Streck: ao caçar estudantes, juízes e MP estão matando a democracia

Comentário do blog: o jurista e professor de direito constitucional, Lenio Luiz Streck, é preciso na sua análise.

O comportamento de juízes e membros do Ministério Público diante das manifestações democráticas que ocorrem em todo o país é sinal de que estamos caminhando para uma ditadura jurídico-policial.

Nesta terça-feira (1), uma matéria do portal Consultor Jurídico, publicada minutos antes do artigo de Lenio Streck, revela que a “tortura psicológica” autorizada pelo juiz Alex Costa de Oliveira se assemelha bastante à técnica adotada pela CIA para combater os terroristas da Al-Qaeda e do Estado Islâmico, após o atentado às Torres Gêmeas, em 2001.

Segue trecho da reportagem assinada pelo repórter Tadeu Rover:

“Isolamento físico e privação de sono estavam entre as técnicas de interrogatório permitidas pela agência de inteligência dos EUA (CIA) para combater o terrorismo depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. A fórmula, agora, foi autorizada por um juiz do Distrito Federal para forçar um grupo de estudantes a desocupar uma escola”

A notícia é tão absurda, que custa acreditar.

Para ler a matéria completa clique aqui. Abaixo artigo do professor Lenio Streck.

***

Tortura em Brasília: Ao caçar coelhos, mataremos a borboleta azul!

por Lenio Luiz Streck, no Consultor Jurídico

Lá pelos anos 70, atormentados por uma superpopulação de coelhos, os ingleses adotaram uma política tão bem-intencionada quanto equivocada, que culminou com a extinção da borboleta-azul no sul do país (essa metáfora é utilizada em outro contexto por Monica Baumgarten de Bolle para descrever o governo Dilma). Achei a metáfora interessante. Os ingleses queriam se livrar dos coelhos. Uma infestação inédita de coelhos ameaçava os prados verdejantes e as plantações das fazendas da região, levando os produtores a declarar que uma crise ambiental estava prestes a ocorrer e a pedir socorro ao governo. Para evitar um massacre possivelmente infrutífero de coelhos, já que a taxa de reprodução dos animais é quase inigualável na natureza, as autoridades encontraram uma solução “brilhante”.

Inocularam os bichinhos com o vírus da mixomatose, uma doença que ataca, sobretudo, os coelhos, deixando-os letárgicos, mais suscetíveis aos seus predadores naturais, menos inclinados a se reproduzir. Inicialmente, o experimento foi um sucesso. A população de coelhos caiu vertiginosamente, preservando as plantações e evitando a temida catástrofe.

Contudo, a estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções, como diz o famoso aforismo.

Com menos coelhos a mordiscar a vegetação, ervas daninhas proliferaram e a grama cresceu mais do que o normal. O crescimento da grama acabou aniquilando a população de um tipo de formiga que só sobrevivia alimentando-se da grama mais baixa. Infelizmente, esta formiga tinha laços estreitos com a borboleta azul, carregando seus ovos para o formigueiro e cuidando de suas larvas até que se tornassem lagartas adultas.

Sem a proteção das formigas, os ovos da borboleta azul ficaram expostos aos predadores. Um dia, a borboleta azul sumiu para sempre do sul da Inglaterra.

E assim pode ocorrer no Brasil. Juízes e membros do Ministério Público, sob pretexto de cumprir a lei e proteger o patrimônio público, estão tomando medidas que podem matar a borboleta azul, que aqui, na minha metaforização, é a democracia.

Com efeito, leio que o juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou o uso de técnicas de tortura para “restrição à habitabilidade” das escolas, com objetivo de convencer os estudantes a desocupar os locais. Entre as técnicas estão cortes do fornecimento de água, luz e gás das unidades de ensino; restrição ao acesso de familiares e amigos, inclusive que estejam levando alimentos aos estudantes; e até uso de “instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono” dos adolescentes. A decisão é do último domingo (30/10). Li a decisão e fiquei pasmo. Um juiz da infância e da juventude decidir desse modo?

O juiz ainda ressalta que tais medidas ficam mantidas, “independentemente da presença de menores no local”. “Autorizo expressamente que a Polícia Militar (PM) utilize meio de restrição à habitabilidade do imóvel, tal como, suspenda o corte do fornecimento de água; energia e gás (…) restrinja o acesso de terceiro, em especial parentes e conhecidos dos ocupantes (sic)”, determinou Oliveira.

O magistrado determina ainda a identificação de todos os ocupantes e que a PM observe uma eventual prática de corrupção de menores no local. A determinação para reintegração de posse das escolas é imediata, demandando apenas que a polícia efetive o reconhecimento dos locais, conheça o número de ocupantes e disponibilize efetivo para a ação.

Reproduzo as palavras do advogado Renan Quinalha, que auxiliou os trabalhos da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, a decisão é absurda e legitima técnicas de tortura contra estudantes nas escolas ocupadas.

“É uma reedição de técnicas de tortura. São considerados meios mais amenos, por assim dizer, por que não tem violência direta, mas isso agride física e mentalmente os estudantes. Visa criar o caos entre os jovens. Não é para convencer. É autoritário e violento”.

Pronto. A noticia é auto explicativa. Estamos indo com sede ao pote no e do autoritarismo. Vamos ao moinho e poderemos perder o focinho. Já não se respeitam nem os adolescentes estudantes. Quem será o próximo? A Constituição nada vale? Proteção à criança e do adolescente? Alguém leve, urgentemente, o ECA para o juiz de Brasilia. Tenho medo que usem gás lacrimogênio. Sim, consta que os adolescentes saíram pacificamente dia 1. Também, pudera. Saíram com medo de serem chicoteados. Provavelmente seria a próxima medida.

Democratas de todos os matizes: unamo-nos. Não deixemos a borboleta azul morrer. Por vezes não damos bola para as formigas, porque queremos liquidar com os coelhos. Mas as formigas podem ser as causadoras da morte da borboleta. Mas, de onde surgiram tantas formigas?

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados

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