Imprensa é investigação sim, Dilma!


 

É minha candidata, mas tropeçou feio.

Trata-se de um escorregão perigoso, que a mídia já está usando rapidamente para pintar a presidenta e seu governo como inimigos de uma imprensa independente e investigativa.

E, com isso, criminalizar o debate sobre a democratização da mídia.

A frase de Dilma foi retirada do contexto, mas ela poderia facilmente ter retificado.

Agora está sendo pintada como inimiga da imprensa, o que não é verdade, visto que a imprensa faz o que quer no Brasil, com total liberdade. Nem Lula nem Dilma nunca processaram ninguém, a diferença de Aécio, que dias atrás tentou processar 66 tuiteiros. Nem nunca tentaram fechar os espaços de comunicação de seu adversário, como conseguiu Marina, por alguns dias.

Como a comunicação da Dilma – uma tragédia ferroviária mesmo durante o processo eleitoral – provavelmente demorará semanas para inventar uma justificativa para a presidenta ter falado uma asneira tão grande, eu vou tentar lhes ajudar.

Primeiro, vamos pegar o contexto, a fala completa de Dilma, conforme a reprodução do Globo:

— Pedirei ao ministro Teori a mesma coisa: quero ser informada se no governo tem alguém envolvido. Não tenho porque dizer que tem alguém envolvido, porque não reconheço na revista “Veja” e nem em nenhum órgão de imprensa o status que tem a PF, o MP e o Supremo. Não é função da imprensa fazer investigação e sim divulgar informações. Agora, ninguém diz que a informação é correta. Não prejulgo, mas também não faço outra coisa: não comprometo prova. Porque o câncer que tem nos processos de corrupção é que a gente investiga, investiga, investiga e ainda continua impune — disse Dilma, acrescentando:

— Não é possível que a revista “Veja” saiba de uma coisa e o governo não saiba quem é que está envolvido. Pedi primeiro para a PF, que me disse: não posso entregar, a investigação está em curso e peça ao MP. E o MP me disse a mesma coisa: se ele me disser, ele contamina a prova. Se ele me disser, ele contamina a prova.

E reiterou, irritada:

— Quando sai uma denúncia na “Veja” ou em qualquer outro jornal, eu não tomo medida, porque sou presidente da República, baseada no disse me disse.

*

Agora, eis minha humilde sugestão do que Dilma pode dizer, num próximo encontro com jornalistas:

“Eu queria pedir desculpas por ter me expressado mal outro dia, quando falei que o papel da imprensa não é investigar e sim divulgar informações.

O meu governo sempre respeitou e estimulou a liberdade de imprensa, tanto é que, nos últimos 10 ou 12 anos, a Globo ganhou 6 bilhões de reais do governo federal, em anúncios institucionais. E vocês sabem que a Globo é um veículo que faz oposição a meu governo.

Vocês precisam julgar o compromisso do meu governo com a liberdade de imprensa por sua prática, não por uma frase infeliz, dita num determinado contexto, que explicarei em seguida.

O meu governo beneficiou os grandes grupos de comunicação, então vocês deveriam ser mais agradecidos. Se eu faltei com a liberdade de imprensa foi por não ter implantado políticas públicas, nem sequer feito um debate sobre isso, que estimulassem a consolidação desta jovem e dinâmica imprensa que vem surgindo na internet.

Sobre isso eu também queria pedir desculpas ao Brasil.

Milhões de jovens saíram às ruas em junho do ano passando, cantando refrões antimídia, e o  meu governo não deu nenhuma sinalização de que iria discutir a questão.

Dito isso, explico porque falei aquela besteira.

O que eu queria dizer, naturalmente, não era que a imprensa não deve investigar.

A imprensa tem a função de investigar, informar e dar opinião.

O que eu quis dizer é que, no âmbito do processo penal, a investigação cabe ao órgão competente. Nenhum juiz pode condenar um réu com base na investigação de um jornal.  Isso aconteceu no mensalão, mas é errado.

O juiz não deve sequer se deixar influenciar pelas matérias de jornal. O que ele deve fazer é encaminhar a investigação ao ministério público e à polícia, para que estes investiguem segundo critérios constitucionais determinados, produzam as provas ou contraprovas, e entreguem o material aos procuradores, que farão a acusação.

Os investigadores podem usar o material divulgado na imprensa para subsidiarem seus inquéritos, mas estes tem de ser conduzidos de maneira autônoma. Não é válido substituir uma investigação oficial por uma xerox de reportagem da revista Veja, como costumam fazer senadores de oposição sempre que há uma CPI.

Entenderam o que eu quis dizer?

Em suma, imprensa deve investigar sim, mas o sistema penal exige uma investigação oficial das autoridades competentes. Só assim teremos condenação.”

Fim da fala.

*

Sobre o assunto que teria irritado a presidenta, as denúncias da Veja, o que está havendo é muito estranho. Delação premiada já é um troço indecente, porque sugere um acordo do Estado com uma pessoa confessadamente corrupta.

Quando há vazamento seletivo das denúncias de um delator “premiado” que faz delações igualmente “seletivas”, chegamos ao requinte do golpe midiático.

A classe jurídica é radicalmente dividida em relação ao tema. Boa parte acha que delação premiada é um absurdo. O funcionário passa a vida roubando e achacando empresários. Quando o sujeito é preso, ele delata aqueles que achacou, e constrói a sua versão dos fatos. Se tiver a sorte de estar num momento midiático favorável a ele, como é o caso de Paulo Roberto Costa, pode pintar e bordar.

Qualquer mentira que atinja a Dilma é alçada a verdade absoluta na mídia. Outras denúncias, que atingem a oposição, não interessam.

Delação premiada seletiva, e vazada ilegalmente à imprensa de oposição, é o fim da picada!

O que é narrado por um delator “premiado” só terá validade, naturalmente, se vier acompanhado de provas. Sem isso, pode ser apenas uma estratégia espúria do delator de criar um diversionismo. Ou pior:  ele pode estar fazendo o jogo de um desses promotores ou policiais marrentos, mais interessados em “derrubar” o governo do que em descobrir a verdade, como já vimos tantos por aí.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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