Brasil, o país da crise política eterna

Análise Diária de Conjuntura – 11/09/2015

Como esperado, as conspirações midiático-judiciais trazem o seu escândalo de final de semana. Dessa feita, um pedido, feito por um policial federal, para ouvir Lula. É naturalmente um factoide político para atingir o ex-presidente, principal alvo das oposições pelo que ainda representa em termos eleitorais.

No front externo, a queda nas avaliações da Standard & Poor’s continua sendo usada pelos mercados em seus ataques especulativos ao Brasil. A mídia, por sua vez, usa para atacar o governo e impor suas visões políticas.

O governo permanece desorientado, à mercê das fofocas. O blog do Gerson Camarotti, da Globo, informa que Mercadante não sai da Casa Civil. A pessoa que não acompanha de perto a política achará até engraçado. O governo só aparece com notícias negativas, tipo essa, de que Mercadante não sai. Isso acontece, naturalmente, porque o próprio Mercadante é uma figura negativa, silenciosa, enigmática.

Dilma continua operando o governo completamente isolada, visto que não tem porta-voz nem ninguém que se exponha para defender os projetos federais, que aliás não se sabem quais sejam justamente porque ninguém diz. Na TV, a propaganda do governo são desenhinhos animados, falando das obras de infra-estrutura.

O PT enfia cada vez mais sua cabeça num buraco, sem conseguir reagir às conspirações. Achava que iria sobreviver ao mensalão através da tática de entregar o máximo possível de cabeças, e deixar a luta política para setores minoritários da sociedade. Não adiantou nada. A situação se agravou.

O texto do delegado que acusa Lula usa exatamente os mesmos raciocínios das acusações do mensalão. Acusações políticas, de usar recursos financeiros das empresas para financiar campanhas e, com isso, manter o apoio político ao governo. É a mesma coisa. Com isso, pode-se repetir as táticas do julgamento do mensalão, jamais denunciadas a contento pelos ministros da justiça do PT, que apenas repetem, submissamente, uma lógica republicana que, fingindo respeito ao Estado de direito, apenas chancela os crimes cometidos contra o próprio Estado de direito. Porque, no fundo, a covardia respeita o que não deveria se respeitar no Estado de direito: os nomes, as capas pretas. O respeito deve ser dado às leis, e ao debate, claro, que é a essência da própria democracia. O debate crítico sobre o mensalão, a denúncia das conspirações não é abraçada pelo governo, que, ao contrário, lhes dá chancela e apoio, como um sapo que acreditasse que o escorpião realmente tem a intenção de lhe ajudar a chegar ao outro lado do rio.

Dei um nome um pouco mais elegante para o golpômetro: Índice de Estabilidade do Governo, e comecei a fazer uma tabela e um gráfico. Publicarei o gráfico diariamente, ou ao menos enquanto o índice estiver acima de dez pontos e a crise se mostrar um pouco mais perigosa.

A obsessão da mídia para destruir Lula é doentia, mas Lula também tem a sua parcela de culpa por esta situação. Sob orientação de Lula, o PT menosprezou a criação de importantes think tanks que produzissem inteligência política para fazer frente às conspirações midiático-judiciais e apresentar debates sobre o futuro político do partido e do governo. Os processos de democracia interna também se degeneraram. O processo de escolha da própria Dilma, por exemplo, sem dar oportunidade aos filiados do PT de a conhecerem primeiro, de testemunharem seu desempenho em debates, em situações difíceis, gerou um problema pelo qual pagamos até hoje.

Enquanto o site e as redes do PT eram tocados por uma agência americana, que cobrava mais de R$ 6 milhões por ano pelo serviço, enquanto o partido destinava dezenas de milhões de reais para os esquemas de campanha oficial, uma imensa intelectualidade simpática ao partido, nas universidades, nas empresas, na sociedade, foi alijada do debate político da legenda e do governo. Os sites do partido apenas publicam artigos dos mesmos nomes. Há milhares de intelectuais simpatizantes do PT, no campo da ciência política, do direito, da sociologia, etc, ansiosos por ajudar, e o PT dando milhões por ano para Pepper e torrando outros milhões em festas e congressos em hoteis de luxo.

A militância foi desprezada. Não houve investimento em formação de quadros. A Perseu Abramo virou um zero à esquerda. Tudo isso resultou num partido sem nervos, sem fibra, sem ossos, sem técnicas de contra-ataque, sem poder de investigação, sem cultura, sem inteligência, sem criatividade. E isso apesar de uma enorme militância culta, inteligente e criativa.

Grande parte da responsabilidade política da crise cabe ao PT, porque ele teria obrigação de ser a ponte entre a sociedade e o governo, fornecendo quadros e argumentos políticos. O resultado está aí: um governo e um partido afônicos e analfabetos. Não sabem falar e não sabem escrever. O Rui Falcão, presidente do PT, até tentou liderar uma reação meses atrás, mas desistiu. Governo e PT estão sem porta-voz, sem estratégias, sem relações públicas.

A direita acusa o PT e o governo de terem financiado blogs, mas é mentira. Nunca financiaram nada. O PT concentrou suas verbas na agência norte-americana Pepper, que agora faz as malas e vai embora, sem ter deixado nada acumulado. O governo Dilma ampliou a concentração das verbas de publicidade nos mesmos grandes meios que protagonizam as conspirações midiático-judiciais que visam derrubar o governo.

Aliás, as empresas de mídia fingiram se posicionar contra o golpe, tentando fugir ao estigma da história, mas continuam agindo exatamente da mesma maneira, buscando permanentemente desestabilizar o governo.

Nem PT nem governo jamais defenderam políticas públicas concretas para criar, na internet, um jornalismo profissional contramajoritário, que pudesse oferecer ao Brasil uma visão diferente daquela oferecida pela Globo. O partido, no máximo, critica a mídia em momentos mais agudos de crise política.

O desprezo, ou medo, de Dilma pelo tema da democratização da mídia é algo estarrecedor, sobretudo após tê-lo usado durante a campanha. Boa parte da queda da popularidade de Dilma vem de seus próprios eleitores. Se o governo quiser melhorar sua aprovação, basta voltar a este tema. Falar é grátis. É democrático. A ONU fala do assunto. O papa fala do assunto. EUA tem regras, Inglaterra tem regras. Alemanha tem regras. Basta falar, usar a inteligência, comparar com outros países. O governo tem de ampliar a sua base de apoio na sociedade, se quiser, de fato, buscar a estabilidade política. Para isso, tem de fazer política. Tem de construir aliados, e não os conseguirá na oposição e na parcela da sociedade radicalizada contra o governo.

A direita, por sua vez, vem investindo em inteligência há tempos, pagando blogueiros a peso de ouro, criando think tanks (instituto millenium), patrocinando bolsas de estudo. O atual editor da Época, Diego Escrotogoy, recebeu bolsa do Millenium para fazer um curso nos EUA. Diego hoje retribui o favor organizando uma das frentes de ataque da Globo ao BNDES e a Lula.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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