos o que for melhor para eleger o Aécio presidente da República. Essa conversa com o Cesar Maia já se tinha há muito tempo, fico feliz com a notícia.

No início da noite deste domingo, o prefeito Eduardo Paes divulgou nota à imprensa comentando a nova aliança. Leia a íntegra do texto:

“Desde 2009, as brigas políticas que nada tinham a ver com o interesse do Rio de Janeiro e dos cariocas foram substituídas por uma aliança capaz de trazer muitas conquistas para a cidade. A parceria entre nós, da prefeitura, o presidente Lula e o governador Cabral – e agora a presidenta Dilma e o governador Pezão – tem permitido tirar do papel projetos há décadas prometidos e inviabilizados justamente pelos constantes desentendimentos entre governantes anteriores. O conjunto de avanços que o Rio e a população vêm colhendo nos últimos anos é resultado de uma soma de forças políticas que têm trabalhado de maneira coerente na busca por uma cidade melhor, mais justa e mais integrada. Em função dessa mesma coerência, e para que o Rio de Janeiro não corra o risco de voltar a ser um campo de batalha onde o maior prejudicado é o cidadão, eu continuo defendendo a chapa Dilma, Pezão e Dornelles (referindo-se a Francisco Dorneles, atual senador pelo PP). Depois da suruba, o que se vê agora é o bacanal eleitoral, e o Rio não pode ser vítima dele”.

Lindbergh rebateu a nota de Paes:

– A campanha nem começou. É preciso ter bons modos. Não pode haver baixarias.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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