Folha sofre derrota ao procurar intelectuais a favor do golpe; esmagadora maioria se coloca ao lado da democracia

No blog da Maria Frô:

Folha perde de goleada dentro de casa e bota a culpa no juiz

A ilustríssima de hoje publica uma enquete sobre o que pensa os intelectuais brasileiros a respeito do impeachment sem crime de responsabilidade. Trinta e uma personalidades públicas (nem todas acadêmicas) foram entrevistadas e 21 delas se colocaram contra o golpe. Esmagadora maioria, mais de 2/3 dos entrevistados.

A FOLHA fez um esforço tremendo pra encontrar ‘intelectuais’ a favor do golpe (impeachment sem crime de responsabilidade é golpe). Curioso que no rol destes, alguns mostram uma ignorância crassa sobre o processo de impeachment que está sendo julgado, não sabem, por exemplo, que o argumento são ‘pedaladas fiscais’. O que não vemos nos argumentos dos intelectuais legalistas (simpáticos ou não ao PT), todos eles tem clareza do processo em curso e mais, como o próprio Schwarz desmascara a Folha com primazia:

Entre os ‘intelectuais’ a favor do Golpe notórios marinistas, notórios tucanos, incluindo o político FHC, que sofreu 14 pedidos de impeachment, ah! Folha, tenha santa paciência! Há ainda intelectuais que nos últimos 15 anos sempre se colocaram no espectro conservador, alguns com comportamento estilo o roqueiro decadente Lobão em seus discursos raivosos anti-petistas como é o caso de Ferreira Gullar. Seria surpresa que eles fossem contra o golpe e não a favor, que é esperado para qualquer leitor politizado. Mesmo assim, como em sua própria enquete a Folha tomou de lavada, ela justifica o fato de todas as universidades deste país estarem mobilizada na defesa do Estado de Direito da seguinte forma:

“É previsível que entre a intelligentsia as visões contrárias ao impedimento prevaleçam.O crítico Roberto Schwarz (que expõe sua posição neste levantamento de maneira indireta, mas sugestiva) já observara no ensaio “Cultura e Política, 1964-69?, que, apesar do golpe militar de 64, a esquerda continuou a desfrutar de marcante hegemonia no território da cultura –um quadro que em, linhas gerais, com marchas e contramarchas, manteve-se até o presente.”

A Folha só esqueceu de dizer que a primeira edição do livro de Roberto Schwarz é da década de 1970, publicada na França e só traduzida para o Brasil em 1978. É o modo de fazer jornalismo da Folha, sonegando o fato que põe em dúvida seu jornalismo opinativo.  Ora, se o pensamento de esquerda fosse hegemônico no país não teríamos um Congresso formado por Cunhas, Bolsonaros, um senado formados por Serras, Jucás.
Certamente não estaríamos vendo o fascismo solto nas ruas e este jornalismo de quinta apodrecendo a mente dos brasileiros.

Segue abaixo a lista dos intelectuais (vários não são petistas) que são legalistas e defendem a democracia acima de tudo. Abaixo da lista dos legalistas segue também a lista dos que se prestam ao papel absurdo de legitimar o golpe.

OS LEGALISTAS
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1) Não acho que a saída da presidente seja uma questão de opinião, mas sim de caracterização de algum crime previsto em lei para a justa aplicação da pena.

Em boa parte, a presente crise é estrutural: políticos e partidos corrompidos; excesso de siglas, muitas de aluguel e sem consistência ideológica; Justiça desacostumada a punir empresas e pessoas de fortuna; privilégios de foro; população desinformada e mantida longe do processo eleitoral; eleições dominadas por marketing indecente e financiamento ilícito etc.

Seriam importantes leis que dificultassem a corrupção (extinção de foros privilegiados; punição rápida e exemplar a empresas corruptoras e a políticos envolvidos; varas especializadas em crimes de colarinho branco; aplicação séria da Lei da Ficha Limpa etc.), bem como a renovação do Congresso com políticos de melhor costume.

Quando o Congresso não consegue expulsar tipos (mais que pessoas) como Cunha, Renan, Collor ou Maluf, não dá para crer em saída da crise. Não há atalhos para o processo de educação política e civil.

ALCIR PÉCORA
61, crítico e professor de teoria literária da Unicamp, autor de “Máquina de Géneros” (Edusp, 2001) e “Por que Ler Hilda Hilst” (Globo, 2010)

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2) É contra ou a favor do “impeachment”? Por quê?

Sou contra. Até o momento não há nenhuma evidência de responsabilidade da presidente em crime que justifique o pedido de impeachment. O processo tem caráter político. Desde a eleição, a presidente vem sendo contestada por uma oposição que não aceitou o resultado eleitoral –apesar de seus mais de 50 milhões de votos. O candidato derrotado pediu recontagem dos votos, buscando alternativas jurídicas para contradizer o que saiu das urnas.

Os argumentos contrários ao governo –estelionato eleitoral, má gestão, impopularidade– são insuficientes para justificar a interrupção de um mandato. Se combate à corrupção fosse a motivação de fato, seu alvo primeiro deveria ser o presidente da Câmara, contra quem pesam acusações seríssimas e fartamente demonstradas.

De outro lado, impeachment não significa fim da crise. Se a campanha de moralização pública for para valer, vai incidir sobre o sistema partidário inteiro, mantendo a crise no plano institucional. Se não for, movimentos sociais de esquerda farão, nas ruas, combate sem tréguas ao governo Temer.

Considerando que Dilma Rousseff deva continuar no cargo, como vê possível a recuperação da governabilidade?

Ela terá de se equilibrar numa base parlamentar frágil e ficará sem força para ações de impacto. Dilma terá, de outro lado, dificuldades de implementar o receituário do mercado para a economia, pois isso desagradaria o PT e os movimentos sociais que a apoiam. O governo vai seguir fraco e com baixa capacidade propositiva. Mas isto não significa ingovernabilidade. Se o impeachment for derrotado (e a oposição aceitar o desfecho), a presidente terá condições de governabilidade análogas às que teve Sarney em seu mandato. Agora, se seguir a campanha antigoverno, com novos pedidos de impeachment e mobilização nas ruas, o governo acabará paralisado. Na verdade, depende muito da atitude da oposição, se perder o jogo, se será mais ou menos “republicana” -para usar o termo que eles tanto usam.

A sra. acha que haverá um legado positivo da crise política?

Difícil ver saldo positivo. Houve uma politização do Poder Judiciário (vide as ações de Moro), o Legislativo está desmoralizado, e o Executivo, enfraquecido. A sociedade está mobilizada, mas dividida, e a polarização produz frequentes episódios de violência física e verbal. Espero que o legado seja o fortalecimento do Estado de Direito e das instituições democráticas, mas é mais desejo que prognóstico.

ANGELA ALONSO
46, professora do departamento de sociologia da USP, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), é autora de “Flores, Votos e Balas” (Companhia das Letras, 2015) e colunista da “Ilustríssima”

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3) Sou totalmente contra o impedimento da íntegra e destemida presidente da República. Os motivos alegados não me convencem e o impedimento provavelmente só agravaria a dificílima situação política e econômica do país.

ANTONIO CANDIDO
97, sociólogo e crítico literário, um dos fundadores do Grupo Clima, autor de “Formação da Literatura Brasileira” (Livraria Martins, 1959). Professor aposentado da USP, lecionou nas universidades de Paris e Yale e participou da fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980

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4) Eu sempre fui contra o impeachment, porque ele exige uma violação de função. Nunca me convenci de que as puras mutretas que chamaram de “pedaladas” seriam justificativa. Elas vêm desde Dom João 6º. Vai ter que se provar no Congresso se realmente houve a violação de função. Se o Congresso provar, então será legítimo e acabou.

DELFIM NETTO
87, economista, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), e ex-deputado federal, é professor catedrático da USP e colunista da Folha

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5) O processo de impedimento da atual presidente se transformou em peça política, em uma espécie de recall. Derrubar ou mudar governos desta forma não está dado em lugar nenhum do mundo. Não é assim nem sequer em regimes parlamentaristas. Governos não caem como resposta imediata à opinião pública. O interessante é ver como o mundo dá voltas. Quem sempre criticou o presidencialismo por seu caráter excessivamente plebiscitário agora pede que se ouça o clamor das ruas e coisas do gênero. O essencial da democracia é que resultados eleitorais sejam respeitados, que perdedores esperem sua vez. O impedimento feito desta forma, por uma interpretação política, quebra a regra de ouro da democracia.

Quem ganha leva. Quem perde espera. Se você não espera na vez em que perdeu, está abrindo o precedente para que seus opositores ajam da mesma forma contra você no futuro. A mágica que mantém o equilíbrio democrático se rompe.

Entendo que a discussão hoje é: há razões para impugnar a chapa Dilma-Temer no TSE? Há razões para o impeachment? Eu não vejo razões sólidas para uma coisa ou outra. Mas este poder não está nas minhas mãos ou na de qualquer outro membro da sociedade. São decisões institucionais, que seguem regras. No caso do TSE, cabe achar comprovações de que a campanha da presidente eleita foi financiada por recursos ilegais. As contas já foram julgadas. O julgamento, parece, pode ser reaberto. Mas tudo indica que está sendo reaberto com este espírito: “Precisamos nos livrar deste governo, vamos ver como”. O mesmo se passa com o processo de impeachment. O pedido assinado por Hélio Bicudo e outros juristas é, para dizer o mínimo, bem fraco e inconsistente. Cita mais Lula que Dilma e foi remendado na última hora, seguindo o pragmatismo de Eduardo Cunha que notou que 1) pedaladas, e não corrupção, deveriam ser o motivo do pedido e 2) que ele tinha que se referir ao mandato atual. O resultado é pífio, inconsistente –eu recomendo a leitura do pedido–, é uma colcha de retalhos. Argumentação e motivo não fecham. O que temos, portanto, é um recall, que é um mecanismo péssimo, destrutivo de qualquer governo, bastando ver o que aconteceu na Califórnia desde a sua introdução.

A coisa vai mal, a crise é profunda, e sua solução, qualquer que seja, e com certeza, sempre há uma, vai ser dolorosa. O mais preocupante é que a discussão está posta inteiramente no campo moral. Tudo se passa como se o problema fosse se livrar de governantes corruptos, das pessoas que cederam às tentações e se deixaram levar etc. O problema não é moral e muito menos individual. De nada adianta trocar os governantes, se as condições que geraram ou permitiram a corrupção continuarem presentes.

A Lava Jato parece se inspirar nessa visão de que o problema de fundo é a fragilidade moral dos atuais governantes. Isto está expresso de forma clara no famoso artigo de Moro sobre a Operação Mãos Limpas, em que ele afirma que corrupção se combate com uma opinião púbica vigilante. Por isso mesmo, a Lava Jato concentrou seu ataque em Lula, definido como o chefe, arquiteto e principal beneficiário da organização criminosa. Prender Lula seria uma medida exemplar, o sinal necessário para ativar a vigilância cívica.

Pôr a questão no campo moral é um equívoco. O problema é institucional e recorrente. O “modus operandi” revelado pelo petrolão não é assim tão diferente do montado pelo deputado João Alves no Orçamento. Os anões podem não ter sido presos, mas o fato é que o Congresso reformulou inteiramente o processo orçamentário. No Orçamento, até onde se sabe, a festa das empreiteiras acabou. Aliás, as empreiteiras daquele escândalo são as mesmas metidas neste. O problema é encontrar formas institucionais que impeçam a corrupção, que impeçam que as empreiteiras capturem as estatais. Não há qualquer discussão deste ponto. A Odebrecht, Aécio declarou aos jornais, pagou as dívidas de sua campanha. Por que tamanha generosidade? Duas questões precisam ser enfrentadas seriamente no plano institucional: o financiamento das despesas eleitorais e a contratação de serviços pelas estatais.

FERNANDO LIMONGI, 58, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago, é professor titular do departamento de ciência política da USP, pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e vice-coordenador do Núcleo de Estudos Comparados e Intencionais da USP
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6) A presidente Dilma Rousseff não cometeu crime de responsabilidade. A pedalada fiscal não é crime de responsabilidade. Embora a Constituição admita a opção do impeachment, a Carta exige que se aplique apenas quando um crime desse tipo é cometido. Portanto sou contra. E é golpe. O Brasil só se fortalecerá se o golpe fracassar. Se triunfar, teremos um coquetel explosivo: governo ilegítimo mais política econômica recessiva.

FERNANDO MORAIS
69, jornalista e escritor, autor de biografias como “Olga” (Alfa Ômega, 1985) e “Chatô – O Rei do Brasil” (Companhia das Letras, 1994)

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7) O único pressuposto do governo democrático é a soberania popular, exercida pelo voto. Está acontecendo um golpe. Sem respeito à soberania popular, acontecendo um golpe, haverá um quadro de caos e violência. A saída é evitar o golpe. Circunscrever instituições à delimitação legal e constitucional.

O golpe tem um braço midiático, de combate seletivo à corrupção, que é a senha da manipulação de um público desinformado, e atende a necessidades econômicas do andar de cima. Mesmo um reformismo fraco é muito para o Brasil.

Há também um braço do sistema jurídico nesse golpe. O sistema está pensando o poder do Estado, sem voto, querendo ser uma espécie de poder moderador. Não é o Judiciário, é o sistema que quer mandar no Estado. Não se trata de combate à corrupção, mas de ganho de poder.

A lição que fica é de que a grande tragédia brasileira, que tende a continuar, é a dificuldade em conviver com regras democráticas. O que incomoda é que os populares possam ter algum quinhão do Estado. Corrupção, afinal, é um conflito distributivo, e é um conceito vago o bastante para que endinheirados decidam o que é e quem é corrupto.

JESSÉ SOUZA
56, autor de “A Tolice da Inteligência Brasileira” (2015), presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é professor titular de ciência política da Universidade Federal Fluminense e foi professor convidado na Universidade de Bremen

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8) O processo do impeachment em andamento não consegue escapar de ser uma pedalada jurídico-legislativa. Sou contra essa tentativa de virar o jogo institucional destituindo uma presidente da República que, além do mais, corre o risco de ser a única personagem pessoalmente isenta nessa grande embrulhada política. Ao mesmo tempo, sou contra os argumentos que, à margem da insuficiência jurídica, advogam pelo impeachment como um dispositivo de recall governamental, como um meio pragmático de promover a retomada dos negócios, como uma purificação moral da República, e como um julgamento estritamente político que traz no seu bojo aquilo que ele finge reparar, com Temer e Cunha no horizonte imediato, e todo um sistema, PSDB bem incluído, que quer sair ileso daquilo que se abriu do real do país.

Os erros da cúpula do PT são muitos, e o pior foi ter tomado a manipulação crônica da coisa pública pelo interesse particular como uma autorização para jogar a seu modo com as mesmas regras. Com isso, deu munição àqueles que, agarrados à acusação de crimes, não importando se reais ou supostos, e amplificados pelos meios de massa, se horrorizam diante de seu maior acerto: ter esboçado, mesmo que de leve, mudar a cara da desigualdade brasileira.

JOSÉ MIGUEL WISNIK

67, músico, compositor e ensaísta, professor de literatura brasileira na USP, autor de “O Som e o Sentido” (Companhia das Letras, 1989) e “Veneno Remédio” (Companhia das Letras, 2008)
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9) Impeachment é processo constitucional e democrático de remover governantes em sistemas presidencialistas, nada tem a ver com golpe. Como é votado no Congresso e pelo Congresso, terá sempre um ingrediente político. Parte da confusão gerada hoje pode ter a ver com as imprecisões da lei de 1950. A outra parte é simples retórica política.

Mas, a meu ver, se não surgir clara evidência de violação da lei pela presidente em crime de responsabilidade, sou contra a aprovação da medida. Aprovação sem essa condição daria margem ao aumento da gritaria de que foi golpe. O governo do sucessor, no caso do vice-presidente, por sua vez, teria que assumir a responsabilidade de fazer o trabalho impopular de descascar o abacaxi que não plantou. Viraria vidraça, seria infernizado por protestos, greves, manifestações de rua, pedidos de impeachment em que o PT, quando oposição, era mestre. E dificilmente as ruas se manifestariam em sua defesa. Sua vantagem sobre o atual é que teria melhores condições de formar uma base parlamentar mais confortável. Ironicamente, a médio prazo, o maior beneficiário do impeachment seria o PT. O partido posaria de vítima, livrar-se-ia da presidente e de seu legado desastrado, poderia lamber as feridas e se reorganizar.

Considerando que a presidente Dilma Rousseff permaneça no cargo, como vê a possibilidade de que se recupere a governabilidade?

Quase impossível. A chefe do Executivo mostrou-se no governo arrogante e incompetente, sem liderança política e sem habilidade de negociadora. Terá dificuldade de refazer sua base de sustentação no Congresso. Seu próprio partido não permitirá que adote as medidas que são quase unanimemente apontadas por economistas como necessárias para reequilibrar as finanças e recolocar o país na trilha do crescimento econômico, condição necessária até mesmo para sustentar as políticas sociais. Ela sangrará até o final do mandato, e o país com ela.

Considerando que a presidente deva sair, como vê os outros cenários possíveis, além do “impeachment” (renúncia, saída pela investigação do TSE, novas eleições)?

Na ausência de impeachment, sair ou não é decisão da presidente. A renúncia, por razões que têm a ver com sua personalidade, é improvável. A anulação da eleição pelo TSE depende ainda da comprovação de fraude eleitoral e poderá ser processo demorado. Seria, no entanto, caso legalmente embasada, a solução menos controvertida, por vir de um tribunal superior, e não do Congresso. As novas eleições seriam uma guerra, mas dariam alguma legitimidade ao vencedor. O problema são os prazos. Caso a anulação venha a ser decretada no ano que vem, a eleição seria indireta, feita pelo Congresso, e teria menor grau de legitimidade do que o conferido por eleição direta.

Em sua opinião, é possível que haja um legado positivo dessa atual crise política?

Dificilmente. Qualquer solução, fora da improvável renúncia, deixará resquícios de ódio que envenenarão a vida política do país por muito tempo. Teremos que nos dar por satisfeitos se não houver quebra institucional. No entanto, caso a Polícia Federal consiga manter intata sua independência de investigação sob o novo ministro da Justiça e caso o Ministério Público e a Justiça Federal de primeira instância (leia-se juiz Moro) circunscrevam as investigações rigorosamente dentro da lei, poderemos ter como legado um grande avanço republicano, no sentido de estender a igualdade perante a lei aos que sempre a ela se consideraram imunes, a elite econômica e a elite política, hoje tão solidárias no desrespeito à lei.

JOSÉ MURILO DE CARVALHO
76, cientista político e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências, autor de “Cidadania no Brasil, o Longo Caminho” (Civilização Brasileira, 2a ed., atualizada, 2014)

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10) Sou contra. No meu entender o delito alegado não justifica o pedido, e sobre ele não há consenso. A interrupção de um governo democraticamente eleito só deve ocorrer quando não há outra saída. Prefiro um governo que, apesar dos erros, desenvolva políticas de inclusão a um governo que favorecerá mais a secular desigualdade social do Brasil.

Acredito que se deva garantir uma coalizão em torno da presidente, revalorizando a vida política e partidária. O governo sozinho, contudo, não pode mudar o Brasil e garantir a governabilidade. Nós brasileiros temos de fazer nossa parte, com tolerância e abertura ao debate. O momento atual tem nos jogado no lado oposto: fazemos vir à tona o que temos de pior, de nós mesmos e de nosso passado. A democracia brasileira é jovem e imperfeita, mas nós a conquistamos e temos que preservá-la como um bem maior. E, como mulher, não posso deixar de registrar uma convicção: essa crise seria diferente se a Presidência, no momento, fosse ocupada por um homem. Boa parte da oposição raivosa que a presidente, eleita pelo voto popular em dois mandatos, vem sofrendo é fruto dos preconceitos de uma sociedade profundamente machista.

LAURA DE MELLO E SOUZA
63, historiadora, autora de “O Diabo e a Terra de Santa Cruz” (Companhia das Letras, 1986) e organizadora do volume “Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa” da coleção “História da Vida Privada no Brasil (Companhia das Letras, 1997 ). Professora aposentada da USP, lecionou na Universidade de Texas/Austin e atualmente ensina na Universidade de Paris IV Sorbonne

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11) Dilma foi eleita, tem que cumprir o mandato. Não há delitos claramente imputáveis. Há um encarniçamento, uma obstinação; é até curioso, porque Aécio Neves (PSDB) reconheceu a vitória de Dilma antes mesmo de o resultado final ser anunciado, cumprimentou-a, altamente civilizado. A contestação veio de São Paulo, dois dias depois.

Creio que a briga entre Alckmin e Serra exacerbou a contestação da eleição desde o começo. Acho importante notar que os black blocs sumiram da cidade. As manifestações têm sido pacíficas dos dois lados. Passei 37 anos em Paris, com protestos diários. O Brasil tem que se acostumar com isso, a sociedade está dividida e tem que ir para a rua se manifestar pacificamente.

De um lado, no entanto, não há liderança política nem encaminhamento, enquanto do outro Lula foi aplaudidíssimo. Acho que o sistema político precisa ser revisto, há um fisiologismo que decorre da falta de regulamentação do lobby, do lado nebuloso do financiamento eleitoral, por exemplo. A primeira lição é regulamentar o lobby.

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
70, historiador e cientista político, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas­ e professor emérito da Universidade de Paris Sorbonne, autor de “O Trato dos Viventes” (2000)

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12) É a favor ou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff e por quê?

Sou contra. Quem viveu 21 de 73 anos sob o guante da ditadura desenvolveu anticorpos que identificam rapidamente os vírus do arbítrio. Dilma recebeu o mandato pelo sufrágio universal. Presidente não pode ser tratado como técnico de futebol: se a galera não está gostando, ” a gente trocamos”.

Talvez caiba registrar que, no presidencialismo, o descontentamento com o governo pode se transmutar em crise política e, mais grave, em manobras atentatórias à democracia e ao Estado de Direito. Imagino que uma desejável reforma política deva incluir debates sobre a forma de governo, para não falar das relações entre a grande empresa, o Estado e o financiamento de campanhas.

Em 1992 os caras-pintadas acorreram às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Em longa conversa em meu gabinete, na presença do jornalista Roberto Muller Filho, Ulysses Guimarães desfiou temores e preocupações diante do iminente impeachment do presidente eleito pelo voto popular. Os receios do “senhor Diretas” concentravam-se no “vício antidemocrático” dos donos do poder, habituados a manejar os cordéis do arbítrio a seu talante e ao sabor de seus interesses. Às vésperas da morte trágica, Ulysses compreendeu que a campanha popular pelas eleições diretas e a Constituição ainda sofriam o assédio insidioso, persistente do velho e sempre renovado arranjo oligárquico que controla a vida dos brasileiros.

O que prevê ou espera como desenlace dessa crise?

Espero a participação cada vez mais intensa na vida pública dos movimentos populares. Tão intensa quanto serena e persistente. Um contraponto aos poderes dos mercados financeiros, já não mais invisíveis em suas truculentas exigências e ineficiências.

Não pretendo recorrer a uma narrativa das consciências toscas que se esfalfam na luta imaginária do bem contra o mal. A vida seria, por certo mais simples. Em compensação a experiência humana perderia a sua complexidade e riqueza ou até mesmo a sua humanidade.

A crise é positiva ou negativa para o Brasil?

A história recente da política brasileira revela a frenética troca de posições entre “impichados” e “impichadores”. Fernando Henrique sofreu 14 pedidos de impeachment, Dilma 34. Dessa algazarra jurídico-política, sobra o desprezo pelo sufrágio universal como garantidor da legitimidade do mandato na democracia. Hegel, na “Filosofia do Direito”, refletindo sobre o Estado Moderno, condenou veementemente o indivíduo que proclama a excelência das próprias intenções, mas que não está submetido a uma regra objetiva e universal. Num Estado bem organizado, diz ele, só valem as leis, e não é lícito violar essa universalidade “nem mesmo em nome do mandamento que ordena o amor ao próximo”.

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
73, ex-assessor econômico do MDB e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo José Sarney), é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e consultor editorial da revista “Carta Capital”

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13) Sou contra o impeachment e quero que a presidenta Dilma termine seu mandato. É inaceitável que, em meio a tantos escândalos de corrupção, uma Câmara dos Deputados presidida por um político acusado na Lava Jato, cujas ambições só não são inconfessáveis porque ele não se preocupa em escondê-las, conduza o julgamento de uma presidenta contra a qual não existe acusação. É a psicopatia tomando conta da política.

Espero, primeiro, que a sociedade acorde e encaminhe um “Fora Cunha!” com força; uma crise dessa magnitude e importância não pode ser gerida a partir de interesses obscuros de uma figura nefasta como o presidente da Câmara. Segundo, que o processo da Lava Jato alcance os partidos de oposição cujos políticos já foram nomeados na lista da Odebrecht, até o momento, sem consequências.

Em princípio a crise é positiva para o país, porque o combate à corrupção é uma pauta de interesse de toda a sociedade. Mas seu desenlace vai depender da justeza dos propósitos. Não se faz operações “mãos limpas” com gente de “mãos sujas”. Uma enorme parcela dos brasileiros está alerta, e mobilizada, para que a crise não dê ensejo a ações golpistas.

MARIA RITA KEHL
64, psicanalista e ensaísta, autora de “O Tempo e o Cão” (Boitempo, 2009) e de “18 Crônicas e Mais Algumas” (Boitempo, 2011), foi integrante da Comissão Nacional da Verdade

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14) Você é favor ou contra a saída da presidente? Por quê?

Contra. Porque o voto é o momento “tabu” de qualquer democracia. Eu não votei nela (votei nulo), mas, como não vejo vínculo pessoal da presidente com falcatruas, acho que quem apertou o botãozinho com a foto dela, arrependido ou não, merece respeito.

Há saída para a crise?

Acho que não há saída. Estamos vivendo o esgotamento radical de um modelo macroeconômico, politico, ecológico. Não há nada a fazer senão entrar mais, sem medo do que deixarmos para trás. Mas dentro do jogo das instituições, dando a elas sua espessura e seu tempo. Tempo, principalmente. A terra em transe que hoje vivemos é falsa. Quanto pior o deputado, quanto pior o telejornal, mais urgência reivindicam.

Vê aspectos positivos na crise? Movimentação social, conscientização política?

O aspecto positivo é que entramos, digamos, na Matrix da sociedade brasileira. Estamos assistindo, ao vivo e em cores, àquele circuito fechado que Raymundo Faoro, num livro fundamental, caracterizou como um estamento à parte, secular, um loop entre os eternos “Donos do Poder” e esses híbridos estatais ou semiestatais, quase soviéticos, que são hoje as empreiteiras, algumas agências de publicidade, alguns bancos, as termoelétricas etc. São compostos monstruosos de soja e cimento, de poder e burocracia, de finanças e tecnologia, de promessa e devastação, que alimentam infindavelmente a si mesmos, atravessando espectros ideológicos aparentemente opostos, num circuito autônomo que sai deles e só a eles retorna. Estamos também perdendo qualquer chance de enxergar neutralidade nos meios de comunicação, que parecem obviamente escolher quais destes híbridos alimentam, quais atacam. Nada disto é novidade, mas a explicitação contínua e crescente deste circuito é nova.

Para onde está indo o país? Como vislumbra o Brasil após este período turbulento?

Tenho medo que seja para o pior cenário: a direita expulsa a presidente, põe o PT na posição expiatória (como se o PT tivesse inventado este Brasil), ungindo a si mesma com o manto da pureza. Sacrifica, digamos, um ou dois dos seus figurões, pede unidade nacional e volta a fazer exatamente o que sempre fez, sob o aplauso aliviado das manchetes. Por seu lado, o PT se vitimiza, põe a culpa numa obscura reação à distribuição de renda que de fato promoveu e não assimila nem enxerga o papelão que fez, passando de partido que revolucionaria a inércia politico-institucional brasileira para transformar-se nessa inércia.

NUNO RAMOS

56, escritor, compositor e artista plástico, foi integrante do coletivo Casa 7, é autor de livros de prosa, como “Ensaio Geral” (Globo, 2007), e de poesia, como “Sermões” (Iluminuras, 2015)
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15) Sou contra o impeachment por violentar os princípios básicos de nossa democracia. Não creio que Dilma Rousseff precise recuperar a governabilidade porque não a perdeu. Pelo que nós sabemos, ela continua sendo a presidenta da República. Portanto, não há hipótese que o Brasil tenha deixado de ser governável. A crise poderá deixar um legado positivo se nós conseguirmos aprender com ela sem ferir a essência de nossa democracia.

PAUL SINGER
84, economista, participou da fundação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em 1969, e do Partido dos Trabalhadores, em 1980. É secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego
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16) O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Neste, os fatos devem guiar investigação e o processo; no caso atual o processo é que guia (e procura) os fatos. Como não se encontram fatos, buscam-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas inusitadas.

A campanha pelo impeachment se transformou em instrumento de golpe. Em primeiro lugar, temos a aceitação da proposta por uma manobra torpe do presidente da Câmara, réu perante o STF, em proveito pessoal, sem nenhum fato que constitua crime de responsabilidade de Dilma.

Somem-se a isso os vícios inerentes à própria comissão de análise do processo de impeachment: dos 65 indicados, ao menos 21 respondem a inquérito ou ação penal. Na mesma condição estão 13 suplentes. Quarenta receberam doações de empresas investigadas na Lava Jato Qual a autoridade legal e moral desses parlamentares para atuar no processo de impeachment?

Há ainda o golpe palaciano do vice-presidente para chegar à Presidência, a qual provavelmente jamais alcançaria por eleições, e a mobilização aberta das classes patronais em favor do “impeachment já”, com lista detalhada graças ao anúncio de 29 de março nos grandes jornais. Nem nos golpes de 1954, 1958, 1962 ou 1964 tivemos listagem tão completa dos apoios das classes ditas produtoras a um golpe.

É importante notar que a democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura. Todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência do Executivo, as investigações judiciais da Lava Jato jamais sofreram qualquer ingerência do Executivo.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

72, doutor em ciência política pela Universidade de Paris, é professor titular de ciência política da USP e presidente da comissão independente internacional de investigação da Organização das Nações Unidas sobre a República Árabe da Síria. Foi secretário de Estado de Direitos Humanos (governo FHC) e coordenador da Comissão Nacional da Verdade
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17) O governo Dilma, e também o de Lula, é uma derrota fragorosa da esquerda no Brasil e termina de forma trágica em um escândalo de corrupção. Isso, contudo, não justifica a tese do impeachment. Não temos nenhuma prova material de crime da presidente. Vê-se um processo de jogar fora um governo que serviu à classe dominante, que agora quer um governo Macri, “um dos nossos”. Um governo deposto porque não presta mais tem que perder em 2018, nas urnas. Uma tragédia consubstanciada nas urnas, não em golpe: sabemos onde começa um Estado de exceção, não sabemos onde termina. Há um cheiro de golpe parlamentar e judicial.

Viveremos um espaço de absoluta imprevisibilidade até 2018, que não beneficia mandatos populares. Sem faticidade, um governo Temer de coalizão está fadado ao fracasso, até porque a operação Lava Jato também devasta o PMDB e o PSDB. Se queremos combater a corrupção, não podemos nos restringir ao PT. Um governo Temer vai ser devastador contra a classe trabalhadora.

Nos últimos 20 anos, floresceram movimentos sociais que não aceitarão isso como algo natural. Não haverá encanto como o governo do PT e o lulismo tinham: será eles ou nós.

Temos duas lições a aprender com a atual crise. Primeiro, o papel de um governo que um dia se concebeu como “de esquerda” não é servir generosamente às classes dominantes, imaginando que poderá vir a “conquistá-las”.

Depois de penalizar fortemente a classe trabalhadora, resignando-se em dar-lhe tão somente melhor acesso ao consumo, o governo agora está sendo descartado pelos mesmos interesses dominantes que pretendeu beneficiar. Nada parecido, só para fazer um paralelo histórico, com o governo de Salvador Allende, no Chile, eleito democraticamente e deposto por um golpe odioso por tentar promover reformas populares profundas. Segundo: as engrenagens da dominação brasileira, ao longo de nossa República, têm dois mecanismos essenciais para preservar-se no poder. A conciliação e o golpe. Os governos Dilma e Lula primaram pela conciliação. Agora é a vez do golpe.

RICARDO ANTUNES

63, professor titular de sociologia da Universidade Estadual de Campinas, autor de “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, Vol. III” (2014)

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18) Vou responder indiretamente. A Folha e “O Estado de S. Paulo” acabam de publicar um manifesto assinado por talvez 500 associações empresariais, exigindo o impeachment já e afirmando que “chega de pagar o pato”. O anúncio ocupa um bloco de 14 meias páginas dos dois jornais, o que deve ter custado um bom dinheiro. A motivação é econômico-política, e não jurídica. A forma é publicitária. O tom é de quem manda.

De outro lado, está na internet um manifesto das “Periferias Contra o Golpe”, assinado por cerca de 400 associações culturais. Digamos que se trata de uma fração esclarecida e auto-organizada do povão. Sem defender as políticas do governo, o documento se contrapõe à casa-grande e exige respeito ao resultado das urnas. A redação é viva e substanciosa. A nota é muito popular-brasileira, atravessada pela mestiçagem e pelo clima da grande periferia urbana. Para dar uma ideia da diversidade, o manifesto é assinado por coletivos pela moradia, centros de educação popular, núcleos de teatro, cinema, poesia e dança, um blog antimachista, mulheres do hip-hop, uma assessoria jurídica universitária popular, tudo em espírito libertário.

É claro que o Brasil não se resume a esta oposição. Entretanto ela dá o que pensar.

ROBERTO SCHWARZ 77, crítico literário e ensaísta, autor de “Um Mestre na Periferia do Capitalismo” (1990) e “As Ideias Fora do Lugar (2014)

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19) É contra ou a favor do “impeachment” e por quê?

Qual a legitimidade de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade comandado por Eduardo Cunha, réu de diversos processos já acatados pelo STF, e que favoreceria seu próprio partido, fortemente torpedeado por acusações da Lava Jato? “Algo deve mudar para que tudo permaneça como está”, sugere Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo”.

Impeachment é um dispositivo constitucional. A questão é se há ou não evidências que o justifiquem. Enquanto as provas não forem cristalinas, esse dispositivo não faz sentido.

Se Dilma Rousseff deve continuar, como vê possível a recuperação da governabilidade?

Marcelo Freixo lembrou aqui na Folha que, na jovem democracia brasileira, apenas cinco presidentes chegaram ao fim de seus mandatos (Dutra, JK, FHC, Lula e Dilma). Pela consolidação da democracia, torço para que a governabilidade se dê através da meritocracia, e não de favores de balcão. É uma posição utópica, talvez, mas o “quanto pior melhor” soa como a mais estrábica das soluções.

Caso a presidente devesse sair, como vê os outros cenários possíveis, além do “impeachment” (renúncia, saída pela investigação do TSE, novas eleições)?

Espero que tenhamos eleições livres e gerais em 2018. E que ideias, e não mais fórmulas criadas pelo marketing politico, possam ser debatidas. Seria uma bem-vinda ressignificação da política.

Acha que haverá um legado positivo dessa crise política?

A crise deixa claro que o atual sistema político partidário precisa ser refundado. Uma governabilidade regida pelas trocas de favores entre partidos só aprofunda a agonia. É esse sistema de loteamento que levou Renan Calheiros a ser ministro da Justiça do PSDB “na cota do PMDB”, e o atual ministro da Saúde ao cargo, entre outras aberrações. Até quando?

WALTER SALLES 59, cineasta, realizador de filmes de ficção, como “Diários de Motocicleta” (2004), e documentários, como “Jia Zhangke, Um Homem de Fenyang” (2014)
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20) Sou a favor de que Dilma cumpra seu mandato até 2018, apoiada por uma frente popular de movimentos culturais vivos de todos os Artistas, Cientistas, Índios de muitas etnias, sindicatos, ecologistas, LGBT; de todos os partidos , onde ainda re-exista a Paixão pela Liberade Democrática –inclusive os da oposição–; dos movimentos dos Sem-Terra e dos Sem-Teto; das mulheres vadias ou não.

Em 1964, o golpe nos pegou desprevenidos. Hoje não; sabemos de tudo, principalmente se não formos capturados pela novela que a “midiona” não para de tentar empurrar, pra nos capturar para seu velho sistema enferrujado desejoso de repetir a história pra cair na Farsa da doida que quer acabar com as Cobras: a Histérica Mor: Janaina Paschoal.

A crise política serve para escancarar, com seu enredo fajuto, a caminhada considerada inevitável para um ápice messiânico: o Golpe do Congresso dos Gângsters Evangélicos chamado: “O Impeachment da Presidente Dilma”, coisa que meu corpo de 58 anos vividos gragalha desde já. O Golpe já está acontecendo y a saída da Crise Política está na sua própria desmistificação. A Crise usa a máscara da ideologia das panelas contra os corruptores, escondendo a guerra de classes no Brasil, no momento de nossa maior desigualdade histórica. É uma Crise Fake, consequente do massacre da cultura no Brasil produtora da Burrice Cafona atual.

Não sou profeta, não sei como será o país após o mês de abril –nem sei se o que escrevo agora vai estar valendo quando este texto for publicado. Mas sinto que, enquanto não se encararem os dois brasis -o dos globais ricos e remediados e os desglobalizados pobres, na democracia escancarada na turbulência da luta de classes não vai parar y já pinta até nos EEUU. O país não será ajustado por um golpe. Aconteça o que acontecer, os de baixo não vão mais se conformar em serem capturados pelos de cima, e a cultura da vida sempre estará vencendo. Vamos mudar democraticamente o Sistema Podre na luta pela transformação do Governo Dilma, com Lula, Ciro e Cid Gomes, y outras mentes abertas para a superação da desigualdade e do massacre cultural colonialista pior do que nunca.

ZÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA
79, ator e encenador, presidente e diretor artístico da Associação Teat(r)o Oficina

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21) Sou contra o impeachment de Dilma Rousseff –esta senhora que hoje usa o nome de Jango em vão e à qual sou obrigado a tratar, nos termos simplórios da “antropologia” lulista, como típica (embora não tão digna) representante da nossa “elite branca”. Não porque ache que impeachment seja golpe –é um expediente constitucional, sistematicamente considerado pelo PT, antes que o partido se lambuzasse no poder. E não entendo a redundância da atual cantilena petista. É claro que “não vai ter golpe”: se acontecer o impeachment, tudo terá sido dentro da lei.

Na verdade, devemos rejeitar a chantagem pseudodemocrática do governo, querendo atemorizar (e, assim, mobilizar perversamente) as pessoas com o fantasma-espantalho de um golpe, agora “jurídico”. Se o PT foi exímio em acender grandes esperanças nacionais, caprichou em seguida na inversão do jogo, desde janeiro de 2003. Tornou-se sempre mais, num crescendo assustador e sem escrúpulos, um partido especialista em despertar o medo, como bem vimos na campanha eleitoral de 2014.

Mas sou contra o impeachment porque penso que este não é o melhor caminho para o país. Secundariamente, porque não desejaria deixar nenhuma desculpa esfarrapada nas mãos do PT, permitindo que seus líderes e fiéis passassem a atribuir a um “golpe” a irresponsabilidade,

a incompetência e a degradação do governo e do partido, que fizeram o Brasil entrar em parafuso. Além disso –”last but not least”–, jamais moveria uma palha para ajudar Temer e bandoleiros do PMDB (coadjuvados por “santinhos” tucanos) a se mudarem do Jaburu para o Alvorada.

Nesse caso, me vejo próximo da Rede e do PSOL. Minha opção é a via eleitoral. Depois da delinquência eleitoral de 2014, quando tivemos a campanha presidencial mais sórdida do Brasil que se desenhou a partir das “Diretas-Já”, não vejo alternativa. Aliás, o significado primeiro da expressão “impeachment”, em inglês, é “acusação (por alta traição)”. Isto faria sentido, sim. Infelizmente, não temos, na legislação brasileira, um mecanismo para ejetar imediatamente do cargo o candidato que cometesse crime contra a democracia, vencendo as eleições com um programa –e, depois de tomar posse, fazendo o contrário do que tinha assegurado aos eleitores.

Um político que faz isso, como a senhora Rousseff fez, anula na prática todos os votos que recebeu. Joga sua eleição no lixo. Dá uma banana para o eleitorado e a democracia. Promove, em suma, o seu autoimpeachment. Mas, como este crime (ainda) não está previsto em nossa legislação eleitoral, melhor partir para novas eleições –coisa que o PMDB e o PSDB não querem, por temerem uma vitória de Marina. Sim: vencer no voto, vencer nas urnas. E que a Lava Jato prossiga, levando ao naufrágio a podridão em que se converteu o nosso atual sistema político.

Vencer no voto para não deixar nenhum suposto cheiro de “ilegalidade” no ar. Vencer abertamente, numa conversa direta com a sociedade. Chegar ao poder pela via de uma alternativa sacramentada pela vontade da maioria da população. E, com esta vitória, levar o Brasil a se recuperar e a se renovar. É claro que ainda teremos tempos

excepcionalmente difíceis pela frente. Mas não temo. Com técnica e criatividade, com ousadia, planejamento e imaginação, o Brasil tem tudo para chegar lá. Jovialmente, sem medo do sol.

ANTONIO RISÉRIO
62, antropólogo, poeta e ensaísta, idealizador do projeto geral para implantação do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e do Cais do Sertão Luiz Gonzaga, em Pernambuco, autor de “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros” (ed. 34, 2007) e “Mulher, Casa e Cidade” (ed. 34, 2015), participou das campanhas de eleição e reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República

OS QUE PERMITEM QUE SEU NOME LEGITIMEM O GOLPE

1) Infelizmente tenho que ser a favor do impeachment. O impeachment é uma disposição constitucional e legal. No caso em discussão, não só o caso das chamadas pedaladas fiscais é crime de responsabilidade, a reiteração de uso de recursos não orçamentados, gastos para uso em programas sociais e sobretudo empresariais, é caso de impeachment.

Mas não é só isso. O impeachment depende de uma base jurídica mas também da condição política, da capacidade de governar. A presidente perdeu a oportunidade de fazer o que o Brasil precisava no momento da sua eleição, um programa mais consensual, com apoio político e da população.

Acho que a melhor alternativa é tristemente a do impeachment.

O legado positivo dessa crise é forçar as mudanças das regras eleitorais e e partidárias. O sistema político está carcomido. Não é só a presidente Dilma. Aliás, ela não é acusada pessoalmente, é institucionalmente. Se do impeachment derivar uma possibilidade de mudança na estrutura partidária e eleitoral, terá sido positivo.

Positivo mesmo até agora tem sido a Lava Jato. O sistema levou a uma corrupção organizada e com as bênçãos do poder. Se a Lava Jato e o impeachment servirem para manter o processo de melhoria cultural, que é o respeito à lei, e alterarem as regras de funcionamento dos partidos, terá sido positivo. Se não, depende da capacidade que tem aquele que vier a suceder a presidente de resolver esse problema e outros mais, especialmente os econômicos e sociais. Ninguém no Brasil mais pode ousar pensar em não levar adiante programas sociais, de distribuição de renda. Esse é um imperativo nacional e constitucional.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

84, sociólogo e político, professor universitário com passagem em universidades internacionais como Paris – Nanterre e Stanford, professor emérito da USP, participou da fundação, em 1988, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo qual foi eleito duas vezes consecutivas Presidente da República (de 1995 a 2003)

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2) Seria melhor para o país que ela saísse. O ideal seria a impugnação da candidatura pelo TSE. Com isso, seriam convocadas novas eleições. Um governo de coalizão liderado pelo PMDB estará sujeito a uma nova crise, e o Brasil não pode correr esse risco.

No curto prazo, a crise atual é muito dolorosa, mas, no longo prazo, poderá ter um efeito profilático. Para isso, precisamos tirar proveito da situação para realizar reformas importantes, como a política e a fiscal. Precisamos também repensar o tamanho e a função do Estado brasileiro. Acho que a crise nos ensinou duas lições importantes: a dos limites do presidencialismo de coalizão e a do excesso de dirigismo estatal.

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
59, economista, lecionou na USP, no Insper e na Universidade de Cambridge, onde se doutorou. Foi colunista da Folha e assessor da ex-senadora Marina Silva em suas campanhas pela Presidência (2010 e 2014). É autor de “O Valor do Amanhã” (Companhia das Letras, 2005) e “A Ilusão da Alma” (Companhia das Letras, 2010

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3) Sou a favor da saída de Dilma Rousseff pelo fato de que ela já não governa. A solução melhor para ela seria renunciar, o que já garantiu que não fará. A outra solução seria a anulação de sua eleição pelo TSE, mas isso levaria muito tempo, e a situação do país é desesperadora, exige urgência. Assim sendo, a solução é o impeachment.

A saída de Dilma do governo é o caminho para tentar resolver a crise, já que ela não governa mais. Se há alguma coisa de positivo nesta crise é a participação da cidadania nas ruas exigindo medidas que venham melhorar as condições políticas e econômicas do país. O problema é a carência de líderes políticos que levem adiante essa tarefa.

O que vejo de positivo nesta crise é que, como demonstra a Operação Lava Jato, está se formando no país uma consciência maior de intolerância com a corrupção e a falta de responsabilidade dos políticos. O povo nas ruas parece clamar por uma mudança drástica dos valores políticos na sociedade brasileira.

FERREIRA GULLAR
85, poeta, crítico de arte e colunista da Folha, autor de “Em Alguma Parte Alguma” (José Olympio, 2010)

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4) Creio que o impeachment, diante da situação que estamos vivendo, é necessário para que o país possa se recompor econômica, social e moralmente –o que não será uma tarefa nem simples nem rápida de ser realizada.

O impedimento de um presidente legitimamente eleito é uma solução extrema e com custos? Certamente, mas não se trata de uma quebra da normalidade democrática, das regras do jogo que pactuamos quando aprovamos a Constituição Federal de 1988. Lá decidimos, por meio de representantes eleitos, as regras mínimas da sociedade em que queríamos viver –e ainda queremos, pois não a revogamos–, e lá prescrevemos que, diante de determinadas faltas graves cometidas pelo presidente, o Congresso Nacional poderia impedi-lo, respeitando certos ritos.

Estamos, pois, diante de um problema agudo e infrequente, mas previsto e com soluções estabelecidas na Constituição Federal. Um problema que, é bom salientar, não diz respeito a uma eventual discordância com os rumos da política econômica, a um descontentamento com a condução da administração pública ou a uma antipatia pela pouco comunicativa mandatária do país –seriam motivos, no presidencialismo, demasiado frágeis e mesmo ilegítimos para impedir um presidente eleito–, mas, sim, à lei, à sua transgressão e às punições daí decorrentes.

A renúncia seria, por certo, a solução mais rápida e menos traumática. Todavia, a presidente não demonstra estar disposta a renunciar; ao contrário, o agravamento da crise parece ter aumentado o seu caprichoso apego ao cargo, reduzido sensivelmente o seu senso de Estado e flexibilizado bastante seus princípios morais –aqueles que dizia defender quando se lançou como “faxineira” do meio político brasileiro. Há de sempre se ter em conta, no entanto, que a psique humana é um abismo profundo, e sabe-se lá o que pode sair daí no dia de amanhã.

Quanto à impugnação da chapa pelo TSE e à consequente convocação de uma nova eleição, é preciso aguardar pacientemente, pois também no TSE há um longo e necessário caminho legal a ser percorrido, o que talvez tome bem mais tempo do que o processo de impeachment.

É um lugar-comum, simpático e confortante para quem lê ou escuta, dizer que de toda crise se extraem coisas positivas, mas realmente acredito que a sociedade brasileira sairá melhor desse imbróglio. E não somente porque estaremos mais atentos à corrupção, passaremos a dar mais crédito à Justiça e teremos mais desconfiança daqueles que prometem almoço grátis, patrocinado por um Estado provedor. Creio que a debacle no Brasil do discurso e das práticas terceiro-mundistas que marcaram as últimas duas décadas, ainda que traumática, terá um impacto salutar sobre o modo de o brasileiro entender a si próprio e a sociedade em que vive.

A crise, que é sobretudo uma crise de valores, talvez convença o brasileiro, de uma vez por todas, de que os interesses da família, dos compadres ou do partido, por mais justos que pareçam, não devem se sobrepor ao interesse público, de que, na condução do Estado, precisamos de menos voluntarismo salvacionista e mais racionalidade e, sobretudo, de que o nacionalismo cego e excludente, para além de ser o “último reduto dos canalhas”, é uma enorme tragédia para o desenvolvimento do país.

JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA
49, professor titular de história do Brasil na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), autor de “Imagens do Negro na Literatura Brasileira” (Brasiliense, 1998) e “História da Maconha no Brasil” (Três Estrelas, 2015)

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5) O processo do impeachment é um fato. Continua. Não se sabe onde vai parar. Mas já se sabem alguns aspectos. Primeiro, que inclui os dois mandatos. Segundo, que o indício é pedalada, mas o voto dos congressistas não se reduz a tanto. Terceiro, que, ao contrário de magistrados, que têm de motivar suas sentenças, os congressistas têm de ter uma fundamentação coletiva, mas um voto individual não fundamentado. É apenas “sim” ou “não”.

O fato importante no desenlace vai ser o papel do Supremo Tribunal Federal. O Supremo está fragmentado e individualizado. Vítima do próprio excesso de recursos, agravos e liminares. O Supremo é o gestor da incerteza constitucional. Quanto mais o Legislativo e o Executivo estão parados e incertos, mais demandam ao Supremo. Essa fragmentação corre o risco de estimular a insegurança jurídica.

Neste momento, o fundamental é restaurar a voz do plenário como voz única e definitiva que fala pelo Supremo. E evitar a maldição de Brossard, quando alertava, no caso Collor, que o Supremo não deveria apreciar nada, porque, se iniciasse qualquer apreciação, mesmo nos limites do devido processo legal, dificilmente saberia onde parar.

JOAQUIM FALCÃO

72, mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da FGV Direito Rio

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6) A crise nacional é gravíssima, e a única saída razoável é uma nova eleição direta e limpa, tanto do Executivo quanto do Legislativo, no âmbito federal. Qualquer outra das saídas que estão sendo aventadas será débil remendo, que até poderão gerar algum surto passageiro de otimismo, mas que não produzirá mais do que parcos “voos de galinha”.

Em princípio, num razoável sistema democrático, um governo desastroso não consegue se reeleger. Mas não foi o que ocorreu em 2014. Por inúmeras e ainda bem obscuras razões, a chapa Dilma-Temer conseguiu a proeza de vencer por um triz, apesar de essa aliança ter afundado o país nos quatro anos anteriores. Esse fato jamais poderia ter ocorrido num sistema democrático mais maduro.

Uma vez vitoriosa, a aliança PT-PMDB reconheceu que havia mentido deslavadamente no processo eleitoral e imediatamente tentou aplicar o essencial dos programas de seus principais adversários (formulados por pessoas que sempre apontaram os graves erros de política econômica do primeiro governo Dilma-Temer, tanto no caso do PSDB quanto no do PSB). Registre-se que não há como fazer o imprescindível recall, como ocorreu recentemente na Califórnia.

Então, a perspectiva do impedimento da presidente gerou um racha oportunista da coalizão governamental com a perspectiva de favorecimento do PMDB de Temer. Mas, se isso ocorrer, quase nada de essencial mudará, a não ser a probabilidade de que o governo tampão seja mais eficiente em quebrar as pernas da Operação Lava Jato e consiga promover um “voo de galinha” na economia. E ficar na torcida para que a galinha não volte ao chão antes das eleições de 2018.

A saída da crise depende exclusivamente do TSE, mas dá perfeitamente para entender que os ministros desse tribunal prefiram fugir a essa responsabilidade, apostando eles também no impedimento só de Dilma. Nessas circunstâncias, um governo Temer terá uma dupla tarefa: de imediato travar a Lava Jato e, simultaneamente, articular um governo provisório dirigido pela dupla Serra-Jobim. Esse me parece o cenário mais provável para um tratamento necessariamente paliativo da crise, que logo voltará firme e forte. Por isso, precisaremos torcer para que a nação chegue às eleições de 2018 sem antes se “venezuelizar”.

Com essa crise, deveríamos aprender a encarar a necessidade de uma reforma modernizadora de um sistema democrático que, embora tenha pouco tempo, parece mais vetusto que todos os que possam ser observados em democracias mais avançadas.

JOSÉ ELI DA VEIGA
67, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, autor de “Para Entender o Desenvolvimento Sustentável” (ed. 34, 2015)

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7) Sou favorável ao impeachment por motivos morais e éticos, indignado que estou com tanta mentira, incompetência e roubalheira. É indesculpável o que o governo lulo-petista fez com o povo brasileiro. Minha decepção é com o PT e com essa mistificação inventada por Lula chamada Dilma Rousseff, incapaz de agregar pessoas e ideias.

Se o sistema político está errado, temos que mudar. Se o presidente da Câmara é mentiroso, tem que sair também. A sociedade brasileira precisa ter coragem, paciência e lucidez para desembaraçar esse novelo que ela própria criou.

Não existe nenhuma sociedade bem resolvida ou perfeita e não acredito mais em utopias. Não há democracias modernas, competitivas e meritocráticas onde não exista algum desvio ou pixuleco, mas a desonestidade não pode ser um valor, um alvo e um projeto.

O futuro depende exclusivamente de nós. E nossas atitudes vão dizer se essa crise será positiva ou negativa. Passamos da escravidão para o trabalho livre sem segregação, e da monarquia para a república sem fuzilar nobres. Mas ainda temos o maldito foro privilegiado, prisão especial para quem tem diploma e homens intocáveis quando magistrados ou ministros.

O petrolão mostrou compadrios fortes e pariu o retorno de uma República aristocrática com presentes de pai para filho, escondida por detrás de um projeto político mentirosamente feito para o “povo”. Temos que discutir o voto distrital, a organização dos partidos e, sobretudo o peso e as demandas dos cargos públicos sobre as vidas particulares dos seus ocupantes. Ninguém aguenta mais as malandragens políticas que, no passado, eram normais. Precisamos descer ao poço da verdade para sairmos dessa depressão extrema. É preciso coragem.

ROBERTO DAMATTA
79, antropólogo doutorado pela Universidade Harvard, foi professor do Museu Nacional da UFRJ e é professor emérito da Universidade de Notre Dame (Indiana, EUA). Leciona na PUC-Rio e é autor de “Carnavais, Malandros e Heróis” (Zahar, 1979) e “Brasileirismos” (Rocco, 2015), além de colunista de “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”

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8) Sou a favor do impeachment, por duas razões básicas: pelo seu fundamento constitucional e por abrir um caminho para que o país saia de uma situação social e econômica calamitosa a que vem sendo submetido.

Apesar de apoiar o impeachment, gostaria que a saída para a crise tivesse outro improvável desfecho, ou seja, a invalidação das eleições presidenciais pelo TSE, por flagrante abuso do poder econômico. Seria a oportunidade de uma ampla convocação da cidadania e de recomeçar em melhores bases, com menor risco de reincidir em práticas viciadas.

BORIS FAUSTO
85, historiador, professor aposentado do departamento de ciência política da USP, é autor de “História do Brasil” (Edusp, 1994) e “Getúlio Vargas, o Poder e o Sorriso” (Companhia das Letras, 2006)

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9) Sou a favor da saída do atual governo, mas prefiro o caminho da renúncia, porque seria o processo mais rápido e menos traumático para o sistema político e para a sociedade. Estamos numa contagem regressiva, num tique-taque cada vez mais nervoso e apressado, rumo a um grande desastre. Uma situação economicamente gravíssima, que se transformará numa catástrofe se a questão política não for resolvida com presteza e seriedade.

Com a permanência do atual governo, não há saída; chegaremos a algum tipo de ruptura institucional. Em termos de substância, o governo está se liquefazendo, praticamente já não funciona, mas formalmente é nele que as instituições se corporificam.

Venho dizendo há três décadas que o Brasil não tem um sistema político à altura dos desafios econômicos e sociais que inexoravelmente tem de enfrentar. Nessas três décadas, evoluímos da ruindade para a pilhéria; uma pilhéria perigosa, infelizmente. Além disso, política no sentido sério do termo não se faz com irresponsabilidade e trapaça, e isso, a meu juízo, é o que Lula fez em 2010 ao impingir ao país uma candidata manifestamente despreparada para a função.

BOLÍVAR LAMOUNIER
72, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, sócio-diretor da Augurium Consultoria, autor de “Tribunos, Profetas e Sacerdotes” (Companhia das Letras, 2014)

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10) A renúncia seria menos traumática, mas menos pedagógica. O impeachment é mais custoso, mas geraria um legado, traria maior conscientização às instituições de que há um Estado impessoal que não compactua com desvios. Vivemos uma grande janela de oportunidade para o desenvolvimento, para o Brasil dizer não a um passado de conluio, da política com conexões escusas com empresários. A Lava Jato rompe com isso e reafirma o Estado de Direito impessoal e meritocrático. Assim, caminhamos rumo a uma democracia liberal, rompendo com o componente iliberal de nossa democracia: o compadrio. Há um grande aprendizado com essa crise, de que o desenvolvimento não combina com corrupção. A Lava Jato é a cristalização da crença da intolerância com a corrupção, tentando mudar essa situação e levar a relações público-privadas para outras bases.

CARLOS PEREIRA
51, doutor em ciência política pela New School University (Nova York), com pós-doutorado na Universidade de Oxford, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV-­Rio

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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