Brasil pós-golpe: onde encontrar esperança?

(Na foto, Fidel e Che no México, antes da revolução vitoriosa que lideraram)

Arpeggio – coluna política diária

Por Miguel do Rosário

Em quase todo debate que participo a questão sempre vem a tôna. Há esperança? Onde encontrá-la?

Um dos objetivos do golpe parece ter sido eliminar qualquer esperança. Entretanto, ele não oferece outra alternativa a não ser luta e resistência, na medida em que não se vê nenhuma ação que vise, ao menos, conter a crise econômica.

Até o golpe de 64, em alguns aspectos, parece melhor do que o golpe atual, porque os militares que assumiram o poder, ou pelo menos uma boa parte deles, tinham uma visão nacionalista, de defender o nosso petróleo, nossa indústria, manter o nível de emprego.

Os bandidos que assumiram o poder, e não falo apenas dos meliantes do Executivo, mas também da aliança entre fanáticos, picaretas e oportunistas que tomaram conta dos aparelhos jurídicos do Estado, não tem qualquer compromisso com nenhum instrumento de desenvolvimento social, econômico ou político.

Na parte econômica, é tudo muito estranho. Novamente interesses obscuros, provavelmente os mesmos que já denunciava Vargas há mais de sessenta anos, ganham evidência. Quem ganha com essa loucura que se tornou a Lava Jato?

Rodrigo Janot, em conversa com Eugênio Aragão, disse algumas palavras misteriosas sobre a Lava Jato, de que ela seria muito maior do que qualquer um poderia imaginar. Sim, ela parece uma operação de guerra, para dominar e conquistar um país e entregar-lhe a um controle estrangeiro.

A participação, agora praticamente confessa, de Sergio e Moro, procuradores e a própria PGR, na celebração de acordos de delação entre os réus da Lava Jato, alguns deles detentores de informações sensíveis do Estado brasileiro, e autoridades norte-americanas, certamente não ajuda a termos confiança nessa operação.

O BNDES anunciou hoje que não vai financiar mais “exportação de serviços de engenharia” das grandes empresas nacionais. Ao mesmo tempo, o mesmo banco aceitou entregar 100 bilhões de seu caixa para o governo Temer fazer evaporar em juros da dívida.

O governo não fala mais em obras de infra-estrutura. A grande mídia está satisfeita com os pixulecos em profusão que começaram a jorrar do governo, na forma de publicidade federal. Até mesmo as crises políticas, como esta última provocada pelas revelações do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, se revelam lucrativas para a grande mídia.

Alguns analistas especulam sobre a perda da “blindagem” do governo Temer. Ora, isso não interessa mais à grande mídia. Tanto faz agora com Temer ou sem Temer. O importante é virar o ano, para evitar que haja eleições diretas, que, aí sim, poderia injetar um pouco de perigoso otimismo no coração das pessoas.

O que significaria eleições diretas hoje, no Brasil, para a presidente da república, conforme defendem importantes forças políticas?

Não sou otimista em relação ao resultado de qualquer eleição, mas sou otimista quanto à volta da política oferecida por um processo eleitoral. Eleições criam brechas de liberdade no debate político, porque o sistema de comunicação é inundado de novos atores. As ideias circulam em maior quantidade e em maior velocidade, num processo eleitoral.

E para vencer essa desesperança que passou a pesar sobre a conjuntura nacional como uma sombra terrível, só mesmo com novas ideias!

A profunda crise que atravessamos nos obriga a uma saudável radicalização. Por exemplo, até pouco tempo atrás, seria considerado radical, quase louco, um político que defendesse a cassação de todos os canais de TV. Hoje em dia, um político inteligente e progressista poderia defender isso tranquilamente. Seria massacrado pelos grandes meios de comunicação, mas ovacionado pelas redes sociais.

O sistema de comunicação brasileiro precisa ser inteiramente reformado. As concessões públicas precisam ser democratizadas, ou seja, entregues ao povo. Será que algum dia teremos um partido que promova seminários sobre mídia, nos quais especialistas do mundo inteiro venham ao Brasil para nos explicar como é a regulamentação da mídia nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, na China?

O mundo hoje não vive uma boa fase. Os estragos provocados pela guerra no Iraque, pelos golpes “coloridos” na Lìbia, Síria, Egito, geraram um efeito dominó que destruiu lideranças populares em todo planeta.

Outro dia, li uma matéria no The Verge, um blog americano de tecnologia, sobre uma nova lei de vigilância a ser aprovada no Reino Unido, que legalizará tudo aquilo que Snowden denunciou como crimes da NSA. Os ingleses poderão ser vigiados de perto pelo governo.

A China tem anunciado medidas semelhantes. A sinistra e onipresente máquina de espionagem norte-americana, agora em mãos de um maluco de extrema-direita como Trump, também não indica que venham alguma boa notícia de lá.

Na França, há o risco das eleições presidenciais, e nem será a primeira vez em sua história, serem disputadas entre direita e extrema-direita.

Por outro lado, às vezes eu penso que existe uma dialética que esteja nos escapando. Por exemplo, mesmo com a vitória de Trump nos Estados Unidos, não se pode negar que a esquerda americana nunca cresceu tanto como nos últimos anos. A quase indicação de Bernie Sanders como o candidato do partido democrata demonstrou bem isso. A maconha está sendo liberada em inúmeros estados norte-americanos. Na Inglaterra, o novo presidente do partido trabalhista é Jeremy Corbyn, certamente a liderança mais progressista da legenda em muitos anos.

E no Brasil?

No Brasil, o quadro institucional é uma tragédia, tudo bem. Judiciário, Ministério Público, polícias federais e estaduais, mídia, todos parecem ter celebrado um pacto satânico para afundar o país, destruir direitos sociais. Nem mesmo as liberdades individuais são poupadas. As novas 10 medidas contra a corrupção concentram ainda mais poder em mãos das instituições mais perigosamente antidemocráticas do país, o MP e o Judiciário. Não vai acabar com a corrupção. Ao contrário, vai aumentar a corrupção, que possivelmente se concentrará ainda mais do que hoje justamente no MP e no Judiciário.

Os escritos federalistas já advertiam, nos primórdios da democracia americana, que o poder, qualquer poder, tem sempre ganas de crescer mais. Por isso é importante impor-lhes limites naturais, e o melhor limite são os freios e contrapesos impostos por outra instituição.

Os brasileiros precisam, um dia, experimentar uma democracia e construir o seu país com suas próprias mãos.

Eduardo Cunha fez uma contra-reforma política de encomenda para as elites, Globo e PSDB. O tempo de campanha foi reduzido, não se promoveu nenhuma mudança no sentido de ampliar a comunicação entre candidatos, partidos, lideranças políticas e a população.

Os debates entre candidatos deveriam ser regulamentados por lei. As concessões públicas de TV deveriam ser obrigadas a exibir debates entre os candidatos em horário nobre. E os debates deveriam ser organizados inteiramente pelos próprios partidos. Sem perguntas da emissora. Apenas perguntas de um candidato para outro e de populares, escolhidos pelos próprios partidos, para os candidatos.

O novo ministro da Cultura, Roberto Freire, já disse, por ocasião da extinção da pasta, que foi o primeiro ato do governo Temer (como que se vingando da classe artística), que o ministério não é necessário, porque alguns países não tem ministério da Cultura.

Ora, a desinformação faz um grande mal à saúde política de um povo, porque ele impede qualquer debate inteligente. Esses mesmos países que não tem ministério da Cultura tem uma quantidade enorme de leis que impedem a concentração da propriedade no campo da cultura e do entretenimento. Nos Estados Unidos, a poderosa FCC (Federal Communications Commission), Agência Federal de Comunicação, controla até mesmo o percentual de audiência dos canais de TV. Esses canais não podem ter uma audiência superior a um percentual, definido pela agência, a nível regional e federal. Por que nenhum partido político brasileiro, antes de fazer qualquer tipo de declaração sobre “lei de mídia’, não promoveu um amplo estudo sobre as leis da mídia nos Estados Unidos?

Para que servem os “think tanks” do PT e do PCdoB, que não participam do debate político nacional? Não oferecem nenhum tipo de subsídio objetivo que nos ajude no debate mais importante no Brasil de hoje, que é o debate sobre a relação entre a imprensa, a mídia e o golpe?

Hoje, em Brasília, manifestantes que vieram de todo país foram atacados pela polícia militar do Distrito Federal. Segundo relatos que vem da própria grande imprensa, está sendo uma das maiores manifestações em Brasília desde 2013. Só que a gente sabe como as coisas funcionam: quando os protestos tem base popular minimamente organizada, a mídia corporativa usa todas as suas armas para fazer uma cobertura negativa, de maneira a blindar o governo e o legislativo.

Nesse ponto de nossa conjuntura, não é mais questão de acusar o governador do DF, porque as polícias de todos os estados vêm, há tempos, ganhando autonomia. Isso também é o golpe. O poder de violência do Estado, que é um monopólio consagrado pela Constituição, vem deixando de ser gerido pelos representantes políticos, que mal ou bem precisam prestar contas à população, até mesmo por cálculo eleitoral, e migrando para as mãos do Judiciário, que não tem compromisso nenhum com a sociedade.

Aliás, é uma situação irônica. Na hora de usar a violência, o Judiciário não se preocupa com popularidade. É o único momento em que ele assume o ônus de ser um poder contramajoritário. Mas quando se trata de arbitrar processos judiciais altamente politizados, com grande repercussão midiática, aí ele não só se curva à “opinião pública”, como ainda tem com ela uma perigosa cumplicidade. O juiz e o MP, que no Brasil trabalham em parceria contra os cidadãos, usam a mídia, através de vazamentos seletivos, entrevistas, verdadeiros stand-ups acusatórios, para produzir uma imagem tão negativa do cidadão que a sociedade não apenas pressione o Estado a condená-lo, como chancele ou faça vista grossa a qualquer tipo de desvios usados para este fim.

Sugiro ao leitor que assistam com atenção ao vídeo completo (link aqui) do programa do jornalista Roberto Navarro, que traz uma longa entrevista com o ex-presidente Lula. Assim que começa a falar do Brasil, Navarro observa que, à diferença da Argentina e outros países latinos, não há, no Brasil, nenhum programa como o dele, Roberto Navarro, onde seja possível veicular ideias progressistas.

É incrível que tenhamos chegado a esse ponto no Brasil sem que nenhum quadro político importante progressista tenha feito nada contra isso, nem sequer uma denúncia. Esse foi um erro histórico, trágico, dos governos petistas. Por isso eu não concordo com o lugar comum de que o golpe ocorreu por causa dos acertos do PT e do governo. Não. O golpe aconteceu por causa também, quiçá principalmente, de seus erros, e o principal deles foi menosprezar a questão central do Brasil: um sistema de comunicação terrivelmente fechado, em que a extrema-direita é dona de tudo. Em todos os países democráticos, há jornais, canais de TV, rádios, tvs públicas, que externam visões progressistas do mundo. Ou então, como nos EUA, há um sistema de cultura muito forte e muito plural, como mostra a entrevista de Spike Lee com Bernie Sanders, feita pelo Guardian. Nos EUA, ou operando nos EUA, há ainda uma porção de bilionários com tendências progressistas, que apoiaram Bernie Sanders. Como Pierre Omidyar, fundador do Ebay, que financiou e criou o Intercept, onde escreve Glenn Greenwald, e que lançou há pouco uma versão em português.

Encerro o post com um humor um pouco melhor. No vídeo do Roberto Navarro que eu linkei algumas linhas acima, há um discurso de Fidel Castro em Buenos Aires, logo após a vitória dos Kirchner, na Argentina. É impressionante lembrar a onda de otimismo e esperança que varreu a América Latina naqueles anos!

Antes de falar em Fidel, uma rápida digressão sobre a Argentina. A vitória de Macri não produziu nenhum otimismo ou esperança. Ao contrário, as medidas de Macri são sempre no sentido de onerar o povo e a classe média, elevando tarifas, cortando programas sociais, concentrando riqueza em mãos de poucos. A mesma coisa acontece no Brasil. Uma das primeiras iniciativas de Temer foi cancelar o programa Ciência sem Fronteiras, que levava milhares de jovens brasileiros, todos os anos, a estudar no exterior. Recursos para cultura, ciência, infra-estrutura, são cortados, enquanto o governo apenas aumenta o percentual destinados ao pagamento de juros. À mídia cabe ludibriar a opinião pública, num processo de inacreditável cinismo, onde ela vende que as medidas tomadas pelo governo irão melhorar a economia e, em seguida, quando essas medidas não melhoram nada, dizendo que o aumento no desemprego ou ajuste para baixo nas esimativas do PIB surpreenderam o mercado.

Voltando à Fidel, nesse discurso histórico em Buenos Aires, para uma multidão de centenas de milhares de pessoas, o líder cubano celebrava a derrota do neoliberalismo, cujo canibalismo a América Latina conseguiu afastar, por vias democráticas, por quase uma geração inteira no continente. Ao final do discurso, ele repete a famosa frase de Che Guevara, que na verdade era a frase símbolo da revolução cubana: hasta la victoria, siempre!

É uma frase tão simples, mas que, à luz dos tempos sombrios que vivemos hoje no Brasil, me parece tão poderosa! Por que é uma frase que resume, em sua lacônica simplicidade, a ideia mais importante já inventada no mundo: a ideia de que o homem pode governar a si mesmo, e, portanto, pode mudar seu destino e melhorar o mundo a seu redor. É uma frase que não expressa, exatamente, uma esperança, que tem a ver com espera e expectativa, mas antes uma vontade, uma convicção, um estado de espírito!

Hasta la victoria, siempre, caros leitores e leitoras! E, se possível, assinem o Cafezinho!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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