Moeda única para toda América Latina?

(Crédito imagem: Acácia Reis)

Os tempos mudam, as ideias vem e vão. Mas é raro o momento que estudiosos ou defensores da integração da América Latina deixem de aventar a criação de uma moeda que incentive o desenvolvimento das transações financeiras e comerciais.

São muitas as perguntas de como transformar este projeto em realidade, e como poderia ser diferente em nosso continente. Inicialmente pode-se reportar que esta ideia dentro da história contemporânea não é nova, nem exclusiva de tendências ideológicas.

A crise dos anos trinta com o colapso de divisas com origem ainda em 1929, na bolsa de Nova York levou o ministro alemão Hjalmar Schact divulgar um sistema financeiro original que permitia os países fazerem trocas comerciais sem a exigência de usar uma moeda de referência universal. Em 1950, a Europa apresentava União européia de pagamentos (UEP), a partir de compensação de créditos recíprocos. Na mesma linha e época a Comissão econômica para América Latina (CEPAL) preconizava um sistema regional de pagamentos em seus projetos.

Pode-se considerar que a sugestão da CEPAL foi transformada em realidade a partir de 1966. Em março deste ano a Associação Latino-Americana para Integração (ALADI) criou um modelo que, se ainda não excluía o dólar, reduzia bastante sua utilização. O convênio de pagamentos e crédito recíprocos (CCR) foi adotado por bancos centrais de doze países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Posterior à crise Israel-Árabe com elevação acentuada do preço do petróleo entre 1973 a 1979, os bancos privados mundiais subiram os juros e cobraram fortemente os países devedores. Num movimento para criar refluxo do capital que tinha fugido do seu controle com a crise que triplicou o preço do barril em favor da OPEP e em detrimento dos países detentores do capital. Uma nova crise de disponibilidade cambial se formou na década de oitenta.

Em 1982, a restrição ao crédito permitiu a CCR viver o seu melhor momento. O convênio representou um alento a um período de poucos recursos disponíveis, era rápido, seguro e barato ao aceitar os créditos e dívidas fruto de exportações e importações e compensar nas contas das nações a cada quatro meses. A sua representatividade levou a muitos países impor a obrigatoriedade do convênio para trocas comerciais, e alcançou nesta década um percentual de noventa por cento dos comércio inter-regional. O fundo monetário internacional percebendo utilização decrescente do dólar pressionou países como o Brasil,que em 1988 limitou sua utilização sendo seguida pela Argentina.

A crise do ¨subprime¨, gerado pelo excesso de crédito por bancos privados a devedores duvidosos apresentou ao mundo uma crise histórica. O sistema de crédito tinha provocado um efeito em cadeia ao avaliar mal e sem parâmetro a concessão de financiamento a consumidores finais. O ano de 2008 atingiria muitas nações pela escassez de recursos, insolvência de bancos e uma queda acintosa da maior “comodity mundial”, o petróleo.

O aperto financeiro estimulava uma solução. Em 26 de novembro de 2008, em Caracas a aliança bolivariana para os povos da nossa américa e tratado do comércio do povo (Alba-Tp) lançava um novo caminho de unificação monetária, iniciada oficialmente em fevereiro de 2010. A diferença era que este grupo mais restrito tinha um intenso comércio entre suas nações, e acordos não só comerciais, como de saúde, educação e cultura. O sistema unificado de compensação regional (SUCRE) nascia para Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Equador, Dominica, Antígua e Barbuda, não apenas para retratar um convênio de pagamentos mas com objetivo de integrar estas nações. Possuía como alicerce um fundo de reserva, o banco da alba e um fluxo comercial capitaneado pelo petróleo e gás.

Se a força desta união originava-se numa efetiva interação comercial e política ao redor dos ¨hidrocarburos¨, era tangível que sua inflexão poderia provir de uma queda acintosa de seus valores. Os movimentos de inflexão deste mercado de abril de 2014, janeiro de 2016 e principalmente fevereiro de 2016 quando o barril chegou a 27 dólares1 levaram o enfraquecimento propulsor deste grupo de países. E do SUCRE.

Do prisma do pragmatismo, as nações desenvolvidas empreenderam uma ação de redução do crédito a Venezuela e um aumento da taxa de juros para país ou bônus pagos por seus títulos, onde comumente cobrava-se 6%, para a nação caribenha exigia-se 25% ao ano. Somado a este contexto, o fomento da oferta superando a demanda sobre o petróleo com a produção do gás de xisto e areias betuminosas do Canadá, e por fim, a redução do crescimento do PIB chinês e indiano2

Mas dentro deste amplo quadro, deve-se buscar a justificativa da importância de uma moeda que beneficie a interação, mesmo que não seja no patamar da circulação mas no âmbito das transações correntes via bancos centrais, este sim, seria a premissa primordial deste modelo, reduzindo a necessidade do dólar e do euro.

Em primeiro plano a moeda da integração se apresenta mais como defesa das reservas cambiais, já que a sua implementação permite reduzir a necessidade das divisas mundiais. Numa avaliação mais aprofundada proporciona um estado ser menos dependente de um título monetário emitido por outra nação com liderança mundial. Desta forma o mecanismo diminui o fluxo internacional de euro ou dólar amenizando as questões de restrições externas. Como consequência prática, vivenciaria menos pressão a fechamento de exportações em moeda “forte” a fim de gerar caixa para quitar suas importações. Outro fato decorrente, causaria menos necessidade de investimentos externos, que nem sempre são produtivos e sim de caráter especulativo apenas para cobrir déficit cambial. A prática produz mais tranquilidade para governos elaborarem suas políticas econômicas, menos subservientes a paradigmas recessivos como impostos na América Latina pelo o Fundo Monetário Internacional ou Banco Mundial.

Outro axioma determinante, é que este modelo deve desenvolver um sistema de fomento de igualdade comercial e fugir do objetivo de contraste entre nações. A despeito de processos históricos, o incentivo a “moedas” como o “sucre” provém de uma crescente balança comercial, embora equilibrada, dificultando “déficit ou superavit” para qualquer dos lados, já que o programa não tem como propósito estocar moeda como as transações em dólar. Do prisma da observação ele gera mais desenvolvimento que dependência, estaria distante da realidade do euro que ao praticar unificação da moeda circulante igualou custos de produção, beneficiando as indústrias e os serviços alemães e franceses; e gerou nações compradoras e devedoras como Grécia, Portugal, Espanha e Itália.

Uma terceira abordagem, estaria na esfera das receitas fiscais. Existe uma imensa gama de troca de mercadorias e serviços entre pequenas empresas ou em pessoas físicas, que diante do custo escolhem a informalidade. A facilidade e segurança desta moeda poderia trazer uma enorme fonte de recursos via impostos e taxas que são bem menores aos grandes contratos junto a banco centrais. Somado a esta realidade, estaria o fluxo nos polos comerciais, como Cúcuta entre Venezuela e Colômbia, tríplice fronteira do Brasil, Argentina e Paraguai; ou Corumbá entre Bolívia, Brasil e Paraguai somente como exemplos. É fato que nestas transações o comprador de dólar perde uma margem no país de origem para repetir a perda na conversão no país final, deste modo reduziria custo e incentivaria a oficialização de novas empresas que recolheriam tributos diretos e indiretos.

A história da integração da América Latina está apenas no início, mesmo no século XXI, mas o modelo de uma moeda regulatória as transações é primordial para avançar em outros desafios. Ela gera desenvolvimento e independência junto a países desenvolvidos e suas trocas quase sempre desvantajosa aos emergentes. Mesmo em menor volume, o SUCRE continua em funcionamento aguardando um novo protagonismo. Caso se duvide do futuro da integração, cabe pesquisar na história que a unificação da Itália só ocorreu em 1870, a da Alemanha em 1871, a Zona do Euro em 1992 e o Nafta em 1994. A América Latina deve construir a sua, mesmo enfrentando o boicote de blocos comerciais já estabelecidos como liderados pelos EUA e Europa ,e suas moedas que representam uma ação de poder e conquista.

Fontes:
– www.cepal.org
– Lugo, Omar A Mendonza. El efecto transferência del tipo de cambio sobre los precios em Latino America – Caracas: Banco Central. Venezuela, 2012.
– Pikety, Thomas. A economia da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrisica, 2015.
– Ellner, Steve. El fenómeno Chavez: Sus origens y su impacto. Caracas: Fondo Editorial Tropycos, 2011.
– www.sucrealba.org
www.seca.org/media/266736/=023600003469.o.sistema_unitario_oe_compesasion_regional_sucre.pdf

Tulio Ribeiro: Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ,Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas -Venezuela
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