EUA têm interesse no golpe contra Dilma – assim como tiveram em 1964

Foto: Mídia NINJA

Tentativa de golpe no Brasil busca reverter o resultado das eleições

Por Mark Weisbrot, no The Hill.

Provavelmente não  está sendo fácil entender o que de fato está acontecendo se estiver acompanhando as notícias da turbulência política no Brasil. É comum isso acontecer quando há uma tentativa de golpe no ocidente, principalmente quando o resultado é de interesse do governo dos EUA. Geralmente, as informações sobre esse interesse, e muitas vezes o papel de Washington, são as primeiras baixas do conflito. (Exemplos do século XXI incluem o Paraguai em 2012, o Haiti em 2011 e 2004, Honduras em 2009, Equador em 2010 e Venezuela em 2002.)

Primeiramente, sem dúvida se trata de um golpe em andamento. É uma tentativa da elite tradicional do Brasil – que inclui, como um de seus atores mais importantes, a maior parte da grande mídia – de reverter o resultado das eleições presidenciais de 2014 no Brasil. A primeira prova é o fundamento sobre o qual esperam fazer o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Não tem nada a ver com corrupção ou qualquer crime grave. A acusação é de que o governo usou dinheiro emprestado em 2014 para dar a impressão de que o superávit primário estava dentro da meta. Mas isso é algo que outros presidentes haviam feito, e está longe de ser um crime grave. A título de comparação: Quando a bancada republicana do Congresso dos Estados Unidos ameaçou parar o governo por conta do teto da dívida em 2013, o governo Obama usou uma série de truques de contabilidade para estender o prazo, e houve pouca controvérsia a respeito.

As acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também são questionáveis, mesmo que se provassem verdadeiras. Ainda mais importante, os que acusam não conseguiram demonstrar nenhum elo com o grande escândalo de corrupção “Lava Jato” – ou qualquer outro tipo de corrupção. Lula, como é conhecido o ex-presidente, é acusado de possuir um imóvel à beira-mar, cuja propriedade ele nega, que foi reformada por uma construtora brasileira, e de receber dinheiro de várias empresas para dar palestras. O mais importante, no entanto, é que aconteceram depois que ele deixou a presidência. Embora o senador Bernie Sanders (Vermont) tenha justamente convertido o fato de Hillary Clinton, sua rival para a candidatura à presidência, ter recebido milhões de dólares de empresas para dar palestras, essa prática não é ilegal nos EUA – nem no Brasil.

O principal juiz que investiga o caso, Sérgio Moro, foi obrigado a se desculpar junto ao Supremo Tribunal por vazar para a imprensa conversas grampeadas entre Lula e Dilma, bem como entre Lula e seu advogado, e entre a sua esposa e seus filhos. A condução coercitiva de Lula para interrogatório, que foi vazada para a mídia e envolveu 200 policiais, apesar do fato de Lula sempre apresentar-se voluntariamente para depor, também não deixou dúvidas sobre a natureza política da investigação. Se Moro tivesse qualquer evidência ligando Dilma ou Lula à corrupção real, provavelmente parte disso já teria sido divulgado, considerando que ele, simplesmente para constrangê-los, já vazou conversas grampeadas pessoais e privadas.

A elite corrupta e antidemocrática brasileira está tentando fazer o país voltar ao seu passado pré-democracia, quando o eleitorado não podia interferir em sua escolha de líderes. Infelizmente, nem faz tanto tempo assim: a ditadura que durou até 1985 foi instalada por meio de um golpe apoiado pelos Estados Unidos em 1964, cujos esforços atuais guardam algumas semelhanças.

Sobre o papel dos EUA hoje: não é nenhum segredo que Washington gostaria de se livrar de todos os governos de esquerda na região. Na viagem do presidente Obama à Argentina, em março, e em outras declarações públicas de autoridades dos EUA, deixaram claro sua satisfação ao acolher o novo governo de direita no país. Além de mudarem a política, implementada contra os governos de esquerda anteriores, e de bloquear empréstimos à Argentina de credores internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial. Dos golpes mencionados acima, a evidência do papel dos EUA está documentada para além de qualquer  dúvida, com exceção do caso do Equador, em que não há provas concretas. Mas, considerando que quase nunca houve um golpe neste hemisfério contra um governo de esquerda sem algum envolvimento dos Estados Unidos, não é de admirar que muitos equatorianos acreditam que os EUA estavam (e continuam) envolvidos lá, também.

E tal especulação é bastante razoável no caso do Brasil, onde Washington interveio em 2005 a favor de um esforço legislativo destinado a minar o governo do Partido dos Trabalhadores. A espionagem maciça do Brasil – e, principalmente, da empresa estatal de petróleo Petrobrás – que Edward Snowden e Glenn Greenwald revelaram em 2013, também aponta nessa direção. Poderia ser uma coincidência que todas essas informações sobre a Petrobrás foram levantadas pelo governo dos EUA pouco antes dos escândalos da empresa; ou talvez Washington compartilhou algumas informações com seus aliados na oposição brasileira. E não há dúvida de que os principais atores desta tentativa de golpe – pessoas como o ex-candidatos à presidência José Serra e Aécio Neves – são aliados do governo dos EUA.

É claro que o governo do PT não estaria em tamanha enrascada, mesmo com a mídia liderando as acusações, se a economia – que reduziu em cerca de 3,8 % no ano passado – estivesse em melhor forma. E que, infelizmente, é principalmente devido aos próprios erros dos legisladores do PT: a partir do final de 2010, embarcaram em uma série de cortes de gastos, aumentos da taxa de juros e outras medidas que estagnaram a economia, isso seguido de austeridade ainda mais dura em 2015 que causou uma profunda recessão sem um fim à vista. O desemprego aumentou de uma baixa recorde de 4,3 % em dezembro de 2014 para 8,2 %. Isso não precisava acontecer; com mais de US$ 360 bilhões em reservas em moeda estrangeira, o Brasil não está limitado pelo balanço de pagamentos e, portanto, poderia se recuperar com políticas macroeconômicas expansionistas.

Dilma e Lula estão na corda bamba tendo que fazer frente a alguns inimigos poderosos, mas seria prematuro achar que já perderam. Eles já travaram batalhas mais difíceis. Ao contrário de seus adversários e das grandes empresas de mídia que apoiaram a ditadura, eles foram presos durante o período ditatorial. Se conseguirem sobreviver à tentativa de golpe em curso, terão a chance de consertar a economia e retornar ao seu legado – que é, afinal, um legado de considerável progresso econômico e social.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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