Caçando urubus

Hoje é um bom dia para caçar urubus. Temos duas notícias econômicas realmente boas, e um contraponto importante.

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1) Pibinho pode ser Pibão

A primeira notícia boa foi encontrada na página A14 da edição impressa do Valor. Por razões misteriosas, eles estão escondendo a matéria no site, e desconfio que o resto da imprensa tentará desesperadamente ocultar a notícia.

Vou copiar alguns trechos da matéria porque se eu disser com minhas palavras, meus adversários acharão que estou mentindo.

“Os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2012, divulgados sem alarde pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 24 de julho, mostram que a trajetória da indústria brasileira desde 2009 pode ter sido mais benigna do que aquela até agora contabilizada pelo Produto Interno Bruto (PIB). Pela pesquisa, o valor da produção industrial do setor de transformação cresceu entre 36% e 40% no acumulado desde 2009 (…)”

(…)

“No final de julho, o IBGE liberou os dados das pesquisas anuais da indústria, construção e comércio de 2012. Com base nessas três pesquisas – falta divulgar a de serviços -, a LCA recalculou o PIB dos últimos anos e concluiu que o crescimento desde 2009 (último dado definitivo) pode estar subestimado. A maior diferença aparece em 2012 e no setor de transformação.

O estudo elaborado pela LCA Consultores utilizou o critério de VTI e mostra que, em 2012, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA), o segmento de transformação produziu R$ 900 bilhões, crescimento de 6,8% sobre 2011, em valores correntes. De acordo com o PIB, o valor adicionado do setor foi de R$ 480 bilhões, queda de 6,4% sobre o resultado de 2011. “Desde 2007, se olharmos para o PIB, a indústria andou de lado. Se olharmos para a PIA, ela continuou crescendo”, pondera Borges. “Os dados, olhados ao longo do tempo, mostram uma diferença muito grande de tamanho de setor e de dinâmica”, diz o economista.”


Agora vou tentar explicar com minhas palavras.

A fonte da notícia são números oficiais incontestáveis do IBGE, os quais são avalizados pela LCA, uma das consultoras mais respeitadas no mercado, inclusive pela mídia (seus consultores aparecem quase todo dia na Globonews e nas colunas da Miriam Leitão).

Em resumo, a notícia informa que PIB cresceu bem mais do que se tem divulgado.

Mas como assim, dirão os incautos?

Explico.

Calcular a riqueza de um país não é um processo simples. Há milhares de variáveis que precisam ser levadas em conta.

O IBGE está no meio de um processo de profunda modernização da metolodologia usada para o cálculo do PIB. A nova metodologia é muito mais detalhada, confiável, mas os pesquisadores ainda não concluíram o processo de conversão.

Somente a partir de meados de 2015, os PIBs desde 2010 serão divulgados com a nova metodologia.

Mas já é possível antecipar alguns resultados. E todos apontam para PIBs maiores do que os divulgados. E impulsionados principalmente pela indústria de transformação, que é onde os pesquisadores do IBGE e da LCA identificaram as maiores distorções.

Segundo o novo cálculo, a indústria brasileira de transformação cresceu, nominalmente, mais de 40% de 2009 a 2012. Pela a metodologia antiga, ainda usada, ela teria crescido somente 4%.

Em valor, a indústria de transformação produziu R$ 902 bilhões em 2012 conforme a metodologia nova, mas somente R$ 480 bilhões pela antiga, já defasada (embora seja a usada hoje).

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2) Terceiro mês seguido de deflação

A segunda notícia boa também peguei no Valor, mas já deve estar publicada em toda parte. A inflação em julho, segundo o IGP-DI, fechou em queda.

Pelo terceiro mês seguido. E puxada sobretudo pelo setor de alimentos.

Vou reproduzir apenas um pedacinho, para não cansá-los.

SÃO PAULO – O Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) voltou a cair em julho, terceiro mês seguido em que registra deflação. O indicador recuou 0,55% no mês passado, após registrar declínio de 0,63% em junho e queda de 0,45% em maio, informou a Fundação Getulio Vargas (FGV). No ano, o IGP-DI acumulou alta de 1,54% e, em 12 meses, avançou 5,05%.

Dos componentes do indicador geral, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que representa 60% da formação dos IGPs, caiu 1,01% em julho, seguindo baixa de 1,21% um mês antes. Os produtos agropecuários cederam 2,81% e os industriais, 0,34%. Em julho, as taxas negativas tinham sido mais acentuadas, de 2,97% e 0,52%, respectivamente.

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3) Setor de autopeças: copo meio vazio ou meio cheio?

O contraponto que eu gostaria de apresentar refere-se à manchete do Globo de hoje.


 

A manchete não está errada, mas é um terrorismo chinfrim. A produção de automóveis caiu 20% sobre o mesmo mês do ano passado, mas cresceu fortemente (17%) sobre o mês anterior, num sinal de recuperação.

A mentira se encontra, sobretudo, na falta de contextualização, o que leva o leitor a pensar que a indústria vive uma crise estrutural, ou mesmo terminal, o que não é verdade.

Eu fui no site da Anfavea, a associação que representa o setor, analisei inúmeras estatísticas, e baixei o Anuário de 2014.

Descobri que os últimos meses tem sido difíceis. Mas os números mostram um setor evoluindo de maneira intensa nos últimos anos, e um mercado consumidor ainda com um gigantesco potencial de crescimento. Eu separei alguns gráficos e tabelas. Faço comentários sob cada uma das tabelas.



Observe que o faturamento do setor, em números já deflacionados, cresceu de US$ 46 bilhões em 1995 para US$ 94 bilhões em 2012. O ano de 2013, não presente no Anuário de 2014, também foi positivo. Talvez haja um declínio em 2014, mas sem afetar a tendência geral de aumento de produção e faturamento.

A participação do setor de autopeças no PIB industrial passou de 13% em 1995 para 19% nos últimos anos.


A produção em 2013 marcou um recorde histórico: 3,73 milhões de veículos, quase o triplo do volume registrado em 1993.


A produção de veículos passou por uma descentralização profunda. Antes, tínhamos quase tudo concentrado em Minas e, sobretudo, São Paulo.  Em 1990, São Paulo concentrava 75% da produção nacional de veículos; em 2013, por 43%. Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e Goiás passaram a ser players importantes.


A produção de máquinas agrícolas em 2013 triplicou desde o final dos anos 90.  O Brasil produziu 100 mil máquinas em 2013.


Desde 2004, o Brasil tem sido um dos países cuja produção de autopeças mais tem crescido. Observe que EUA e Japão produziam 12 e 10 milhões de veículos ano em 2004; no mesmo ano, a produção brasileira era de 2,3 milhões. Em 2013, o Brasil produziu 3,7 milhões, aumento de 61% em 10 anos. Não é pouca coisa! Em 10 anos, ultrapassamos  Canadá, Espanha e França.


A tabela acima mostra o potencial de consumo de automóveis do Brasil, e porque tantas empresas do setor continuam a investir por aqui. O número de habitantes por veículo na Argentina, para ficar num país de renda similar (e até mesmo inferior), é de 3,6 por carro. Aqui no Brasil está em 5,3. Nos países desenvolvidos, o índice fica entre 1 e 2 carros por habitante.

Naturalmente, temos que melhorar a infra-estrutura das nossas grandes cidades, principalmente introduzindo transporte ferroviário.


A frota de veículos no Brasil estava estimada, em 2012, em 37 milhões de veículos. Nos EUA, é de 251 milhões. No Japão, com população inferior à nossa, em 109,2 milhões. Isso mostra bem o potencial enorme de vendas para a indústria de autopeças.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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