Marcela Temer é a mulher que a “tradicional família brasileira” tolera na política

Marcela, a mulher que a família brasileira aceita ver na política

Por Nana Queiroz, no AzMina

Juro que, ao ler a chamada da reportagem da Veja sobre a possível futura primeira dama Marcela Temer, senti uma sensação de náusea – física mesmo, tive que tomar um Dramin. Os adjetivos “Bela, recatada e ‘do lar’” são, claramente, uma cutucada na presidenta Dilma Rousseff, ofendida frequentemente por muitos – e principalmente por Veja e seus leitores – com os adjetivos “feia, mandona e intrometida na esfera pública”.

Longe de mim julgar qualquer mulher, inclusive Marcela, por encontrar a felicidade seguindo o modelo tradicional. Cada um sabe o que te realiza e te motiva a levantar da cama todo dia. Eu mesma, feministona a toda potência, optei por casar de branco e gastar todas as minhas economias pagando goró pros amigos festejaram até o sol raiar. Minha mãe também me parece muito mais satisfeita na tarefa de ser mãe do que sendo advogada. Apesar de muito bem casada, obrigada, se alguém exigisse de mim, por exemplo, o modelo de vida de Marcela, eu definharia em depressão e talvez acabasse a vida com um suicídio. Muitas mulheres – senão a maioria – estariam comigo.

Dito isso, cravo: o problema não é ser quem Marcela é, é vender Marcela como o padrão a ser seguido por todas as mulheres.

E é, acima de tudo, o recado implícito de que essa é a mulher que a “família tradicional brasileira” e o “cidadão de bem” (expressões odiosas essas, não?) aceitam ver na política, ou seja, não no protagonismo, mas a “grande mulher por trás do grande homem”. O brasileiro xinga Dilma de palavrões machistas em vez de criticar sua incompetência como gestora – que salta aos olhos, argumentos para criticá-la de maneira respeitosa e inteligente não faltam. Pintam-na de histérica em capa de revista, de “sapatona” (como se isso fosse uma ofensa). Mas Marcela, essa assim aceitamos porque ela se curva a seu homem.

O que este perfil está dizendo, no final das contas, é: mulheres ponham-se no seu lugar e seu lugar é este.

Deputados deixaram claro durante todo o espetáculo de diarréia verbal de domingo à noite: eles acreditam que lugar de mulher é em casa e não na política. Pior: acreditam que as mulheres só podem encontrar a felicidade desta maneira. Sua mentalidade estreita não possibilita que percebam que nós, mulheres, existimos em todos os tamanhos e formas e atendemos a diversos modelos de felicidade.

De Temer, ao contrário, o artigo de Veja pouco exige. É considerado romântico, inclusive, porque a levou para jantar há oito meses (!). Mas Marcela tem que dar tudo. Inclusive, ser mais jovem e sonhar com mais filhos. Isso que é ser mulher de sorte!, diz Veja. Batalhar por direitos, no protagonismo da política, isso não. Isso não é “ser mulher de família”.

Uma nova gravidez de Marcela seria honra, viva, no mesmo dia em que um meme de mau gosto afirma que Dilma, uma mulher fora da idade reprodutiva, usará licença maternidade para dar um golpe no povo. Sem contar o quanto isso coloca a maternidade, um serviço da mulher à sociedade, como uma manobra pra não perder emprego. Como se estabilidade no cargo em caso de gestação fosse um benefício e não um direito justo.

Sempre me solidarizei com Marcela por receber julgamentos machistas de interesseira e pouco inteligente só por ser bonita e jovem. Pro inferno também com essa gente!

Que a gente aprenda a viver num mundo em que nem Marcela nem Dilma sirvam de modelo imposto. Mas que a participação na política e o protagonismo na vida sejam aspirações reais e socialmente celebradas para mulheres também.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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