A Folha de São Paulo e o novo chapa-branquismo da mídia

Eu reproduzo abaixo, para registro histórico, o editorial mais chapa-branca da história do jornalismo brasileiro.

A frase que abre o artigo mereceria ser emoldurada:

Ao longo de um ano no Palácio do Planalto, Michel Temer (PMDB) conseguiu estancar a degradação dramática da economia —o que não conteve o repúdio a seu governo, de impopularidade comparável à de mandatários depostos após a redemocratização do país.

O que significa isso: “conseguiu estancar a degradação dramática da economia”?

O desemprego e o déficit fiscal explodiram. Vários estados estão à beira da anarquia generalizada, como Rio de Janeiro, onde muitos servidores não estão sequer recebendo salários.

Programas sociais e educacionais foram desativados.

As estatais estão sendo deliberadamente sabotadas. O governo roubou – foi a maior pedalada fiscal do mundo – R$ 100 bilhões do BNDES, que poderiam ser usados para investimento em infra-estrutura e geração de empregos, para pulverizá-los no pagamento de percentuais insignificantes da dívida pública.

A indústria está sendo destruída a toque de caixa.

A Petrobrás está sendo desossada.

Não há, exatamente, nada dando certo na economia brasileira. Comércio e indústria estão sofrendo queda acelerada e estrutural.

Nas grandes cidades, há um movimento assustador de fechamento de lojas.

Onde a Folha está vendo que se “conseguiu estancar a degradação dramática da economia”?

O que a nova conjuntura, pós-golpe, demonstrou bem, é que a imprensa brasileira inaugurou um novo tipo de chapa-branquismo.

É o chapa-branquismo radical, extremo, fundamentado na pós-verdade.

Não importa o desemprego, a queda no PIB, a destruição de setores inteiros da economia, o recuo nos investimentos. Nada disso existe.

Além disso, o conceito de “economia” é transformado numa coisa completamente alheia à realidade humana ou social. Se o governo Temer decidisse, amanhã, não fazer mais nenhum gasto com saúde pública, por exemplo, as contas federais melhorariam “dramaticamente”. Para a Folha, isso representaria uma grande melhora na “economia”.

Basta um editorial na mídia e tudo vira uma maravilha.

Antes, sob Dilma, quando o desemprego estava em 5%, é que as coisas estavam ruins.

Antes, sob Dilma, quando o Brasil registrava as maiores taxas de investimento estrangeiro direto de sua história, quando o investimento público em infra-estrutura batia recordes, é que as coisas estavam ruins.

Agora, que não há comércio, investimento, emprego, é que as coisas estão boas.

O editorial faz ainda a defesa de reformas antissociais patrocinadas pelo governo Temer como se não houvesse nenhuma crítica a elas.

É a pós-verdade em sua plenitude.

O aumento da verba federal para os cofres da mídia faz milagres!

***

Na Folha

EDITORIAL
O balanço de Temer
14/05/2017 02h00

Ao longo de um ano no Palácio do Planalto, Michel Temer (PMDB) conseguiu estancar a degradação dramática da economia —o que não conteve o repúdio a seu governo, de impopularidade comparável à de mandatários depostos após a redemocratização do país.

O presidente sem votos se vale dessa desconexão com o eleitorado para implementar um plano de reformas ambicioso. Caso se complete a contento, tal agenda provocará transformações profundas.

Seu governo, organizado em uma espécie de semiparlamentarismo, conseguiu que propostas controversas fossem votadas pelo Congresso em ritmo raro.

Aprovou-se o teto para as despesas federais. Alterou-se a gestão das estatais e do setor de petróleo. Reviram-se normas de concessões de obras e serviços públicos. Avançam projetos destinados a evitar a falência iminente de Estados e a flexibilizar a CLT.

O sucesso de tal programa ainda depende muito da aprovação da reforma da Previdência, fundamental para o equilíbrio orçamentário a longo prazo e, de imediato, para a retomada da confiança de empresários e investidores.

Em conjunto, as medidas redesenham as relações de trabalho e seguridade; restringem a intervenção e o tamanho do Estado. Talvez não haja mudanças tão profundas desde a Constituição de 1988.

O motor das transformações é a brutal crise econômica, cuja superação se dá de forma claudicante. O rombo nas contas do Tesouro Nacional foi contido, a inflação está em queda e os juros podem ser cortados em maior velocidade.

Por deficiências de gestão e limitações políticas, o governo faz menos do que deveria pela retomada. O plano de concessões em infraestrutura, essencial para compensar a míngua do investimento público, mostra pouco resultado.

A permissão para saques de contas inativas do FGTS foi, ao menos, uma ideia original para atenuar a recessão, embora nem a medida de apelo popular tenha melhorado o prestígio presidencial.

Afora a economia, é medíocre o desempenho da maior parte do ministério de nomes pouco expressivos, no qual predomina um conservadorismo arcaico. Exceções honrosas são a reforma do ensino médio e o avanço da base curricular nacional da educação.

Apesar de suspeitas difundidas desde antes de sua posse, Temer não conteve investigações de corrupção. Ao menos seis ministros, porém, caíram em meio a casos rumorosos; oito são alvos da Lava Jato (um deles ganhou foro privilegiado ao ser alçado ao posto).

De todo modo, considerado o imenso desafio de restaurar a governabilidade e evitar um desastre econômico ainda maior, o governo tem cumprido as tarefas centrais. Uma eventual derrota na reforma previdenciária colocará muito a perder —bem mais, diga-se, do que um balanço presidencial.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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