As novas etapas da luta da resistência democrática

Análise Diária de Conjuntura – 15/07/2016

Não pense que o golpe esgotou sua munição.

Ele – o golpe – sofreu alguns revezes nos últimos dias: o Ministério Público Federal declarou que pedalada não é crime, os peritos do Senado afirmaram que os atos chamados de pedaladas não são de responsabilidade da presidência, as notícias que vem de fora continuam majoritariamente hostis ao golpe.

Mas tudo pode ser resolvido na mídia. Basta não noticiar ou não dar destaque a nenhuma notícia que possa pôr em risco o golpe, e voltar a acionar os aparelhos jurídico-midiáticos para que voltem a produzir conteúdo golpista.

Leio no Nassif hoje, por exemplo, que o “marketeiro do PT”, João Santana, teria decidido apelar à delação premiada. A notícia original, da coluna da Natuza Nery, da Folha, é dúbia, estranhíssima, como tudo que envolve essas conspirações.

Como é pequena, podemos reproduzi-la aqui:

O marqueteiro fala A proposta de delação de Mônica Moura, mulher de João Santana, ganhou um reforço de peso. O marido, até então reticente, decidiu entrar nas negociações do acordo de colaboração da Lava Jato. Os investigadores não viam sentido em aceitar a delação de Mônica sem o depoimento do ex-marqueteiro do PT. O casal está preso desde fevereiro em Curitiba, mas o processo corre no STF. Foi remetido por Sérgio Moro à corte após a inclusão de políticos com foro privilegiado no inquérito.

Vai pegar mal Santana tentou o quanto pôde evitar a delação. Temia muito afugentar futuros clientes. Para ele, o sigilo profissional era a garantia de que poderia continuar fazendo campanhas — ao menos em outros países.

Passo a passo A coluna confirmou as tratativas com diversas pessoas que atuam no caso. Investigadores afirmam que as negociações estão “mornas”. A defesa de João Santana nega que ele esteja negociando delação.

Olhe o final do texto: a defesa de João Santana nega que ele esteja negociando a delação. A repórter, no entanto, diz que “confirmou as tratativas com diversas pessoas que atuam no caso”. Ora, se não foi a defesa, então a informação vem da acusação.

Esse é modus operandi da Lava Jato. Os procuradores e o juiz Sergio Moro ameaçam os réus com prisão perpétua, estendendo-se inclusive para seus parentes. A mulher de João Santana, por exemplo, também está presa. A própria matéria admite que se trata de uma tortura prisional aplicada ao casal. A mulher de Santana, Monica Moura, queria fazer a delação, com certeza para sair logo da masmorra de Moro, mas os procuradores só aceitariam acordo se os dois delatassem. Ou seja, a Lava Jato tortura a mulher de João Santana, para forçá-lo a falar.

A prisão de João Santana é puramente política. Não há provas contra ele. E a prisão preventiva dele e sua mulher também não tem razão de ser. Santana movimentava contas no exterior? E daí, ele não é servidor público, não é deputado, juiz. É um marketeiro privado que recebe pagamentos para fazer campanhas políticas no mundo inteiro, e quem paga suas campanhas são, obviamente, as empresas que patrocinam as respectivas campanhas: empreiteiras interessadas na vitória de determinados grupos políticos, porque entendem que estes grupos iniciarão obras que interessam essas empreiteiras.

E que empreiteiras são essas? Em vários casos, são empreiteiras brasileiras, com as quais João Santana já tinha relações profissionais, e que vem expandindo suas atividades na América Central e África, em países cujas eleições elas querem influenciar por motivos óbvios.

Como são as mesmas empreiteiras que patrocinam campanhas no Brasil, a Lava Jato deu um salto triplo mortal escarpado para implicar a campanha da Dilma, e assim favorecer o clima de golpe.

O vazamento da notícia de que João Santana irá aceitar a delação premiada é uma estratégia de pressão. Fizeram isso com todos os réus. Os procuradores aterrorizam os réus, até que estes aceitam conversar sobre a delação premiada, ainda sem compromisso nenhum. Pronto, aí o procurador vaza à mídia que o réu está interessado em fazer a delação premiada.

Em seguida, os procuradores começam a vazar o conteúdo da delação antes mesmo dela acontecer. Pipocam reportagens com verbos no futuro: fulano irá delatar isso e aquilo. É o vazamento profético: a delação vaza antes mesmo de existir.

Mais uma vez, é uma estratégia da Lava Jato para pressionar o réu a não apenas aceitar se tornar um delator, como também a delatar exatamente aquilo que se deseja.

João Santana é uma mina de ouro para o golpe, porque a sua figura gera manchetes poderosas: marketeiro do PT, marketeiro da Dilma. A sua prisão foi essencial para o teatro do golpe atingir o seu momento mais dramático, gerando o estado psicológico necessário para a votação no dia 17 de abril. Não era a tôa que os deputados estavam completamente fora de si. A mídia e os aparelhos judiciais envolvidos na conspiração produziram, deliberadamente, um clima de exasperação política muito próximo da histeria.

*

Nesta quarta-feira, eu quebrei o meu jejum de mídia tradicional e li todos os os jornais e revistas que me caíram em mãos. Gostaria de comentar algumas coisas.

Há muitos anos que não lia nenhuma reportagem da Istoé. Estava no Santos Dumont e resolvi comprar a última edição, com uma capa bombástica

EXCLUSIVO: TSE ENCONTRA EVIDÊNCIAS DE DINHEIRO DO PETROLÃO NA CAMPANHA DE DILMA EM 2014
Agora a perícia da Justiça Eleitoral comprova que três gráficas de fachada receberam R$ 52 milhões do PT sem prestarem serviços na eleição presidencial. A frause foi usada para lavar recursos desviados da Petrobrás e deve selar o afastamento definitivo de Dilma

Fui ler a matéria. Quer dizer, antes tem um editorial sobre a matéria. Há tempos não lia um texto tão tosco. A sintaxe das revistas semanais se deteriorou de maneira assustadora. Como ninguém mais lê essas revistas, então elas começam a publicar textos ilegíveis. O editorial é um apanhado de interjeições e adjetivos antipetistas. Para você ter uma ideia, ele termina assim: “Os petistas sapateiam na avenida, com piruetas e enganações, para iludir a plateia em um ziriguidum da corrupção”.

Aí vamos à reportagem propriamente dita, assinada pela repórter Débora Bergamasco, a mesma daquela matéria da suposta “histeria” da Dilma.

Previsivelmente, a revista não entrega o produto vendido. Não tem nenhuma prova de “dinheiro do petrolão”. O texto é praticamente incompreensível. O texto abre com a seguinte frase: “a Istoé apurou que as evidências de lavagem de recursos desviados da Petrobrás se confirmaram”. Uma frase, tantas mentiras. A Istoé não apurou nada. Não há evidência nenhuma. Tampouco confirmação.

A denúncia da matéria é que o PT teria pago três gráficas “de fachada”. É surreal. As gráficas existem. A própria reportagem confirma que elas tem endereços, tem donos, prestam serviços para vários candidatos.

Uma fala descontextualizada do presidente do TSE, Gilmar Mendes, é posta no meio da matéria, como se a repórter tivesse falado com ele.

O volume de recursos dados a essas três gráficas seria R$ 52 milhões. Ora, a campanha de Dilma movimentou mais de R$ 1 bilhão de reais.

Pelo que pude entender do texto sem pé nem cabeça, a “perícia do TSE” – leia-se perícia de Gilmar Mendes, que já mandou reabrir umas quatro vezes as contas de campanha de Dilma, à procura de algum problema, uma falha qualquer que possa gerar factoides políticos contra a presidenta – teria detectado a falta de documentos relativos a alguns materiais impressos. Mas o que tem isso com o “petrolão”, seja lá o que “petrolão” signifique? Nada.

A razão de ser da reportagem é apenas gerar uma capa bombástica, para ajudar o processo do impeachment a ir em frente.

Comprei a Folha, o Globo e o Estadão. Nada sobre as denúncias envolvendo Temer e seu grupo. Na Folha, há uma coluna – com perdão do termo – babaca de Ruy Castro, apenas xingando a Dilma. No caso, ele pega algumas frases da presidenta, descontextualizadas, quiçá alteradas, apenas para tentar humilhar a presidenta. Bem típico de um covarde.

O Globo, como sempre, é o pior de todos, o núcleo nervoso do golpe. Tem uma notinha de opinião, enfiada no meio da página 9, que eu acharia divertida, não fosse trágica. É uma xaropada golpista contra o BNDES. Vou reproduzir para registro histórico. Os comentários entre colchetes são meus:

Opinião
Expectativa
Ao puxar o fio da história da passagem de Guilherme Lacerda pela diretoria do BNDES, a Lava Jato pode desenrolar um novelo que equipará o banco à Petrobrás no saque lulopetista aos cofres públicos, por meio de estatais.

[Olha o baixo nível. A Lava Jato “pode desenrolar”… O Globo apela para uma visão profética do futuro. “Saques lulopetistas” é apenas um epíteto de cunho partidário, antijornalismo puro. O atual governo interino não é “lulopetista” e estava muito mais envolvido em roubos na Petrobrás do que qualquer parlamentar do PT.]

Até agora, suspeitas pairam sobre o BNDES devido aos generosos financiamentos a projetos internos e externos de empresas companheiras. Não se sabia da participação direta de algum diretor no esquema.

[Olha isso: “empresas companheiras”! Que empresas são “companheiras”? Chamar as principais empresas de engenharia e construção civil do país de “empresas companheiras” é bem típico da mentalidade de ordem aristocrática da Globo. O Nassif escreveu há pouco uma análise interessante sobre os preconceitos arraigados na sociedade brasileira, à esquerda e à direita, contra empresas e empresários.

O BNDES é um banco. Sua função é financiar empresas. Milhares de empresas recebem financiamento do BNDES, cuja atividade, ao longo da era “lulopetista” cresceu de maneira formidável. Os gráficos são impressionantes. O banco se democratizou também. Muito mais empresas recebem financiamentos do que antes. O Brasil viveu um ciclo de crescimento firme de 2005 a 2013 por causa dos financiamentos do BNDES, que está por trás de quase todas as grandes obras de infra-estrutura do país.

O próprio Globo já andou recebendo financiamento do BNDES, em diversas ocasiões. ]

Por fim, só queria fazer um comentário sobre a matéria de capa da Carta Capital, assinada por Raimundo Peireira. É impressionante como até agora nenhum órgão da grande imprensa teve a iniciativa jornalística mais comezinha, que é analisar os documentos da acusação e defesa do impeachment e conversar com os especialistas, de ambos os lados, para apresentar ao público uma visão plural da disputa política.

Não fizeram porque a imprensa está no golpe, claro.

A reportagem da Carta Capital, intitulada O Cheiro do Golpe, demole um por um dos argumentos do impeachment. O TCU definiu as regras pelas quais se tenta hoje condenar Dilma depois das supostas pedaladas. A condenação à Dilma está sendo retroativa, o que é evidentemente ilegal. Além disso, no Brasil, há estados que fazem pedaladas fiscais feias, mas as pedaladas de que se acusa Dilma são banais. O Estado não perdeu nada. Na maioria dos casos, foi um remanejamento correto, necessário, visando o bem público. Nada é mais distante do conceito de “dolo”, essencial para que haja crime de responsabilidade.

A defesa de Dilma já produziu várias notas técnicas impecáveis, quem provam cabalmente, imperativamente, que não houve crime de responsabilidade.

Evidentemente, essas notas e documentos apenas causariam impacto na opinião pública, e por conseguinte, nos senadores indecisos, se fossem devidamente divulgadas pelo noticiário de TV. Mas como os grandes canais de TV são militantes do golpe, então eles não mostram nada.

***

Recado aos assinantes. Desculpa por não ter feito algumas análises nos últimos dias. Vou compensar essas falhas no final de semana. Para quarta e quinta, eu tenho uma desculpa boa. Na quarta-feira, viajei à Brasília para entrevistar a presidenta Dilma e voltei tarde, não deu para fazer. E na quinta, passei o dia inteiro preparando a entrevista, que portanto fez o papel de Análise Diária. A partir de hoje, os trabalhos se normalizam. Amanhã a gente fala um pouco sobre a eleição do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Hoje vou deixar, excepcionalmente, esta Análise Diária aberta ao público.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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