Beats, berimbau, tapes e batucadas: Bloco de Notas #5

Toda sexta. Sobre música e adjacências.
Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.

— Quem escuta a usina de ritmos e variações característica do novo álbum do Metá Metá (MM3, lançado semana passada) há que se surpreender com o trabalho solo de seu autor, o baterista e produtor Sergio Machado, que assina o projeto Plim. Virtuoso e inventivo, Machado é presença constante nas apresentações da banda de Criolo, Afro Electro, Rael da Rima, Space Charanga, entre outros. Prestes a lançar Plim hoje (03/06) na Serralheria, o músico soltou o álbum esta semana, disponibilizando para download e streaming aqui. Mas, antes, lançou duas faixas no site da Red Bull Station: “Gelo” (composição e participação de Tulipa Ruiz) e “O Homem e o Rato” (composição e participação do rapper Criolo). No texto de apresentação, o jornalista identifica corretamente as influências “de trilhas de desenhos, séries e filmes”, citando como Ennio Morricone, Quincy Jones, Lalo Schifrin, Sun Ra — neste aspecto, outras influências mais específicas podem ser conferidas aqui. Porém, é possível também identificar traços da composição brasileira dos anos 60 (Edu Lobo, Sérgio Ricardo) na melodia de “O homem e o rato” e as “batidas críticas” do hip hop experimental em “Gelo”. Comentando a participação de Tulipa Ruiz na faixa, Machado nos conta por email: “Tulipa fez vários samplers, peguei todos eles e montei a música. Ela tem um lado Madlib que é foda!” Gravado de forma independente entre 2014 e 2015, o disco conta com também com as participações de Juçara Marçal, Thiago França, Kiko Dinucci, Netão, Gelado e Antônio Loureiro.

— Acaba de ser lançado pelo Propósito Recs de Bruno Abdala a parceria Pereira e Granado composta por Ricardo Pereira (percussionista do Bodes e Elefantes) e Guilherme Granado (multiinstrumentista do Hurtmold, São Paulo Underground e Bodes e Elefantes). Composto, gravado e mixado nos estúdios Studio Two e Toca do Conart, traz o clima das mixtapes de hip hop dos anos 80. No plano das timbragens, salta aos ouvidos a referência ao turntablism e ao hip hop norte-americano da costa oeste dos anos 90. “A gente se conheceu andando de skate há mais de 20 anos e eu coloquei ele pra tocar no Bodes & Elefantes na primeira chance que tive”, contou Granado por email. Ouça abaixo:

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— Como já havia dito em algum dos blocos de notas anteriores, a cada dia que passa o jornalismo cultural definha na grande imprensa. Não nos resta outra saída a não ser procurar na rede pelo novo jornalismo cultural, o jornalismo cultural que virá. E qual não foi a minha surpresa diante da proposta da Revista Beira? “Partimos do fora, do que está no limite”: enunciado que serve de epíteto ao nome da revista, indica o caráter fronteiriço da empreitada: a cada semestre, um tema ao redor do qual orbitam obras de arte, atividades culturais e expressões da política. Atualmente formada por um grupo de nove indivíduos com formações variadas, a revista me parece ter um papel fundamental: conectar as linhas de fuga, borrar as fronteiras do capital, os fios desencapados de uma produção cultural cada vez mais entranhada nas fissuras do sistema. Deixo a palavra com Maria Bogado, uma das integrantes do projeto: “A ideia de girar em torno de um tema é conectar campos artísticos que, nos veículos mais especializados, acabariam separados, e também encaixar uns objetos sem lugar específico. Por exemplo, o tema ‘vizinhança’ permitiu conectar tanto uma entrevista com os músicos Rodrigo Campos e Negro Leo, o cineasta Adirley Queirós, textos sobre PANIDROM e Pequeno Quadro Público, peças de teatro, a arte de Dan Graham, poemas, resenhas de livros e de filmes, além de estabelecer diálogos com acontecimentos como: os pixos de “SMH” nas ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro, uma ocupação de famílias sem moradia em Laranjeiras, a passagem de refugiados no Campo de Edomeni, na Grécia, as transformações na praça Mauá e por aí vai…” A revista mantém uma chamada aberta para receber trabalhos em qualquer linguagem ou formato publicável no site, anunciada na sessão de classificados dos jornais, estratégia que, segundo eles, dialoga com o tema Vizinhança. “Parece que tem uma galera afim de escrever sobre os cantos da cidade, acontecimentos e produções artísticas que não tem lugar no jornalismo hegemônico ou não são muito reconhecidas institucionalmente”. (Nota: no ano passado, o trio carioca Chelpa Ferro pregou uma peça nos críticos de arte e de música. Fizeram uma “exposição” que consistia num grande estúdio onde aconteciam encontros de improvisos entre diversos artistas. Resultado, o Sonorama deu nó na cabeça da rapaziada: nem os críticos de arte, nem os críticos de música escreveram uma palavra sequer acerca de um dos grandes acontecimentos artísticos cariocas de 2015…).

— “Já pensou o funk sem a putaria, o que as madame iam fazer?” Um dos principais nomes durante o processo de consolidação internacional do funk carioca, a MC Deize Tigrona está de volta com uma faixa produzida pelo DJ Chernobyl, ex-membro da Comunidade Nin-Jitsu, banda porto-alegrense dos 90. A faixa tem todos os ingredientes que fazem do funk um gênero musical polêmico: apologia das drogas, citação às armas e à “putaria” — termo que se tornou emblemático da vertente erótica do gênero. Há, contudo, um outro elemento não menos polêmico, que diz respeito ao modo como o funk se redistribuiu pelo mundo afora através das mais diversas reconfigurações. No presente caso, os beats do tamborzão são mesclados aos timbres e andamentos das vertentes mais comerciais da música eletrônica contemporânea, o que talvez seja sua faceta mais comum.

— O SuburbanaCo é um selo de Fortaleza que aposta em trabalhos experimentais, reunindo nomes locais como Rodrigo Colares e Eric Barbosa (artista multimídia, aparentemente, o ponta de lança do projeto) e artistas de várias regiões do país como Thelmo Cristovam (PE) e God Pussy (RJ). Este ano, o SuburbanaCo lançou oito discos em formato digital, entre os quais se destaca a coletânea Percusso Instalativo Sonoro (Compilação I). Entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016, Barbosa realizou uma espécie de ocupação “sonoro-audiovisual” no centro da cidade e arredores de Fortaleza/CE, tomando como base o Foyer do centenário Theatro José de Alencar, no centro da cidade. Convidou artistas como o pernambucano Rodrigo Caçapa (Alessandra Leão) e os cariocas Marcos Campello, Felipe Zenícola (ambos do Chinese Cookie Poets e da banda de Ava Rocha) e Eduardo Manso (Bemônio, Meia Banda, Ava Rocha) para participar e registrou os encontros, lançados esta semana no Bandcamp do selo. O termo “paisagem sonora” já não dá conta do tipo de experiência que é proposta aqui, uma tentativa de preencher e abalar as fissuras do espaço urbano com elementos sonoros.

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— A segunda metade do século XX é repleta de manifestações em que se utilizam os suportes como fitas cassetes, discos de vinil e fitas de rolo como fonte sonora, através de técnicas e procedimentos como manipulação, inscrição, deterioração, entre outros. Em 2003, o Mortuário, projeto solo do artista e experimentador Lucas Pires, apostava nas sonoridades diáfanas decorrentes do desgaste de fitas cassetes que ficaram por muito tempo enterradas (sim, enterradas, embaixo da terra…). Com o material devidamente “mofado”, Pires elaborou seu primeiro trabalho, Necrofilia/Propaganda, que pode ser escutado/baixado aqui. Treze anos depois, o Mortuário retorna com c32, que acaba de sair pela Seminal Records e mantém a premissa do projeto com resultados mais arrojados. Ouça os sons desgastados e hiper-editados de c32 abaixo:

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— Entre os meses de junho e setembro de 2016, ocorre a Ocupação Audio Rebel/Quintavant no Centro Municipal Hélio Oiticica e na Biblioteca Parque Estadual no Rio de Janeiro. Para quem não conhece, a Audio Rebel é um estúdio localizado no bairro de Botafogo que abriga artistas das mais variadas vertentes sonoras, da música instrumental, da canção e dos sons experimentais. O Quintavant/QTV é um selo/coletivo que trabalha na seara dos sons experimentais. No primeiro final de semana de cada mês, a ocupação pretende criar um circuito sonoro pelo Centro do Rio, estimulando a circulação entre a Praça Tiradentes e o Campo de Santana. Serão realizados oito shows com cinco atrações, três rodas de conversas e duas oficinas. Entre os artistas, Metá Metá, Maurício Pereira, Juçara Marçal e Cadu Tenório, Negro Leo e Ava Rocha. Abrindo o evento, o nova-iorquino-pernambucano Arto Lindsay junta forças com o power trio Chinese Cookie Poets em duas apresentações na BPE, hoje (03/06) às 20h e amanhã, (04/06) às 18:30.  Amanhã, 11h da matina, este que vos fala bate um papo com Arto Lindsay em uma mesa intitulada “Correndo Perigo”.


Gif por Thiago Lacaz

— A primeira vez que escutei o DJ Nuts ao vivo, fiquei impressionado com sua técnica e sensibilidade para mesclar as faixas da música brasileira. Uma coisa é mixar com beats regulares, produzidos por máquinas de ritmo. Outra coisa é mixar Wilson das Neves com Elza Soares, a partir de batidas irregulares e repleta de síncopes. Uma revelação! Lá se vão mais de 10 anos. E eis que me deparo recentemente com essa verdadeira obra-prima: três horas ininterruptas com o melhor do rap nacional old school mixado com engenho. Assim é “Máquina de dança”, a mixtape recém-lançada por Nuts. Clique aqui para escutar. Aulas!

— O grande Papete, cantor, compositor e percussionista maranhense de Bacabal, nos deixou na última quinta-feira de maio. Como artista, ficou reconhecido pelos seus esforços em incluir a cultura musical maranhense no mapa da música brasileira, gravando ritmos como o do bumba meu boi, o tambor de crioula e o tambor de mina. Como percussionista, tocou com Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Chico Buarque, Rita Lee, entre muitos outros. Bandeira de aço, seu segundo disco, foi lançado em 1978 pelo selo Marcus Pereira e constitui um marco na difusão da música e do cancioneiro maranhense, incluindo compositores como Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota, Sérgio Habibe. Antes, porém, Papete gravou aquele que me parece seu disco mais forte e simbólico: Berimbau e Percussão, de 1975. “Saravá seu Sete Flechas, ele é o rei da mata!…”

*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).

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Bernardo Oliveira:
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