As movimentações para derrubar o atual diretor da PF

No Tijolaço, há um post, publicado há pouco, com base em matéria no Estadão, informando que a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF) “vai encaminhar” um pedido ao presidente Michel Temer para mudar o diretor-geral da Polícia Federal.

O diretor atual é Leandro Daiello Coimbra, e, como diz Fernando Brito, os delegados membros da Associação não poderiam ser mais ingratos, porque Coimbra jogou no campo do golpe e da Lava Jato o tempo inteiro, movimentando-se nos espaços “republicanos” abertos pelo lânguido ministro da Justiça.

Eu fui ao site da ADPF, e encontrei uma nota com o tal pedido publicada no sábado, dia 11.

Segundo a reportagem do Estadão, “a entidade atribui à gestão de Daiello a saída de delegados que integravam a força-tarefa da Lava Jato e vê risco de prejuízo às investigações com a permanência do atual chefe”.

No fundo, é uma grande comédia. Os delegados não estão preocupados com a Lava Jato, esse monstro de várias cabeças que todos tentam usar como pretexto para alguma coisa.

O que a ADPF deseja está bem explícito na nota divulgada em seu site e que o Estadão, curiosamente, não menciona.

A associação encaminhou ao presidente Michel Temer um ofício onde consta “o currículo dos três Delegados de Polícia Federal, de classe especial, escolhidos pelos Delegados para ocupar a Direção-Geral da instituição”.

O que a Associação quer, portanto, não é defender a pobre e indefesa donzela Lava Jato dos assédios do governo. Fosse assim, os delegados teriam que protestar, em primeiro lugar, contra um impeachment conduzido por Eduardo Cunha e outros corruptos envolvidos até o pescoço nas denúncias da Lava Jato, e, no entanto, a ADPF foi uma das tantas associações representantes das castas da burocracia, que se envolveram intensamente nas articulações para derrubar uma presidenta honesta.

O que a ADPF quer é escolher um nome seu para a diretoria da PF, aos moldes do que faz o MPF. É um movimento corporativo. Caso Michel Temer ceda às exigências da entidade, teremos uma PF mais corporativa do que já é, chantageando ainda mais o Executivo em troca de mais poder, mais autonomia, mais recursos.

Isso é o monstro do golpe ficando mais desenvolto, mais autoconfiante, e reforça a minha teoria de que o impeachment foi uma articulação de duas grandes forças, a mídia – e seu enorme contingente de zumbis – e as castas do serviço público, devidamente lideradas por dezenas de associações proto-maçônicas, invariavelmente reunindo a nata da extrema-direita corporativa das instituições.

O que a ADPF pretende, provavelmente, é emplacar um diretor ainda mais corporativo e reacionário que o atual. E isso sem falar de interesses mais sinistros, pois a PF não apenas movimenta bilhões de reais por ano, como é a organização mais diretamente envolvida na guerra ao crime organizado, em especial os tráficos de drogas e armas. Ter um diretor para chamar de seu na PF é um poder, portanto, que jamais poderia ficar em mãos de setores obscuros do corporativismo. É um cargo de absoluta confiança, exclusivo de um presidente da república, de preferência um presidente eleito pelo povo. O tipo de negociatas bilionárias envolvendo o crime organizado, que um diretor da PF corrupto poderia costurar, é incomensurável.

Mas a ADPF, em sua nota, diz que conta com a “sensibilidade” do presidente da república para mudar a diretoria da PF.

Quem sabe não é um movimento articulado até mesmo com o próprio núcleo duro do Planalto para emplacar um outro diretor, este sim, comprometido com o “fim da Lava Jato”?

Não seria nada surpreendente (aliás, é o mais provável) se Daiello caísse exatamente pelos motivos contrários alegados pela ADPF, ou seja, justamente por estar atrasando e impedindo a influência mais direta do núcleo duro do governo nas investigações da Polícia Federal, em especial na Lava Jato. Não podemos esquecer que Daiello ainda é do tempo da Dilma, o que significa que, mesmo golpista, ainda deve guardar um pouco dos escrúpulos éticos da gestão anterior.

Em outros termos, o próprio Moraes, ministro da Justiça prestes a assumir uma vaga no STF, pode ser o articulador da mudança da diretoria da PF, que ele, tucano inteligente e midiático, reveste com uma ficçãozinha narrativa qualquer.

A reportagem do Estadão, isso é bem evidente, não faz nenhum tipo de investigação sobre essa possibilidade. O jornalismo brasileiro há muito tempo perdeu a capacidade de monitorar e denunciar movimentos mais sutis das corporações. É fácil, neste sentido, manipular o jornalismo manipulador. Além do mais, o Estadão está defendendo o governo com unhas e dentes, e apoia a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF, onde será revisor da Lava Jato.

Então há um grande teatro no ar. Os mesmos que denunciam movimentos do governo para “acabar com a Lava Jato” são aqueles que se articulam para apoiar o governo em tudo, inclusive em suas movimentações para controlar, de uma vez por todas, a Lava Jato.

Estou cada vez mais desconfiado, além disso, que a própria Lava Jato quer pôr fim a si mesma, e procuram algum tipo de final honroso, que inevitavelmente significará um bocado de pizza.

Os caras estão constrangidos com o estrago que fizeram. Não falo do golpe, que os operadores da Lava Jato não apenas apoiaram como participaram intensamente das conspirações que levaram a ele. Eu falo da crise econômica. Não sei se eles contavam que ela fosse tão profunda, embora qualquer pessoa com bom senso poderia prever que destruir o núcleo da economia brasileira, como era a construção civil e o setor de óleo e gás, não era uma boa ideia.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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