Folha lança movimento ‘diretas preferíveis, reformas já’

Foto: Mídia Ninja

Entre aqueles que são considerados os maiores jornais do país, a Folha de São Paulo é, historicamente, o que mais preza o conceito de plural. Cresceu com o signo da independência, de ser diferente, ainda que tenha contribuído tanto ou mais que os outros jornais para o golpe militar de 1964. Emprestou, inclusive, veículos seus às forças de repressão.

Hoje, depois de tudo o que a Folha fez junto com os concorrentes aliados, amigos, pelo golpe de 2016, com seu dono chamando de petista qualquer pessoa que o critique, ficou difícil disfarçar, posar de moderna, pra frente, mas a Folha insiste. Prova disso foi o editorial deste domingo, em que o jornal da família Frias quase adere às Diretas Já, mas não, só finge.

Primeiramente, como todo o resto do país, a Folha pede já no título do editorial um Brasil “Sem Temer”. Embaixo, no subtítulo, afirma que “sólidas razões jurídicas e políticas recomendam ao TSE cassar o presidente”, e se entrega ao tentar fazer crer que defende o que a esmagadora maioria da população brasileira quer agora, que é votar pra presidente.

“Eleições diretas seriam preferíveis, mas importa salvar reformas”, afirma a Folha no subtítulo do editorial, dando o tom do que é, na opinião do jornal, de fato primordial. “O ideal seria que o substituto fosse eleito por voto direto”, diz o texto, pra completar afirmando que isso “não seria casuísmo, dado que mudanças constitucionais são comuns na vida política brasileira”.

Mas há um enorme porém, lembra a Folha, ao falar “que seriam imensos os obstáculos à aprovação de diretas já”. E logo em seguida, na mesma linha o jornal afirma que “por outro lado, é indiscutível que a Constituição exige do Congresso a escolha do sucessor em 30 dias, desfecho a ser acatado como legítimo”.

Então a Folha tira de vez a máscara de legal e fala do “audacioso elenco de reformas estruturais que estão no rumo certo”. São elas, como se sabe, o fim da aposentadoria como a conhecemos desde sempre e dos direitos trabalhistas vigentes desde os anos 40, entre outras que entregam a economia nacional à regência insaciável do deus mercado.

As tais reformas vêm sendo tocadas sem consulta à população, em direção inversa ao que os eleitores decidiram no último pleito presidencial, e pra Folha é assim mesmo que tem de ser, e o mais rápido possível. Consulta popular até pode acontecer, mas não agora, como mostra o desfecho do texto.

“Em algum momento, decerto nas eleições de 2018, o caminho adotado será submetido ao escrutínio popular. Por ora, o mais importante, com ou sem Temer, é que governo e Congresso persistam nesse rumo”, conclui o jornal. Apesar das diretas “preferíveis” do subtítulo, a Folha não esconde que o que importa pra ela, no momento, são as reformas já.

Abaixo, a íntegra do editorial da Folha de São Paulo de domingo:

Deve começar na terça-feira (6) o julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, da chapa que uniu Dilma Rousseff (PT) a Michel Temer (PMDB), acusada de delitos no financiamento da campanha na qual se reelegeu, em 2014.

A decisão é crucial, pois poderá implicar o afastamento do presidente Temer do cargo que exerce desde maio de 2016. Sendo provável que ao menos um dos sete integrantes da corte peça vista do processo, o julgamento talvez se estenda pelas próximas semanas.

A expectativa é que o relator, ministro Herman Benjamin, vote pela cassação da chapa. Há uma avalanche de evidências, sustentada em documentos e dezenas de testemunhos, a incriminá-la.

Os depoimentos de donos e funcionários de empreiteiras atestam que somas milionárias, originadas da rede de propinas e caixa dois descrita por ex-executivos da Petrobras, custearam parte substancial das despesas da chapa. Dos fabulosos R$ 300 milhões declarados, ao menos R$ 50 milhões são apontados como contrapartida pela prestação criminosa de favores.

Embora não exista prova de que Temer tenha participado desse esquema, a legislação eleitoral é clara ao vincular o vice ao presidente. Resta fora de dúvida que tanto Dilma Rousseff como Michel Temer se beneficiaram de ilicitudes que abalam a própria validade do pleito.

Ao mesmo tempo, desde a divulgação da delação premiada do delinquente confesso Joesley Batista, há duas semanas, a credibilidade do presidente se viu comprometida de forma dramática e, tudo indica, irremediável.
É verdade que a gravação da conversa do delator com o presidente é inconclusiva: contém trechos ambíguos ou inaudíveis e está sob suspeita de edição. Mas é preciso demasiada credulidade para considerar inocente aquele tipo de diálogo, naquela circunstância; parece óbvio que o teor ali é indecoroso.

Todo julgamento que implica um presidente da República tem um aspecto jurídico e outro político. A iminência do juízo no TSE surge como fórmula legal para remover um chefe de Estado cuja situação se afigura indefensável, até porque sujeita à aparição de revelações que convertam as fortes suspeitas em certezas.

É com desalento que esta Folha, portanto, considera recomendável a cassação da chapa e o afastamento do presidente. Seria a segunda interrupção de mandato em pouco mais de um ano.

No ano passado, este jornal exortou à renúncia da presidente Dilma Rousseff ao constatar que ela perdera condições de governar. Mas evitou apoiar seu impeachment.

Não por faltar fundamento jurídico (pedaladas fiscais, sobretudo naquela escala, configuram fraude orçamentária, razão estipulada na Constituição entre as que autorizam impedir um presidente). Mas por se tratar de motivo técnico, obscuro para a maioria, e de medida extrema, que deixaria um rastro de ressentimento.

Agora, como então, o ideal seria que o substituto fosse eleito pelo voto direto. A crise moral que corrói o sistema político é tão grave e profunda que somente um retorno à fonte de toda legitimidade -a soberania popular- pode restaurar a autoridade presidencial.

A Folha já declarou simpatia pelas emendas constitucionais que convertem a eleição indireta em direta nos casos de vacância verificada até seis meses ou um ano antes de o mandato expirar.

Não seria casuísmo, dado que mudanças constitucionais são comuns na vida política brasileira. Além disso, trata-se de universalizar, não de restringir, prerrogativas, devolvendo-se acesso a um direito democrático exercido pelo povo -a quem, diz a Constituição, o poder pertence.

Não há como negar, entretanto, que seriam imensos os obstáculos à aprovação de diretas já.

Desde logo, gigantesca pressão da sociedade, expressa em manifestações de rua comparáveis às de junho de 2013 ou março de 2016, teria de compelir três quintos dos parlamentares a aprovar a medida, talvez no bojo da reforma política em análise na Câmara.

O processo deveria, ademais, ocorrer em tempo recorde, que mesmo assim consumiria meses. Por outro lado, é indiscutível que a Constituição exige do Congresso a escolha do sucessor em 30 dias, desfecho a ser acatado como legítimo.

O governo Temer vem implantando um audacioso elenco de reformas estruturais que estão no rumo certo. Sua capacidade de seguir adiante com esse programa parece seriamente prejudicada.

Em algum momento, decerto nas eleições gerais de 2018, o caminho adotado será submetido ao escrutínio popular. Por ora, o mais importante, com ou sem Temer, é que governo e Congresso persistam nesse rumo, único capaz de nos livrar da recessão e preparar um futuro mais próspero e promissor.

 

Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.

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