Então é natal, e o que você fez?

por Tadeu Porto, colunista do Cafezinho

Eu curto demais o Natal, acho fantástico! É legal ver todo mundo unido em torno de diversas discussões, que não envolvam somente política ou futebol (religião sempre tem)! Se Lewandowski não tivesse dado uma sapatada em Cunha, ou o Kalil tivesse deixado a primeira liga, não teríamos quase nada circulando pelas redes sobre os assuntos que “não se podem discutir”.

O que eu enxergo do Natal, e acho muito bacana, é foco nas confraternizações, amigos ocultos, festas em família! Aliás, que papel extraordinário faz a internet nesse sentido: hoje em dia é muito mais fácil organizar encontros com pessoas que não vemos há anos! E toda vez que tem um encontro desses, seja virtual ou ao vivo, as boas lembranças são sempre bem vindas e geram ótimas sensações.

[Um parenteses: claro que sempre vai ter um bando fascistinha que não consegue conviver coletivamente e vai atacar um ícone mítico como o Chico Buarque. Faz parte, parece impossível se livrar dessa galera. Daqui a pouco, estarão agredindo o bom velhinho por que se veste de vermelho.]

Além de divertido, eu vejo aniversário de Jesus como um tempo de reflexão. Por exemplo, nessas últimas semanas, Simone deve ter te encontrado pelo menos umas vinte vezes para te falar que o Natal enfim chegou e, não satisfeita e muito curiosa, te perguntar: o que você fez?!

Bom, o Cafezinho é um blog sensacional! Tenho certeza que o bom trabalho (e árduo) do Miguel acarreta numa diversidade incrível de leitores e leitoras. Por isso, seria praticamente impossível tentar adivinhar o que cada uma, ou um, vez nesse ano. Seria… Se nossa sociedade não tivesse um pilar muito perverso e previsível: o preconceito.

Sem medo de errar, arrisco dizer o que a maioria esmagadora de pessoas, inclusive eu mesmo, fizeram em 2015: oprimiram alguém.

As avaliações que o Natal nos permite fazer são ótimas oportunidades para tentarmos estabelecer limites para até quando vale a pena continuar com certas posturas que agridem o ambiente que nos cercam.

Obviamente, não podemos chegar aqui e achar que devemos travar nossas relações por medo de ofender alguém. A construção de atitudes coletivas é mesmo muito difícil, e os bullyings da vida, na verdade, podem aproximar as pessoas! O humor bem feito é importantíssimo para as risadas e a alegria cotidiana e ninguém é obrigado a ser uma máquina que conhece perfeitamente as barreiras do saber.

Entretanto existem situações gritantes que não dá mais para aceitar. O racismo, a homofobia, o sexismo e o preconceito de classe, por exemplo, são vergonhosos ao extremo do inaceitável.

Na Roma antiga, gladiadores arriscavam a vida enfrentando leões para entreter uma sociedade aristocrática que adorava este tipo de espetáculo. Hoje em dia, a grande maioria das pessoas acha isso uma barbárie e pensa que os romanos abusavam de escravos e plebeus com tal postura.

A impressão que eu tenho é que este tipo de brutalidade ainda está muito viva, só mudou de forma. Um exemplo prático: troque o gladiador por uma mulher de nome Fabíola, o coliseu pelo Whatsapp e os leões por dogmas culturais. Milhares de pessoas parecem não se importar com quem Fabíola era ou vai ser ou se a família dela será massacrada ou não, simplesmente pelo prazer de se entreter com piadas sobre fazer a unha, gordinhos pegadores e, principalmente, poder se divertir com uma história baseada em fatos reais.

E isto tem sustentação forte no preconceito. O site Ashley Madson teve dados de milhares de homens infiéis vazados e isso sequer colocou em debate se a monogamia está saturada ou ultrapassada (mesmo sendo um tema que renderia anos de discussão).

Consideramos, ainda, o amigo da saveiro, também infiel. Alguém tem dúvidas que ele deve ganhar música no carnaval, vai ser o gordinho gostoso e saliente, 1% de safadeza que vai inspirar a pegação total? Tudo isso, dentro de um “peça” da vida real, construída sugando a energia de uma mulher, que cede sua imagem (a foto dela deve estar em mais de metade dos celulares do país) como um guerreiro doava sangue num ringue para fazer a alegria do imperador e seu seleto grupo.

Esse é um problema sério da opressão: a gente a pratica muitas vezes sem saber. Eu mesmo, graças a esses dois últimos anos de maior aproximação com os grupos de esquerda, acabo sempre descobrindo uma nova atitude preconceituosa que pratiquei! Não consigo ter uma prosa produtiva com alguma minoria que luta por seus direitos sem sentir vergonha do que fiz e faço.

É por essas e outras que o preconceito travestido faça seu trottoir sob corpos de gays, trans, mulheres, negros e pobres, e cada passo dado é um aperto a mais na potência de agir ou “tesão pela vida” (dando uma moral pro Clóvis Barros, curto demais os vídeos dele) de cada minoria.

Por isso, neste Natal, quando você se confrontar com a questão filosófica da Simone, pense na opressão que por ventura foi cometida e se era mesmo necessária.

Se valeu a pena falar que alguém tem cabelo “ruim” ou utilizar a frase “preto quando não caga na entrada, caga na saída”. Pense se era pertinente interromper a fala de uma mulher, como se ela não existisse, achar que elas não podem utilizar roupas que “provoquem” quem tem carne fraca, ou achar natural assediá-las no local e horário que você bem entender.

Pensar que bolsa família gera preguiçosos (todo mundo tem ambição, menos quem morre de fome! Se contenta com 400 reais por mês e para por aí) ou que é natural a polícia impedir adolescente de ir a praia pois não têm dinheiro, faz sentido? Será que foi conveniente tentar ofender um pessoa a chamando de “bicha”, como se isso fosse uma coisa ruim (e as torcidas do Brasil, inclusive do meu amado Galo, dão péssimo exemplo nesse sentido)?

Enfim, a ponderação é relativamente simples: vale a pena machucar um ser humano por uma dose de risadas ou a imposição de uma cultura que a gente acredita estar certa? Pois é.

Por isso, deste Natal em diante, vamos tentar oprimir menos. Vamos procurar dar liberdade para as mais diferentes manifestações morais, para os mais diversos gostos que interagem sabiamente, para um bem coletivo!

E quando “Então é Natal” vier em 2016 já estaremos prontos pra dizer: “Simone! Tá linda amiga!! Então, chegou o Natal e eu ajudei a espalhar o bem estar.” Vai ser top!

Mas por enquanto ficamos aqui com 2015… Com muita reflexão e autocrítica.

E um Feliz Natal para xs melhores leitorxs do Brasil!

Tadeu Porto é Diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF)

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