Algumas considerações sobre a Lava Jato no setor de transportes do Rio

Longe de mim defender empresários corruptos do setor de transporte. Essas empresas sempre foram aliadas da grande mídia e da direita no estado. Sempre financiaram os candidatos conservadores apoiados pela Globo, como Eduardo Cunha.

No entanto, após a Lava Jato literalmente devastar o Rio de Janeiro, varrendo do mapa as principais empresas que investiam no estado, fazendo o desemprego passar de um dos menores do país (5% em 2014, o menor da história do Rio) para quase 15% este ano, eu acho prudente que vejamos essa nova etapa da operação de maneira crítica.

Pelo que apareceu na mídia até agora, foi uma operação clássica da Lava Jato, com aviso prévio à Globo, que noticiou com exclusividade as prisões de empresários e responsáveis pela organização do setor no estado.

Estes são os principais alvos de prisão preventiva hoje:

Empresários:

Amaury Andrade – Viação 1001
Jacob Barata – Grupo Guanabara
José Carlos Reis Lavouras – Grupo JAL
Marcelo Traça Gonçalves, da Rio Ita

Sindicalistas (patronais):
Lélis Marcos Teixeira, presidente da Fetranspor

Governo:
Rogério Onofre, presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro)

De uma só tacada, ao prender os empresários, o gestor governamental e o mediador sindical (do sindicato patronal), a Lava Jato pode desorganizar um setor que emprega dezenas de milhares de pessoas.

Esse jacobinismo de direita, que se rejubila em “prender empresários”, deve ser examinado com mais ceticismo por setores moralistas da esquerda e da direita, sobretudo quando a sua consequência principal é o desemprego em massa e a desorganização de setores essenciais da economia, como o transporte.

Não seria mais racional, tendo em vista o risco de desorganização de um setor essencial, anunciar o indiciamento dos envolvidos e estabelecer parcerias com o governo do estado, para que os serviços e os empregos não sejam ameaçados?

Ah, mas o governo é corrupto. Ora, me desculpe, mas se formos pensar assim, a polícia, o MP e o judiciário também são corruptos e não é por isso que deixamos de lhes atribuir funções. O governo tem de ser envolvido, porque foi eleito e tem responsabilidade de manter a ordem no estado.

As empresas e os executivos alvejados por esta nova etapa da Lava Jato, repito, são responsáveis pela infra-estrutura do transporte municipal, intermunicipal e interestadual do Rio de aneiro.

Na Constituição, a função do Ministério Público não é combater a corrupção e sim trabalhar pela “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais”. O combate à corrupção deve ser uma consequência de seu trabalho e não a sua principal meta. Não porque a luta contra a corrupção seja menos importante. Não é. A luta contra a corrupção é prioridade, mas a maneira como devemos fazê-la é através da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais do país.

Ainda em nossa Carta Magna, há um capítulo dedicado à ordem econômica, onde lemos que os princípios gerais que regem a nossa atividade econômica são: “soberania nacional, função social da propriedade, busca do pleno emprego”.

A maneira pela qual a força-tarefa tratou (e destruiu) empresas de engenharia, infra-estrutura e construção civil e pesada, teve como consequência, além do desemprego já mencionado, o esvaziamento fiscal do estado. Espero que não repitam o erro novamente, com as empresas de transporte.

Em matéria recente, o Cafezinho mostrou que os investimentos diretos no Brasil vieram sobretudo dos Estados Unidos e das… Ilhas Virgens Britânicas. Sem eles, o investimento no país teria caído. Esses investimentos não foram para indústrias ou agronegócios. Concentraram-se apenas no setor de serviços, e essencialmente em três áreas: eletricidade, água e transporte. Não por coincidência, são os três setores controlados diretamente pelo Estado, que tem a prerrogativa de elevar ou reduzir tarifas, além de aprovar subsídios.

A eletricidade do estado (Light) já foi privatizada há tempos, mas acabou em mãos da estatal de um outro estado, a Cemig, que, no entanto, decidiu vendê-la. O fato do governador de Minas, Fernando Pimentel, ser petista, não tem muito a ver, porque a conjuntura é desfavorável para ele: o governo federal e suas linhas de crédito estão sob controle golpista. Sem falar no judiciário.

A privatização da água do estado acaba de ser aprovada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), após o governo federal praticar a mais cruel chantagem já sofrida por qualquer unidade da federação. Diante de um estado extremamente fragilizado financeiramente, sem dinheiro para pagar seus servidores, o governo federal impôs como condição, para ajudá-lo, que privatizasse sua companhia de água.

Faltava o transporte. Apesar da tradicional corrupção do setor, ele é controlado inteiramente por empresas de capital nacional e há subsídio governamental para o preço das passagens.

Não seria surpresa se, após a devastação das empresas nacionais de engenharia, a Lava Jato começasse a limpar o setor de transporte, para dar lugar às norte-americanas. Após o golpe, que nos legou um governo sob rígido controle ideológico, via mídia e judiciário, as firmas estrangeiras poderão explorar o mercado brasileiro, impor tarifas mais caras e oferecer transporte de pior qualidade.

O resultado de tanta destruição, portanto, não será o fim da corrupção, porém mais impostos, mais desvios, mais corrupção, serviços mais caros e de pior qualidade.

Além de um mercado de trabalho destruído.

Eu acho que a crise social, econômica, fiscal, que resultou do modus operandi da Lava Jato já deixou bem claro que essa não é a melhor estratégia para combater a corrupção.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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