Entrevista exclusiva com Eduardo Cardoso, professor de história no RS, “expulso” por perseguição política

O Cafezinho recebeu uma denúncia gravíssima, de censura política a um professor de história, numa escola estadual do interior do Rio Grande do Sul.

O professor com mestrado em história, Eduardo Mattos Cardoso, foi afastado da sala de aula no Instituto de Educação Angelina Maggi, escola estadual de Três Cachoeiras-RS, no litoral norte, por causa de sua coluna num jornal local.

Já publicamos, hoje mesmo, um post sobre essa denúncia.

Leia abaixo entrevista exclusiva do Cafezinho com Eduardo Mattos Cardoso.

Cafezinho: Pode falar um pouco de você, sua formação e suas ideias (idade, origem)?

Eduardo: Tenho 37 anos. Nasci em Três Cachoeiras e estudei todo o ensino básico em escola pública. O ensino Médio, inclusive, cursei nessa mesma escola entre 1994/96. Em 2012 retornei à escola como professor, e agora estou sendo “expulso” por simplesmente cumprir com meu papel de professor e defensor da democracia. Não sou petista e nunca fui filiado a este partido. Tenho amigos neste e em todos os partidos existentes na cidade, da direita à esquerda. Desde o ensino fundamental tive uma formação cidadã. Aprofundei isso quando tive a oportunidade de fazer minha Graduação e Mestrado em História sempre com bolsa na Unisinos no RS entre os anos 1999 e 2008. Apesar dessa Universidade ser privada, é uma das melhores Escolas de Humanidades do Brasil. E sempre tive muito gosto pela leitura e pela escrita. Minha formação acadêmica me ajudou ainda mais a confirmar a visão de mundo que eu sempre enxerguei: que o humano está acima de qualquer coisa material, e que as desigualdades não são invenções divinas.

Cafezinho: Você gosta de dar aulas?

Eduardo: Essa pergunta é frequente, principalmente por aqui com os professores da rede estadual do RS, uma das piores redes para se trabalhar como professor, em termos de estrutura e salário. A sociedade, em sua maioria, foi levada a crer que ser professor é um catecismo, uma vocação, tem que ter amor. Quando tu reclama do salário, faz greve, questiona o próprio andamento da escola te dizem assim: sai fora, tu não gosta do que tá fazendo. Então, se não gostasse de alguma coisa do ser professor não estaria sendo. O contato com os jovens me estimula.

Cafezinho: Por que você foi acusado de “só falar de política com os alunos”?

Eduardo: Não leciono apenas História. Sou também professor de Filosofia, Sociologia e de Seminário Integrador. Por conta disso dou no minimo 6 (seis) aulas semanais em turmas de 3º ano de Ensino Médio. Se tu pegar o Projeto Político Pedagógico da Escola, os planos de trabalho/estudos e os livros didáticos (que não foram eu que escolhi) tu vais ver que a política em geral e o conceito “politica” são conteúdos obrigatórios. Não invento nenhum conteúdo. Nada mais que meu dever profissional. Só que, quando o país passa por um momento politico desses, com tamanha manipulação midiática, sectarismo e por aí vai, é claro que algumas pessoas, inclusive alguns alunos, confundem as coisas. Aí tu junta essa confusão com a má fé de alguns professores, tá criado um factóide: Ele tá fazendo “apologia política”. Nunca falei pra aluno meu votar nesse ou naquele partido. Nunca disse que partido A é melhor que B. Aliás, a acusação é tão pífia que tu pode perguntar pra qualquer aluno meu qual é a frase que eu mais repito, quase como um mantra. Eles vão responder: o professor diz sempre: “Se tu não pensa, alguém pensa por ti.” Não parece uma fala de alguém que quer fazer “apologia politica”, o que aliás, é um termo equivocado.

Cafezinho: A comunidade onde você vive é muito conservadora?

Eduardo: Sim. Penso que como a maioria das comunidades de interior.

Cafezinho: Na sua opinião, há um movimento para censurar os professores? Já pensou sobre as causas desse movimento?

Eduardo: Evidente. Ainda mais em comunidades conservadoras como a minha. A perseguição é escancarada. Não querem que tu saia fora dos “trilhos”, não querem que tu questione, duvide, etc. Isso causa problemas, por exemplo na escola, mexe no acomodado. Mas essas atitudes de censura são estimuladas em períodos como agora, com essa história de “Escola sem partido”, o que é muito perigoso. É um discurso que, na verdade, esconde um partido único, o do autoritarismo, do sectarismo, da intolerância religiosa, de gênero de ideias, etc. E aqui, é escancarado. O que estão tentando fazer comigo é perseguição politica/partidária e censura pura. Por que eu questiono, duvido, estimulo meus alunos a isso também. Faço críticas a atual situação da educação no RS, um verdadeiro caos, sob a orientação do Governador José Ivo Sartori do PMDB. Daí tu pega o Diretor da minha escola que é despreparado e de má fé e me entrega para um superior da rede estadual que é do PMDB. Aí dizem que eu é que faço “apologia política”.

Cafezinho: Você tem apoio entre os alunos?

Eduardo: Sim. Apoio maciço. Eu leciono em três turmas que dá um total de mais ou menos 60 alunos. Mais de 80% me apoiam. E não são ouvidos pela direção. É censura escancarada.

Cafezinho: Outras considerações?

Eduardo: Essa censura escancarada esta negando a palavra à maioria dos alunos e a mim. Nesse ato de me “expulsar” da escola o diretor cometeu ilegalidades, como por exemplo não ter consultado o Conselho Escolar sobre o caso. Então, vou apelar para que o Conselho Escolar da Escola me ouça e ouça todos os alunos que eu leciono. Que me deem chance de defesa, o que até agora estão me negando.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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