Supremo Tribunal Federal. Entre a vaidade, o golpismo e a omissão

Por Gisele Cittadino[1]

Todos sabemos que o tempo da justiça não é o tempo da política. Essa frase vem sendo repetida à exaustão na imprensa pátria como uma espécie de antídoto contra a impaciência de um povo relativamente acostumado – pelos menos se considerarmos os últimos 15 anos – com um Supremo Tribunal Federal atuante.

É bem verdade que essa atuação pode ser considerada um tanto quanto esquizofrênica, pois nossa suprema corte ora assume um papel liberal – quando, por exemplo, discute matérias comportamentais, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo – ora adota uma postura conservadora, especialmente quando ingressa no território penal.

Seja como for, a sociedade brasileira acostumou-se a ver ministros do STF na televisão, tanto nas sessões públicas da TV Justiça, como enfrentando os microfones dos repórteres nos momentos mais efervescentes.

Nessas ocasiões, a vaidade de muitos dos ministros explode em toda a sua plenitude. Seja porque esse é traço de sua personalidade, seja porque sentem-se muito especiais pela função que desempenham, seja porque acreditam que sua fala pode representar um importante papel na conjuntura pública, ou por todos esses motivos, vários ministros não conseguem ocultar o prazer e a satisfação que sentem diante de um cinegrafista.

Em alguns casos, a vaidade alia-se a um forte desejo de participar ativamente da cena política brasileira. Tal participação pode ter duas características: ou aquela que acredita na legitimidade de um ativismo que substitui o voto por “argumentos iluminados” ou aquela que, “de boa”, como dizem os jovens atualmente, representa uma ação político-partidária no interior da corte.

Ainda que por razões diferentes, tanto uma quanto outra são nefastas a qualquer sociedade que efetivamente tenha algum compromisso com aquilo que podemos designar como a cidadania democrática de todos e de cada um.

É bem verdade que quando a vaidade associa-se a uma atividade político-partidária, que, ao mesmo tempo, também significa uma atuação oposicionista em relação ao partido adversário, a situação agrava-se sobremaneira. Nessa hipótese, estamos diante da mais absurda, insuportável e violenta das ações que pode um juiz cometer. Diante de tanta indignidade, o que fazem os demais colegas? Omitem-se, acoelham-se, toleram o intolerável.

É exagero afirmar que estamos, por conta da vaidade – ou do medo de tê-la arranhada – e da omissão, diante de um Supremo Tribunal golpista? Creio que não. Como diz a compositora Luka, em sua alegre e dançante música, o STF também canta: “tô nem aí, tô nem aí!”. E esse canto combina com sua trajetória histórica, ou seja, uma corte que jamais deixou de submeter-se aos interesses das elites, mesmo que, para isso, fosse necessário rasgar a Constituição.

Nesse momento, mais uma vez, o país está diante de um Supremo Tribunal Federal que, por vaidade, golpismo e omissão, abre mão da guarda da Constituição, sua tarefa maior.

Da ministra que não consegue decidir sobre um conflito de competência ao ministro que parte para o esculacho e impede atos legítimos da presidente da república, a mais alta corte de justiça do país faz de conta que é possível manter-se distante da crise.

Em mais alguns anos, como será lembrado o STF diante da crise política de 2016?

Não tenho dúvidas: como um tribunal que envergonha a sociedade brasileira democrática por sua vaidade, golpismo e omissão, como uma corte que nada faz para impedir que regressemos aos tempos da república bananeira, mas, sobretudo, como parte de um judiciário elitista e antidemocrático.

Originalmente publicado em www.democraciaeconjuntura.com

Rogerio Dultra: Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.
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