Lava Jato usa moral de doleiro contra sistema político

Brasil, Curitiba, PR. 13/11/2003. O doleiro Alberto Youssef (c), de 36 anos, é conduzido por policiais federais após prestar depoimento à Justiça Federal, em Curitiba (PR). Youssef estava preso acusado pelo Ministério Público Federal de ter sonegado cerca de R$ 118 milhões (valor atualizado) em impostos, por meio da empresa Youssef Câmbio e Turismo, durante os anos de 1996 e 1999. O doleiro também teria movimentado cerca de R$ 3,3 milhões em uma conta de sua cunhada, Cristina Fernandes da Silva, no Banestado de Nova York, igualmente denunciada. Ele era alvo de denúncias por crimes contra o sistema financeiro e a ordem tributária, além de formação de quadrilha e falsidade ideológica. - Crédito:ANIELE NASCIMENTO/AGÊNCIA DE NOTÍCIAS GAZETA DO POVO

CONFISSÃO DE IGNORÂNCIA

30 de novembro de 2015

Por Wanderley Guilherme, no blog Segunda Opinião

Bem, não sei interpretar o momento nacional. Somando a reduzida previsibilidade e credibilidade de instituições centrais da democracia: partidos políticos, imprensa e decisões de governo – sobra pouco para garantir racionalidade ao quebra-cabeça resultante.

Pior, parece-me que nem governo nem Legislativo se encontram em situação muito mais sólida. Mesmo a imprensa, sempre coerente em seu estranho afazer, ora incensa ora amaldiçoa suas fontes anônimas e seus ídolos arroz de festa de inúteis reportagens. A economia é uma, nas declarações ministeriais, e outra nos indicadores e pesquisas de institutos acadêmicos. A crer no currículo de fracasso de ambos, ambos devem estar errados. Exceto se peco por implicância, as personagens políticas, desgastadas em entrevistas diárias, são já insuportáveis, tanto quanto a xaropada de colunistas sobre corrupção alheia e as previsões despudoradas das autoridades, qualquer autoridade, sobre este, aquele, ou qualquer assunto.

O Judiciário entrou na roda. Não só pelos indícios de arbitrariedades em algumas investigações, mas por surpreendentes novidades interpretativas. A mais recente convoca a figura criminal de alguém ser “suspeito de ser suspeito”, que não é assim nomeada, mas único entendimento possível para justificar prisões controversas. Por pouco não se obriga a população à cruel escolha da narrativa bíblica entre o bom ladrão e o mau centurião. Em cinemas de bairro o bom ladrão acaba aplaudido. Aliás, o que deve fazer um ladrão para ser bom? Talvez o que tem feito o reincidente criminoso e delator Alberto Youssef.

Transcrevo O Globo, 29/11/2015, página 5. Incapaz de explicar como passava somas clandestinas a enorme lista de políticos, o doleiro foi ajudado pelo inquisidor da seguinte maneira: “Questionado no depoimento se os nomes de outros deputados poderiam ter sido incluídos só para que a cúpula recebesse mais repasses (bola levantada pelo agente público – WGS), o doleiro disse que não se pode duvidar disso”.

Não se pode duvidar? Quer dizer, a suspeita do agente ganhou comprovação pelo juízo abalizado do doleiro? E aí o doleiro fez o gol de placa da moral da Lava Jato:

“‘Dessa gente pode se esperar tudo’, registra o termo do depoimento do doleiro”.

Alberto Youssef passou a ser, oficialmente, o inspetor dos costumes políticos brasileiros.

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Últimas palavras

Se todos os ministros do Supremo Tribunal Federal tivessem o mesmo senso de oportunidade e firmeza de convicção da ministra Carmem Lucia, já demonstrados em declarações durante a AP470, desafiando réus em vias de condenação, e repetidos agora em tom de revolução espanhola, a Corte ficaria sem ter muito a discutir. Provavelmente seriam também dispensáveis novas edições da Constituição Federal. Pena serem remotíssimas as chances de haver outra candidata à Presidência da República além de Marina Silva, pelo menos em 2018.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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