Cineastas e produtores culturais lamentam fim do MinC no Festival de Cannes

Em Cannes, cineastas e produtores brasileiros deploram fim do MinC

A extinção do Ministério da Cultura (MinC), e sua fusão com o da Educação, fez os profissionais do cinema reagirem durante o Festival de Cannes. Produtores e diretores manifestaram sua preocupação com o real significado da medida e, numa reflexão mais ampla, com o próprio futuro do Brasil. Retrocesso foi a palavra mais utilizada.

Eryk Rocha: “Está havendo uma ruptura democrática”

no RFI

O diretor Eryk Rocha está em Cannes competindo com o documentário Cinema Novo. Em tom grave, ele observa que a fusão dos dois ministérios faz parte de um problema muito mais grave do que o Brasil está vivendo. “É apenas uma camada de um problema gravíssimo que é uma interrupção democrática que o Brasil está vivendo. Não tenho medo de exagerar, acho que isso é um golpe político, jurídico, midiático, nunca imaginei que estaria vivendo isso, que minha geração estivesse vivendo isso. Estou perplexo com a situação, eu e muita gente, e acho que é o retorno da velha política, e a fusão é mais um movimento desse retrocesso brutal.

Para Eryk, tudo isso revela a falta de visão e de dimensão estratégica da importância da cultura e da educação no país. “Talvez sejam as duas coisas mais importantes do mundo contemporâneo no século 21, são questões estratégicas de Estado de muitos países desenvolvidos, como aqui na França, e essa fusão revela uma miopia, uma falta de projeto, tanto de cultura quanto de educação. Diminui-se as duas coisas e acho que a gente tem que lutar, lamento profundamente isso, mas acho que vem a luta para reverter isso o quanto antes. Mas repito: acho que a discussão dos artistas e pessoas de cultura não pode ficar reduzida ao fim do Ministério da Cultura nesse momento, isso faz parte de uma questão muito mais grave, muito mais profunda, que é a ruptura do processo democrático”, finaliza o cineasta.

Fernanda Reznik: “Acho que a gente pode esperar tudo”

Sócia da produtora carioca 3Tabela Filmes, Fernanda acha o fim do MinC um retrocesso sem precedentes.

Fernanda Reznik, produtora

“O fim do MinC é consequência de um retrocesso muito maior que está acontecendo hoje no Brasil, que é esse novo governo que não reconheço como legítimo. Acho que foi uma grande articulação dos derrotados através de uma manipulação que envolveu grande parte da mídia e depois,  com a desculpa da corrupção, derrubou-se um governo eleito com 54 milhões de votos, só isso já é um retrocesso imenso no país. A partir daí, acho que a gente pode esperar tudo. Um dos primeiros atos do novo presidente foi extinguir alguns ministérios, incluindo o da Cultura, das Mulheres, da Igualdade Social, dos Direitos Humanos, enfim, tudo o que tem um oxigênio e foi criado pelo outro governo. Pode haver críticas, mas foi um governo que teve uma visão mais social e particularmente de uma política de cultura muito mais ampla do que vinha acontecendo no país. Retrocesso é a palavra, um grande retrocesso”, lamenta Fernanda.

“Cultura não é acessório, cultura é o principal “

Daniel van Hoogstraten, produtor, e Ailton Franco, produtor e diretor de festival

Ailton Franco é produtor e diretor do Festival Internacional de Curtas no Rio de Janeiro. Para ele, a extinção do MinC é um grande retrocesso para o Brasil, tanto internamente quanto externamente. ‘É através da cultura que mostramos o nosso jeito de ser e vendemos todos os nossos produtos, o que é muito importante para a economia”.

Daniel van Hoogstraten,  produtor da Syndrome Filmes, reflete que a fusão dos dois ministérios é até compreensível à luz desse novo governo, que está diminuindo os ministérios no Brasil.

“Mas acho que especificamente em relação à cultura é um retrocesso porque a cultura não é o acessório, a cultura é o principal e é ela que leva a imagem do Brasil para dentro e para fora, é ela que divulga aspectos muito importantes nossos. Se isso significar um atraso, é muito ruim pra gente”, diz Daniel.

Fernando Muniz: “Temos que nos mobilizar”

Fernando Muniz, da FM Produções, do Rio, acha lamentável o fim do MinC. “Jamais gostei de me posiciona

José Fernando Muniz, produtor

politicamente, mas certas coisas independem de postura política e a cultura é uma delas; é claro que todos tememos pelo futuro de todas as atividades culturais. Meu maior medo, como produtor de cinema, é que a próxima vítima seja a Ancine (Agência Nacional de Cinema), que tanto tem feito para nos ajudar e colocou o cinema brasileiro em um nível de excelência, sobretudo internacionalmente, nos proporcionando com fundo setorial ótimas possibilidades de continuar fazendo nossos projetos. Espero que façamos uma grande mobilização no Brasil para tentar impedir esse ato bárbaro!’, desabafa Fernando.

Fabiano Gullani: “A sinalização não é boa”

Fabiano Gullane, produtor

Fabiano Gullani, produtor, comenta que recebeu com muita tristeza a notícia da extinção do MinC.

“Acho que se a gente está em 2016, no terceiro milênio, colocar a cultura como um assunto menor é uma sinalização muito ruim, não é? Não é só a cultura… Tem os  Direitos Humanos, o Desenvolvimento Social, tem várias áreas que foram relegadas ao segundo plano que preocupam muito. É difícil fazer um pré-julgamento, acho que agora todos os setores têm que acompanhar com muito interesse, muita atenção, para vermos como serão os próximos passos, mas a meu ver, a sinalização não é boa. A gente vê que hoje em dia o mundo inteiro está colocando a cultura, a economia criativa, como uma prioridade total e a gente tira a prioridade, indo contra uma tendência mundial. Então, espero que… enfim…a gente consiga ter um caminho melhor…Ah! Nem sei o que espero mais! “, diz Fabiano.

Ivan Melo: “Não consigo entender, não faz sentido”

O produtor Ivan Melo acha um absurdo se fechar um ministério que foi aberto logo no final da ditadura.

Ivan Melo, produtor

‘É uma forma de sancionar os direitos do cidadão porque a cultura é um dos ministérios mais importantes para a compreensão social das coisas, a cultura é que vai trazer os indígenas para dentro da gente, é o que vai espalhar dinheiro pelo Brasil. Sempre tivemos o dinheiro muito parado no Rio e São Paulo, o ministério da Cultura soube fazer essa divisão, hoje você vê produtos artísticos de qualidade sendo criados no Brasil inteiro.

Ivan confessa que não está conseguindo entender esse panorama, que para ele não faz nenhum sentido, pois a cultura não abocanhava a maior fatia dos recursos.

“É um ministério que não tem um orçamento gigantesco, não custa uma fortuna para eles, acho que é só uma manobra para manter a sociedade num lugar que eles consigam controlar melhor”, analisa.

Tathiani Sacilotto: “Não se pode calar a cultura”

Tathiani Sacilotto, produtora

Produtora da Personan Non Grata Pictures, de São Paulo, Tathiani Sacilotto acha que, mais do que um retrocesso, é uma perda de direitos: “Acho isso porque a cultura também é um direito. Enquanto você vê aqui na França a cultura está completamente dentro do dia a dia das pessoas, o novo governo brasileiro acha que a cultura é só um entretenimento, é um grande Big Brother; e tudo o que é cinema autoral ou não, tudo o que é ligado à arte, à dança, é totalmente ignorado por eles, infelizmente”.

Ela lamenta que isso esteja acontecendo num momento em que o audiovisual do Brasil fomenta muito mais valores do que o turismo. “Esse novo governo está dilacerando um mercado de investimento que gera trabalho, exportações de filmes, de obras de arte, de espectáculos de dança, de teatro, tudo isso vai ser completamente extinto. É como se acabassem com todo o turismo no Brasil, as pessoas também têm que fazer esse paralelo. Mas também acho que as pessoas que trabalham com cultura estão reivindicando, é um setor que quer lutar, que quer uma voz, e não se pode calar a cultura”, enfatiza Tatiana.

João Paulo Miranda Maria: “Não sabemos como será o futuro”

Em competição pela Palma de Ouro de melhor curta, João Paulo soube da extinção do MinC em Cannes.

“Uma coisa

João Paulo Miranda Maria, cineasta

horrível de se pensar”, como ele define, lembrando que todos os artistas estão protestando, escrevendo cartas, abaixo-assinados, se mobilizando.

“Todo um conservadorismo, uma visão retrógrada está voltando, uma coisa que lembra muito o ato ditatorial, tentar simplificar as coisas no país apenas para o empresariado… Pelo que estamos vendo não é só a cultura, todo o lado social também vai ser prejudicado e são os melhores ganhos que tivemos no governo da Dilma. Houve problemas por questões econômicas, porém, nada justifica o corte dos avanços sociais e culturais desses últimos anos, e isso é uma coisa que todos nós, artistas, estamos seriamente lamentando, e não sabemos como será o futuro, temos muito medo”, conclui o jovem cineasta.

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