O Brasil caminha para ser uma nação de evangélicos (e isso preocupa nossos parceiros nos BRICS)

29-07-2014 - São Paulo - Brasil - O Templo de Salomão é a sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus que foi construída no Bairro do Brás em São Paulo, Brasil. A edificação da réplica foi inspirada em características da construção do Templo de Salomão, conhecido também como o primeiro templo citado pela Bíblia. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

Inauguração do Templo de Salomão, sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus (Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas)

por Carlos Eduardo, editor do Cafezinho

De acordo com o Ibope Inteligência dois candidatos evangélicos lideram as intenções de voto nas duas maiores cidades do país: Celso Russomano, com 33% em São Paulo; e Marcelo Crivella, com 27% no Rio de Janeiro.

Curiosamente, ambos pertencem ao mesmo partido: o PRB, legenda de centro-direita comandada pela Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.

A supremacia evangélica neste início de campanha não deve ser visto como mera coincidência. Um estudo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, divulgado em 2013, prevê que os católicos serão superados pelos evangélicos até 2040.

Tal fenômeno pode ter impactos profundos na política brasileira, por isso vem sendo monitorado de perto por outras nações.

Uma delas é a Rússia, que neste ano divulgou um relatório em que alerta para o aumento de poder e influência das igrejas evangélicas nos rumos da política brasileira.

De acordo o relatório, em dentro de 35 anos teremos uma população majoritariamente pró-EUA, com partidos de cunho evangélico ganhando mais espaço na cena política. O medo dos russos é que a ideologia destas igrejas neopentecostais, inspiradas em um modelo desenvolvido pelos norte-americanos no pós-guerra, contamine a política externa brasileira.

Abaixo segue um trecho de artigo publicado no Russia & India Report:

As igrejas evangélicas com conexões fortes com quartéis-generais nos EUA – e não raras vezes controladas pelas ‘matrizes’ – já são atores muito ativos nas eleições no país, e já conseguiram reverter várias leis sociais brasileiras progressistas.

É muito provável que os fiéis dessas igrejas ‘de televisão’, criadas à imagem de muitas que há nos EUA, logo passem a interferir também na política exterior do Brasil. Com isso, certamente o Brasil se afastará – e provavelmente se porá em campo adversário – de países como Rússia e Índia, onde ainda predomina um ethos liberal progressista.

Em apenas 35 anos, é possível que o Brasil tenha população majoritariamente pró-EUA. É tempo mais do que suficiente para que os BRICS preparem-se para a vida sem Brasil.

Para a sorte dos russos, no geral os partidos evangélicos ainda se mostram extremamente toscos na arte da política. Vide os desempenhos pífios de Russomano e Crivella nos debates da Band. A ’Bancada Evangélica’ vem crescendo ano após ano, sem dúvida, mas continua restrita a um nicho específico do eleitorado, sem alcançar a classe média e outros setores importantes da sociedade.

Dizer que as igrejas evangélicas brasileiras mantém contato com suas matrizes nos Estados Unidos pode soar uma loucura, mas não acho que seja paranoia. A inteligência russa não dá ponto sem nó.

A Teologia da Prosperidade praticada no Brasil por igrejas como Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Mundial do Poder de Deus, e tantas outras, se trata de um modelo inventado nos Estados Unidos durante a década de 1950, após a Segunda Guerra.

Uma forma encontrada pelo primeiros pastores neopentecostais norte-americanos de adequar o cristianismo aos anseios e necessidades da nova sociedade de consumo que surgia na metade do século XX.

Isso explica, por exemplo, porque nas catedrais evangélicas os assentos são em escada, igual a arquibancadas, com direito a um enorme palco, som e iluminação profissional. Mais se parecem com uma arena multiuso que uma igreja nos moldes tradicionais.

Ao mesmo tempo em que a sociedade do espetáculo afastava as pessoas da igreja tradicional, as igrejas evangélicas angariavam novos fiéis transformando a experiência religiosa em espetáculo.

O Christian Rock surge nesta época como resposta dos neopentecostais ao fenômeno Elvis Presley, acusado de corromper os jovens com suas canções de rock carregadas de sexo e letras vulgares. Para atrair os jovens criou-se um novo gênero musical, menos vulgar e mais comportado: o rock cristão. A indústria cultural foi incorporada de forma brilhante.

Uma história engraçada é que Elvis Presley, acusado de subversivo pelos evangélicos da época, era também muito religioso e chegou a gravar um disco do gênero Christian Rock: Peace in The Valley.

A ideologia reproduzida dentro das igrejas evangélicas não é apenas conservadora nos costumes e liberal na economia. É, acima de tudo, uma ideologia focada no consumo e na acumulação de bens, que enxerga os Estados Unidos como modelo ideal de capitalismo a ser seguido.

Vejam bem, não há nada de errado em querer ganhar dinheiro. Não pretendo insultar a religião de ninguém, longe disso. Fico feliz pelo rapaz do vídeo acima.

A questão é que as igrejas evangélicas reforçam uma cultura de meritocracia que interessa somente ao status quo e incita os fiéis a se posicionarem contra as bandeiras progressistas. 

Estudos mostram que o eleitorado evangélico está entre os mais conservadores e reacionários do mundo.

Nos Estados Unidos, por exemplo, Donald Trump lidera as intenções de voto entre os evangélicos, segundo uma pesquisa do Pew Research Center. Votam no Trump não por simpatia, mas porque são contra o casamento gay, a legalização do aborto, programas sociais e outras propostas defendidas por Hillary Clinton. 

O Brasil caminha neste sentido e os russos tem bons motivos para preocupação.

Entretanto, tenho minhas dúvidas a respeito das candidaturas de Celso Russomano e Marcelo Crivella. A hora deles ainda não chegou.

O primeiro tem fama de cavalo paraguaio, sempre larga na frente e termina derrotado. Provavelmente nem irá para o segundo turno em São Paulo.

O segundo tem boas chances de ser eleito no Rio, não por suas propostas ou carisma, mas por culpa do PMDB fluminense que afundou o Estado em uma crise sem precedentes.

Mas a política tem suas ironias. A mesma igreja Universal do Reino de Deus, responsável por alçar Crivella ao posto de senador da República, é também seu calcanhar de Aquiles. Nas últimas eleições para o Governo do Estado do Rio de Janeiro todas as igrejas rivais da Universal aconselharam seus fiéis a não votarem nele. E o mesmo deve se repetir agora.

O golpe contra Dilma Rousseff e a atual conjuntura política no país me obriga a concordar com a análise do brilhante cientista político, Wanderley Guilherme dos Santos, que disse recentemente:

O grande salto para trás de Michel Temer tem tudo para dar certo: uma burguesia econômica tíbia, profissionais liberais (engenheiros, médicos, dentistas, advogados, etc.) conservadores em sua maioria, heterogêneo apêndice do terciário de mão de obra rudimentar e reacionária (balconistas, caixas e congêneres), categorias intermediárias entre o assalariamento e a incapacidade de crescer – pequenos comerciantes, escritórios periféricos do setor de serviços – igualmente reacionárias e um operariado de baixo poder ofensivo, exceto em alguns momentos da trajetória econômica, majoritariamente caudatário de lideranças partidariamente comprometidas.

Os mandatos de Lula e Dilma foram o mais próximo que já tivemos de um governo social-democrata em toda nossa história. Infelizmente, isso desagradou muitos setores da sociedade.

E não me refiro apenas à elite, até porque sem o apoio da classe média não haveria golpe.

O que mais me assusta é ver pessoas humildes, das camadas médias e baixas da sociedade, reproduzindo o mesmo comportamento de nossas elites reacionárias.

Do mais pobre ao mais rico, somos um país de maioria conservadora, essa é a verdade.

Redação:
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