Afinal, qual é a novidade da moda sem gênero?

Por Marina Martins, editora de Moda do Cafezinho

Nomes da moda têm lançado coleções e desfilado modelos genderless, mas o que é realmente inovador para as ruas?

Já sabemos que, muitas vezes, a indústria da moda pode ser cruel ao nos apresentar peças surreais em tamanhos que beiram a modelagem infantil, impõe tendências limitadas a determinados padrões de beleza, mantém preços inacessíveis a grande parte da população e exclui, assim, uma possível diversidade de consumidores. Contudo, nos últimos tempos, temos nos deparado com alguns nomes da indústria fashion buscando maior pluralidade ao “dar o pontapé inicial” para quebrar as barreiras entre as vestimentas dos guarda-roupas de homens e mulheres. Mas afinal, qual é a novidade da tendência genderless?

Anunciada como um estilo neutro, agender ou ungendered, essa nova onda ganhou força principalmente no início deste ano, com Jaden Smith, filho de Will Smith, vestindo roupas femininas para a Louis Vuitton. Outros nomes, como Gucci e Prada também aderiram ao movimento, colocando mulheres para desfilar em suas coleções masculinas, na última Semana da Moda Masculina, em Milão.

No Brasil, há alguns meses e de forma ainda muito ponderada, a C&A lançou uma coleção chamada “Tudo Lindo e Misturado”, com fundamentos genderless e estampada por um homem usando um vestido floral em sua nova campanha. No entanto, tal coleção parece ter ficado apenas em suas propagandas, já que nos cabides das lojas não havia nenhuma novidade além do que estamos acostumados a encontrar em cada seção – ainda bem divididas por gênero.

Contudo, em meio a esses holofotes mais focados em publicidade do que em manequins, alguns estilistas levam a sério o assunto, esquecendo quaisquer tipos de divisões, como é o caso da marca gaúcha Också, fundada há 3 anos pelos estilistas Igor Bastos e Deisi Witz e que vai desfilar a próxima coleção piloto no Fashion Gallery, do New York Fashion Week, em setembro. “Na modelagem das nossas peças unimos elementos geométricos e formas mais orgânicas. Pensamos puramente em roupas, não em definições. Nossa proposta é desenvolver um vestuário livre de preconceitos, em que as pessoas tenham a liberdade de vestir o que e como elas quiserem”, conta Witz.

Mas voltemos algumas décadas, quando nos anos 1920, Coco Chanel em sua transgressão, incluiu peças masculinas nos guarda-roupas das mulheres da época. Ou, em 1960, quando Yves Saint Laurent lançou o smoking feminino e as mulheres também passaram a usar jeans e camisas sem gola, ganhando um novo poder e nova atitude pública. Pelo menos para as mulheres, não há novidade em usar roupas masculinas com o objetivo de demolir padrões ou, até mesmo, ganhar autonomia e confiança em uma sociedade que sempre viu a feminilidade como um ponto fraco.

Por outro lado e com gritantes exceções, como Bruno Gagliasso ou Jared Leto, ainda é extremamente difícil e raro encontrar um homem que realmente esteja disposto a adotar uma moda genderless – que não se limite às calças ou camisas de cortes padrão para ambos os gêneros, mas sim, a usar peças realmente ligadas ao look feminino, como saias e vestidos.

Ainda que alguns estilistas tenham tentado incluir essa peça em suas campanhas recentes, como a Givenchy, esta não é uma tendência que tenha tomado as ruas ou seduzido o cotidiano dos homens. Afinal, por que há uma resistência tão forte para que os homens abracem essa ideia?

Longe das passarelas e do mainstream, é inegável a repressão social contra os homens que resolvem adotar qualquer tipo de peça ou assessório que remeta ao universo feminino, uma vez que persistem associações e estigmas com vulnerabilidade e fraqueza. O verdadeiro sinônimo de contravenção de gênero não cabe mais ao público feminino, mas sim, a um público revestido por padrões ainda submersos em uma afirmação constante da masculinidade.

O auge dessa tendência nos mostrou que há ainda muito o que se discutir e desconstruir para combater essa cultura e resistência tão enraizada na nossa sociedade. Por outro lado, a boa notícia é que, aos poucos, podemos observar tímidos sinais de que há algo caminhando para uma mudança em relação a libertação de tais padrões, como vem acontecendo com os uniformes escolares no Reino Unido. Ao todo, 80 escolas estaduais, das quais 40 são primárias, adotaram a política do uniforme sem gênero. Precursor neste movimento, o Brighton College é uma escola privada da Inglaterra, que passou a permitir que seus alunos escolham entre uma saia e casaco ou blazer e calça.

Ainda que pareça – e realmente esteja – muito longe de uma realidade palpável quando falamos de moda genderless envolvendo o consumidor masculino nas ruas, no escritório ou até mesmo em uma confraternização de família, já é possível identificar que esta não é somente uma questão de estilo, mas de construção e liberdade – como a moda já nos mostrou tantas vezes.

Marina Martins:
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