O dia em que Moro deixou de ser juiz

Charge: Vitor Teixeira

por Gustavo Fontana Pedrollo, no Democracia e Conjuntura

No teor das conversas de Lula divulgadas na tarde de ontem não há nenhuma ilegalidade. Nenhuma. Falar palavrão não é ilegal – aliás, nem imoral, e nem anti-ético, eu falo palavrão dando aula, e já no início aviso que não vou mudar isso. O palavrão é libertador e meus alunos podem falar também.

Não há obstrução da justiça, pois a troca de competência jurisdicional não é nem nunca vai ser obstrução ao exercício da jurisdição. Então, nomeação de ministro não pode ser considerada obstrução.

As conversas gravadas são políticas, contém análises normais de conjuntura que eu pessoalmente faço constantemente ao vivo, por telefone, no whatsapp. E quando faço ao vivo, com tantos quantos ou mais palavrões que Lula.

Foram divulgadas gravações flagrantemente ilegais, e aqui me refiro à ilegalidade do ato de gravar e de divulgar. Já não havia sequer ordem judicial para tanto, e foram gravadas e divulgadas.

Mas noves fora tal ilegalidade, vamos considerar, por um momento, e apenas por um momento, que as gravações se deram de acordo com a lei – o que é bastante discutível, considerando que até mesmo o sigilo do cliente com seu advogado foi quebrado, e que foram gravadas conversas da Presidenta da República, que tem foro privilegiado e para ser gravada precisaria de pedido do Procurador Geral da República e autorização do STF.

Mas vamos desconsiderar por um momento a ilegalidade das gravações em si. No seu conteúdo não há qualquer ilegalidade, mas apenas conversas políticas normais.

Por que então o magistrado que, ao determinar a condução coercitiva de Lula se disse preocupado com a convulsão social que isso poderia causar, divulgou tais conversas ontem, precisamente quando poderiam E EFETIVAMENTE CAUSARAM enormes conflitos sociais? Por que o fez se não há nelas sequer indício de ilegalidade?

Ora, por que Moro tornou-se um ator político, tentou claramente intervir no debate político nacional, e deixou de ser juiz, perdeu qualquer condição de imparcialidade e não pode, por isso mesmo, conduzir os processos que estão sob sua competência.

E ao cometer referidas ilegalidades, ao tentar interferir no processo político brasileiro, o (ex-?)magistrado tornou absolutamente legítima a vontade de qualquer pessoa de não ser julgado por ele, de ser julgado por um órgão com um mínimo de imparcialidade e distanciamento para a tomada de decisões jurídicas que respeitem a Constituição e as leis.

Ainda que a decisão de Lula no sentido de assumir um ministério seja sobretudo prejudicial a ele do ponto de vista jurídico, pois perde o direito ao duplo grau de jurisdição, e ademais, arriscada do ponto de vista político, pois põe sua biografia política à prova para tentar salvar um governo com inúmeros problemas para conquistar estabilidade política, ainda assim, eu dizia, para quem afirmava que ele só assumia o cargo para fugir da jurisdição de Moro, o dia de ontem provou que há motivos suficientes, sim, e muito claros, para que qualquer pessoa queira fugir de um juiz que desrespeita as liberdades básicas, a intimidade, o sigilo e expõe até mesmo a Presidência da República de nosso país publicamente por meio de gravações ilegais.

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