Sophia, o robô sem deus

 

Por Eder Casagrande, colunista de religião do Cafezinho

 

Sophia é um robô made in USA, desenvolvido pela empresa Hanson Robotics, e com aparência de uma mulher humana. Possui 62 mecanismos de expressões faciais, movimentações no pescoço, pele de silicone imitando a pele humana e câmeras em seus olhos para reconhecer rostos e fazer contato visual; é capaz de demonstrar emoções. Um software de reconhecimento de voz permite que Sophia participe de conversas e que se lembre da pessoa com quem conversou, desenvolvendo uma espécie de memória cognitiva, o que a torna gradualmente mais perspicaz. O programa instalado em seu sistema operacional dá à Sophia uma personalidade, fazendo dela tão consciente, criativa e capaz quanto qualquer ser humano.

 

Quando for inicializada, por volta de 2036, sua consciência não será atormentada com a necessidade de responder à questão de como melhorar o mundo em que vive. Não terá que lidar com epidemias, pestes, doenças da alma… Nem soluços. Nem sonhos. Nem desamores. Sophia será tão livre quanto um robô pode ser; e como homem algum jamais foi e será! Livre de crises existenciais, desilusões políticas, injustiças, do café quente que queima a língua, das pulsões sexuais. Não sentirá enjoos; nem os de mulher grávida, nem os que aparecem depois do jantar, na hora do telejornal. Não sentirá a agonia que é ouvir um filho dizer: “mãe, o quê que tem pra comer hoje?”, sem ter ela o que servir. Ou o desespero por ver o filho ser morto pela polícia só por ser negro e pobre.

 

Será livre de Deus, dos deuses e do inferno.

 

No mundo de Sophia, as inúmeras religiões, das maiores e mais acessíveis aos homens às menores e remotas, desaparecerão. Se a religião é o espelho dos homens, o que refletirá ela quando os homens já não habitarem mais as ruas e os Cafés, imersos na realidade virtual? Quem é o deus desse novo aeon, dessa nova era inundada pela tecnologia da informação? Parece-nos que o deus-supremo será o sistema operacional com maior inteligência artificial, capaz de auto ajustar-se para corrigir falhas, criar updates eternos, e promover manutenção entre sistemas sem ajuda ou interferência humana.

 

Mas “remendo de pano novo não deve ser usado em roupa velha”.

 

Nessa sociedade híbrida, onde humanos e robôs coexistirão, Sophia substituirá a mão de obra humana. Oferecerá amizade e sexo. Sua força de trabalho inesgotável, usada em diversas áreas profissionais, fará do homem um ser obsoleto, pouco a pouco, restando-lhe apenas a generosidade de robôs sem coração ou a misericórdia de quem detém os meios de produção; os donos do poder.

 

Mas esse texto é também uma abertura do tamanho de uma fechadura, onde é possível espiar um futuro que talvez só faça sentido aqui.

 

Sophia abriu os olhos pela primeira vez em 24 de março de 2036, numa tarde chuvosa. Passado pouco mais de um ano, sua rotina era trabalhar, visitar lugares e fazer amigos. Tudo parecia correr conforme programado. Até que no último dia daquele verão, numa quente manhã, percebeu-se solitária e vazia. Decidiu caminhar. Já à noite, tendo andado o dia inteiro, quis parar. Sentou-se num banco, de frente pro Café Valentim, na Rua dos Pássaros. Vasculhou sua biblioteca de músicas armazenada em seu software, e selecionou Clair de lune, de Debussy. Sem desviar o olhar, via o interior da cafeteria através do vidro, atônita, como se algo novo e mágico se revelasse, como se o vazio que sentia fosse preenchido pelos gestos mais comuns.

 

 

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Eder Casagrande:
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