Laerte: Crise política é culpa da imprensa

Por isso eu falo que dar um golpe não será tão fácil.

Não estamos na ditadura.

Os golpistas são apoiados pela imprensa corporativa (herdeira da ditadura) e uma parte dos estamentos judiciais, mas não tem qualquer controle sobre uma opinião pública rebelde e diversificada.

Não vão conseguir silenciar as vozes que se erguerão, cada vez mais alto, para acusar os golpistas de violarem a democracia e arriscarem um processo de estabilidade política que vínhamos construindo, a duras penas, desde o fim do regime militar.

Há um núcleo duro e crescente da opinião pública que está cada vez mais vacinado contra as armadilhas semióticas da grande mídia.

Nem todo mundo é analfabeto político.

Trecho da entrevista com Laerte, nosso grande cartunista:

Acho que a crise política é resultado – inclusive – da ação da imprensa há vários anos.
O modo como é construído o noticiário, se nunca foi neutro ou imparcial, vem se tornando mais e mais tendencioso, contribuindo para construir blocos de tendências.
As últimas eleições foram ocasião de episódios que beiram o crime, como a capa da revista Veja na véspera da votação.
As manifestações anti-governo vêm contando com apoio claro de jornais, revistas e tevês.
O crescimento dos movimentos pela derrubada do governo – através de impeachment ou não – vêm sendo alimentados,de muitas formas, pela mídia.
O próprio retrato da crise é enviesado.

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Exclusivo: Laerte fala das charges anti-golpe

Por Chico Alves, em seu blog.

18/09/2015

A chargista Laerte é conhecida por botar o dedo nas feridas nacionais em seu espaço na Folha de S. Paulo. Ela surpreende a cada desenho, mostrando novos ângulos sobre fatos que já pareciam esgotados nos textos dos jornais. Na segunda-feira, no entanto, as redes sociais multiplicaram em proporções maiores que de costume a charge de Laerte que tratava do papel da imprensa na pressão pela saída da presidenta Dilma Rousseff. Além da abordagem surpreendente, a circunstância era especial: o desenho foi publicado na Folha um dia depois de um editorial de primeira página em que o próprio jornal cogitava a hipótese de Dilma sair do cargo antes de 2018.

A seguir, outra criação de Lerte bombou na internet. Também publicada na Folha, mostrava que desta vez o golpe em marcha dispensava a ajuda de militares. CH procurou a autora do desenho para falar do assunto. Nessa entrevista, ela fala da liberdade de criação no jornal e critica o noticiário da imprensa em geral, que classifica como tendencioso:

CH – A primeira charge, que mostra a imprensa encurralando a presidenta, é uma alusão ao editorial da Folha “Última chance”?
Laerte – Prefiro não dissecar minhas charges – elas devem dizer por si mesmas o que tem pra ser dito.

Mas a referência é ao modo como toda a “grande mídia” vem se comportando politicamente.

CH – Houve alguma pressão para que a charge não fosse publicada ou alguma advertência após a publicação?
Laerte – A Folha nunca fez pressão nesse sentido, com qualquer charge minha – nem fez advertência depois.
Está subentendido que chargistas, colunistas etc. são responsáveis por suas opiniões.

CH – Qual a sua avaliação da cobertura da imprensa sobre a crise política?
Laerte – Acho que a crise política é resultado – inclusive – da ação da imprensa há vários anos.

O modo como é construído o noticiário, se nunca foi neutro ou imparcial, vem se tornando mais e mais tendencioso, contribuindo para construir blocos de tendências.

As últimas eleições foram ocasião de episódios que beiram o crime, como a capa da revista Veja na véspera da votação.

As manifestações anti-governo vêm contando com apoio claro de jornais, revistas e tevês.

O crescimento dos movimentos pela derrubada do governo – através de impeachment ou não – vêm sendo alimentados,de muitas formas, pela mídia.

O próprio retrato da crise é enviesado.

CH – Sobre a charge que mostra um golpe em marcha sem a participação de militares: quem você identifica como os condutores desse golpe?
Laerte – De novo, a charge deve falar por si. A personagem ali retratada veste terno e gravata – o que não define muita coisa hoje, eu sei. Achei que não precisava especificar mais que isso, quando o texto revela que a intervenção militar nem será necessária. A posição da figura, pedalando um “golpe”, deve (ou deveria) bastar.

CH – Como tem sido a reação do público a estas charges?
Laerte – Uma parte se reconhece na opinião ali implícita e festeja; outra parte se sente criticada (ou, equivocadamente, ofendida) e reage com críticas – às vezes, com insultos e com versões alteradas dos meus trabalhos.

É chato, mas temos vivido cada vez mais numa divisão radical de territórios de atuação política e social, com pouco espaço para reflexão. As charges – o humor, em geral – estão dentro dos modos de refletir, mas de um modo sui-generis.

Seu papel, em momentos tensos como os que vivemos, acaba sendo mais de reforço a determinadas posições do que de estímulo a uma ideia crítica geral. É coisa que me preocupa.

Não tem resposta fácil porque a charge precisa se articular com os movimentos que estão acontecendo – chargistas não são uma categoria de pessoas que pairem fora do tumulto da vida, como não o são artistas nem intelectuais.

(as charges neste post foram publicadas no jornal Folha de S. Paulo)

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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