A resiliência de Lula nas pesquisas de intenção de voto

“Não, os culpados não eram os que passeavam, os indolentes, os despreocupados, mas unicamente os que, pela palavra, estimulavam a guerra. E nós éramos culpados, nós também, se não lhe opuséssemos nossa própria palavra”.

As palavras são de Stefan Zweig, escritor austríaco, em seu livro mais reconhecido, O mundo que eu vi, um relato autobiográfico do período que antecedeu a primeira guerra e do início da própria guerra. Após os conflitos se iniciarem, ele se vê obrigado a usar um trem-hospital, onde tem contato, pela primeira vez, com os aspectos mais trágicos e miseráveis da guerra: vagões emporcalhados, cheios de sangue, transportando feridos e mutilados, sem remédios, sem instrumentos, sob supervisão de profissionais sem formação adequada. Ao chegar em Budapeste, porém, ele encontra uma sociedade inteiramente alienada do horror que já batia às suas portas. Janotas bem vestidos, despreocupados, desfilando pelas praças, ao lado de lindas e encantadoras moças. Primeiramente o contraste lhe deixa estupefato. Ao sentar num café e pedir um jornal, ele entende, porém, o que acontecia. Os jornais mentiam descaradamente. Inventavam vitórias que não existiam. Negavam massacres, minimizavam crises. Enfim, era a grande “mentira da guerra”.

Esse trecho me lembrou um parágrafo do livro A Decadência do Ocidente, de Spengler, que ele escreve, com profundo pessimismo, sobre o advento da imprensa. É um pessimismo curioso, sobretudo em virtude da época em que o livro foi publicado, 1918, por seu contraste com esse entusiasmo louco pelo progresso que marcam as duas décadas que antecedem as grandes guerras.

Ele lembra que os reis que quisessem iniciar uma guerra, antes da existência dos jornais, precisavam fazer terríveis ameaças contra o povo. Ameaçá-los com prisões, torturas e mortes horríveis. Após o advento da imprensa, porém, bastavam meia dúzia de editoriais ufanistas para que os povos caminhassem alegremente, por vontade própria, na direção do matadouro.

Spengler saiu de moda há muito tempo, mas desde então surgem, esporadicamente, autores que lançam um olhar profundamente suspeito sobre os grandes meios de comunicação. Não seriam eles – a imprensa corporativa – antes um instrumento de opressão – mais um dentre tantos – do que um avanço do espírito humano em direção à liberdade?

A relação de governos com a imprensa sempre foi problemática. Não é apenas um problema, como a Folha e o Globo tentam nos vender, de governos “bolivarianos”.

Dias atrás, por exemplo, a Folha publicou uma reportagem com o seguinte título: Equador chega às urnas com imprensa limitada por Rafael Correa.

A matéria, como era de se esperar, é uma mistificação. Claro que o governo Correa não é perfeito. Qualquer governo, de esquerda ou direita, precisa ser constantemente vigiado para que não abuse de seu poder.

Conflitos entre governos e imprensa sempre existiram, mas a reportagem tinha apenas o objetivo de reforçar um clichê que a grande mídia brasileira vem carinhosamente construindo, desde o adventos dos primeiros governos de esquerda da América Latina: de que eles não seriam “democráticos” e, sobretudo, seriam hostis às liberdades de expressão e imprensa. O que diz a matéria? Que, após vários mandatos de Correa, um jornalista pediu asilo político nos EUA. A perseguição de que se diz vítima é apenas porque foi condenado pela justiça pela publicação de um artigo. A matéria não lembra que o presidente retirou o pedido do pagamento da indenização.

Só que a mesma imprensa não diz que outros governos do Equador, conservadores, praticaram violências infinitamente maiores contra a imprensa. No Brasil mesmo de hoje, temos um amigo nosso, um blogueiro do Paraná, condenado a pagar mais de 200 mil reais, por causa de um post em que comenta uma pesquisa eleitoral…

Nos Estados Unidos, os casos de jornalistas perseguidos pelo governo são tão numerosos que alguns já viraram filmes. Há um filme recente, chamado O mensageiro, que conta a história do jornalista que revelou o escândalo Irangate, o caso escabroso de contrabando de armas para rebeldes iranianos que combatiam o governo, com objetivo de financiar a guerra contra o governo democrático da Nicarágua. E ainda havia o uso, pela CIA, de redes de tráficos de droga. O jornalista em questão não foi apenas perseguido pelo governo. A grande imprensa americana – em especial o New York Times – fez o jogo da CIA e – isso está no filme – começou a publicar matérias que atacavam o jornalista. Ao final, o jornalista morre misteriosamente.

Claro, esse tipo de informação jamais é organizado de maneira a combater o pensamento médio do brasileiro, que precisa continuar acreditando que o inimigo da liberdade de expressão é o governo “bolivariano” do Equador.

Tudo isso é uma introdução para falar do “jornalismo de guerra” que caracteriza a atual conjuntura política brasileira. Nos últimos dias, tivemos exemplos marcantes disso. A revista Istoé publicou matéria de capa com a acusação de um doente mental ao ex-presidente Lula. A primeira vista, parece uma denúncia desesperada da Istoé, uma forma de compensar o dinheiro que ela agora vem recebendo do governo tucano  (a indicação de Alexandre de Moraes, filiado ao PSDB, tirou qualquer dúvida quem realmente manda no governo hoje). Não se trata, porém, de amadorismo. A imprensa brasileira há tempos tornou-se uma quadrilha organizada. A Istoé está fazendo um serviço sujo em cumplicidade com outros meios de comunicação, em especial Globo e Folha. Sim, porque uma acusação falsa desse nível, como rapidamente  foi provada que é, deveria ser alvo de reportagens de denúncia de outros órgãos de imprensa. Tipo assim: o jornal O Globo, o Jornal Nacional, a Época, deveriam fazer reportagens sobre um fato político real: a mentira de seu concorrente. No mundo inteiro é assim. Por que, no Brasil, uma revista como a Istoé é poupada por seus concorrentes? Por que a Folha, o Estadão, o Globo, não fazem editoriais para condenar  a mentira da Istoé, como obviamente fariam se se tratasse de um ataque similar a um quadro do PSDB?

Simples, porque não são concorrentes, são membros de um cartel, infinitamente mais criminoso do que o fantasioso cartel de empreiteiras desbaratado pela Lava Jato.

A Folha também veio, nos últimos dias, com uma “denúncia” contra o ex-presidente, baseada no vazamento, ilegal obviamente, de uma “delação”.  É tudo tão previsível!

A megadelação da Odebrecht, cujo sigilo foi oportunamente decretado pela presidente do STF, Carmen Lúcia, começa a vazar e o primeiro vazamento é uma ilação qualquer, sem base em nenhuma prova, contra… Lula. A acusação? De que uma empresa pagou… treinamento empresarial para o filho de Lula. Ou seja, Lula nem seu filho são tão miseráveis que não tinham dinheiro nem para pagar a mensalidade de um cursinho profissional.

Mas há algo estranho no ar. Mesmo com todas as conspirações operando a todo vapor, os candidatos tucanos à presidência da república não páram de cair. E aí entramos na segunda parte da nossa coluna de hoje.

***

O instituto Paraná Pesquisas divulgou hoje o resultado de sondagem sobre intenção de voto para 2018. A íntegra está nesse link. Não dá para acreditar em pesquisa no Brasil, mas é possível usá-las como fontes de análises e especulações, como eu farei aqui.

A sondagem do Paraná Pesquisas foi realizada entre os dias 12 e 15 de fevereiro. Ela se soma a duas outras pesquisas recentes: o Datafolha divulgado ao final do ano passado, com pesquisa realizada nos dias 7 e 8 de dezembro de 2016; e o CNT/MDA, cujos pesquisadores fizeram entrevistas entre os dias 8 e 11 de fevereiro de 2017.

Estes são os números do Paraná Pesquisas para 2018:

Uma análise dos números detalhados, da mesma pesquisa, trazem algumas informações interessantes.

Como se pode ver, Lula ganha entre os eleitores com ensino superior, com 16%. É superado, neste campo, apenas por Joaquim Barbosa, que não tem partido, não é candidato e, como se posicionou contra o golpe, não deverá mais ter apoio da mídia. Por que o Paraná Pesquisas não usou Sergio Moro, ao invés de Joaquim Barbosa? Estranho!

Outro ponto que merece atenção é que Jair Bolsonaro tem um eleitorado muito desequilibrado: é todo muito concentrado em jovens com menos de 24 anos e do sexo masculino. Entre mulheres e pessoas mais velhas, o seu perfil cai ao nível de um candidato comum de protesto.

A confirmação da ascenção de Lula nas pesquisas por dois outros institutos, me fez olhar novamente o Datafolha ao final de dezembro. Não tenho predileção especial por nenhum instituto, mas o Datafolha – assim como o Ibope – tem uma vantagem sobre outros: eles publicam tabelas detalhadas, padronizadas, com os detalhes por renda, região, escolaridade, em sua página na internet.

Acho que eu já escrevi sobre esse Datafolha antes, mas vamos fazer uma outra análise. O que nos interessa não é exatamente o número exato das intenções de voto nos candidatos, o que não teria sentido, mas entender as diferenças políticas entre os diferentes grupos. Isso pode nos mostrar algumas tendências importantes.

Assim como em outras pesquisas, o que nos parece mais significativo não é tanto o crescimento de Lula como, sobretudo, a queda do candidato tucano (seja qual for). Os cenários A, B e C trabalham com Aécio, Alckmin e Serra. Em todos os três, Lula dispara e o tucano cai.

Na verdade, a situação de Aécio é a melhor – obviamente em virtude do recall da última eleição – dentre os tucanos. No cenário 1, temos Lula 25 X 11 Aécio; diferença de 14 pontos. No cenário 2, Lula 26 X 8 Geraldo Alckmin; diferença de 18 pontos. No cenário 3, Lula 25 X 9 Serra; diferença de 16 pontos. No cenário D, temos um tucano não-oficial, Sergio Moro, com 11 pontos, contra 24 de Lula, diferença de 13 pontos.

Há um ponto na pesquisa Datafolha que nunca é comentado pelos jornais. Com objetivo de mensurar o público a ser pesquisado, o Datafolha traça um perfil médio do eleitor brasileiro, inclusive suas preferências partidárias.

Esse perfil traz informações interessantes: a primeira delas é que 75% dos entrevistados (o que seria, em tese, uma média nacional) dizem “não ter partido”.  Entre os que escolheram um partido de preferência, no entanto, o PT ainda é campeão absoluto.

Na média, 9% dos entrevistados pelo Datafolha disseram preferir o PT, contra 4% do PMDB e 4% do PSDB. Jovens com idade entre 16 a 24 anos são mais “petistas” do que a mídia nacional, com 12%, o que é um sinal de renovação importante para o PT.  O PSDB, por sua vez, tem apenas 3% entre os mais jovens. Observe os outros dados da tabelinha acima. O PT ganha do PSDB de 7 X 6 entre eleitores com ensino superior. Na divisão por faixa de renda, nota-se que, enquanto o PT cresce entre os mais pobres, o PSDB concentra a maior parte de sua força entre os mais ricos, que ganham mais de 10 salários por mês.

Mas é aí, nessa faixa mais rica, que a pesquisa falha, porque as divisões de renda evidentemente não páram por aí. Quem ganha 10 salários/mês evidentemente não pode ser comparado com quem ganha 30 ou 40 salários/mês.

Entretanto, a vantagem do PSDB entre quem ganha mais de 10 salários explica também a sua força nos bairros ricos, com seus panelaços seletivos, e nas manifestações de rua, onde também se notou uma predominância muito significativa de pessoas de classe média alta.

Qual a população de brasileiros ou famílias que ganham mais de 10 salários por mês? A falta desses dados, ao lado de uma pesquisa como essa, atrapalha o nosso raciocínio. Então vamos ver os números absolutos. Segundo o corte do Datafolha, a divisão por renda do eleitorado brasileiro fica assim: 51% ganha menos de 2 salários; 37,37% ganham de 2 a 5 salários; 7,4% ganham de 5 a 10 salários e 3,85% ganham mais de 10 salários.

Eu recortei um pedaço da tabela Datafolha:

Observe que, entre quem ganham mais de 10 salários, 86% ganham entre 8,8 e 17,6 mil reais/mês, 12% ganham entre 17 e 44 mil reais/mês e 2% ganham mais de R$ 44 mil/mês.

Só por aí você vê que procuradores e juízes, com seus megassalários, que chegam a R$ 77 mil por mês, no caso de Moro (sem contar sua esposa) e mais de R$ 100 mil por mês no caso dos procuradores da Lava Jato, representam uma elite mesmo em meio à elite. Apenas 2% das famílias que ganham mais de 10 salários por mês ganham mais de R$ 44 mil/mês.

Entretanto, esses números nos permitem fazer uma regrinha de três básica. Se os 2.828 entrevistados do Datafolha correspondem, grosso modo, a 141 milhões de eleitores, então 0s 104 entrevistados com renda superior a 10 salários/mês, equivalem a 5,18 milhões de pessoas.

 

Volto ao Datafolha, para pegar – e simplificar – uma tabela do cenário 1 das intenções de voto, com dados de escolaridade e renda.

O que ele mostra?

Ele mostra Lula liderando em todos os cenários. Entretanto, uma certa unidade ideológica entre os adversários de Lula poderia nos levar a acreditar que os eleitores de Bolsonaro, Aécio e Marina, somados, tendem a votar contra Lula. Portanto, vamos ao cenário de 2º turno, e vamos escolher, para análise, Marina Silva, por ser mais forte e mais receptiva aos eleitores indecisos, que crescem muito com Aécio e Bolsonaro.

Amplie as tabelas acima e observe uma coisa. O desafio maior de Lula é crescer entre os jovens, entre quem tem o ensino médio e ganha entre 2 e 5 salários.

O desafio de seus adversários, por sua vez, permanece o mesmo: ter mais voto de pobre e crescer no Nordeste.

[Arpeggio – coluna política diária, de Miguel do Rosário – 20/02/2017]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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