A manipulação sobre o saldo de empregos

Parece que estou isolado nessa questão. Até o Ministério do Trabalho, parte interessada, fecha os olhos para essa incoerência.

A imprensa ontem estampou manchetões dramáticos sobre o saldo do emprego.

Os saldos de emprego estão ligados ao nível de ocupação no país. Se o nível de ocupação é alto, os saldos são baixos, porque a existência de um saldo implica em dar emprego a quem não tinha emprego antes. Se está todo mundo empregado, não há saldo.

Daí que, enquanto persistir o desemprego baixo, e declinante, todo mês seremos brindados com manchetes apocalípticas sobre “o menor saldo da história”. Até um dia em que, com emprego pleno, teremos saldo zero, e os jornalões anunciarão o fim do mundo.

E os brasileiros continuarão confusos. Ué, menor saldo de geração de empregos da história e, ao mesmo tempo, desemprego caindo?

No mesmo jornal, vemos um analista falando de “esgotamento” do mercado de trabalho, de olho no saldo; e outro discorrendo sobre o mercado de trabalho aquecido, de olho no desemprego baixo.

Eu fiz alguns gráficos para tentar explicar melhor meu ponto-de-vista.

O saldo do emprego de carteira assinada, divulgado mensalmente pelo Caged (sigla para Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), uma estatística feita pelo Ministério do Trabalho, é a subtração das admissões menos os desligamentos.

O Caged só traz dados a partir de 2003, o que é uma pena. Adoraria ver a maravilhosa situação do emprego em maio de 1992, quando, conforme a Folha, houve mais saldo do que em maio deste ano.

Olhemos então para maio de 2003. Neste mês, o Caged registrou 904 mil admissões. Em maio deste ano, as admissões totalizaram 1,85 milhões de carteiras assinadas.  O que é melhor: 904 mil ou 1,8 milhão? E no entanto, em maio de 2003, o saldo foi quase três vezes maior do que em maio deste ano, porque havia mais desempregados que entraram no mercado de trabalho.

Nos 12 meses encerrados em maio último, as admissões somaram 22 milhões de carteiras assinadas. Nos 12 meses até maio de 2003, foram 9,7 milhões de carteiras.  Olhe a comparação: de 9,7 para 22 milhões! No entanto, o saldo foi parecido entre os dois períodos: e, 2002/03 foi de 650 mil carteiras; em 2013/14, de 867 mil.

Ora, os saldos do Caged ajudam a detectar tendências no mercado de trabalho. Mas se não forem cotejados com o nível do desemprego, a fórmula perde o sentido. Vira uma coisa de maluco, como está acontecendo agora. O sujeito vê aquela manchete catastrófica e acha que está tudo indo para o brejo, quando o desemprego nunca foi tão baixo em nossa história.

O pior é que esse pessimismo, vendido dia e noite, incentiva o empresário a conter investimentos.

Esse tipo de desinformação, definitivamente, não faz bem o Brasil. Sobretudo porque é mentira.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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