Lula, Sérgio Moro e a urgente democratização do Judiciário

(O líder popular e o doutor)

Por Pedro Breier

Durante o instantaneamente histórico depoimento de Lula a Sérgio Moro, o ex-presidente se dirigia ao juiz de primeiro grau chamando-o, com fina ironia, de doutor. O detalhe aparentemente insignificante é, na verdade, emblemático de como funciona o sistema de castas que ainda vigora no Brasil.

Lula foi o primeiro presidente da história do nosso país oriundo da classe trabalhadora. Os inúmeros títulos de doutor honoris causa que ganhou de universidades mundo afora por seus feitos durante a presidência não lhe tira, aos olhos das castas superiores, a condição de um reles torneiro mecânico que foi longe demais.

Como afirma o sociólogo Jessé de Souza, o conhecimento ou capital cultural é tão importante quando o capital financeiro na sociedade capitalista. Serve para separar a nata da ralé. A explicação do apoio maciço da classe média ao golpe passa por aí. Para quem se enxerga como elite – mas na verdade é feito de idiota por ela – é inadmissível que os filhos da ralé frequentem os mesmos ambientes que seus filhos e, mais absurdo ainda, tenham a mesma formação.

status quo não tem muito apreço pela democracia porque não tem total controle sobre quem ocupa os espaços de poder. Depois que ditaduras militares passaram a ser insustentáveis politicamente, a estratégia adotada pelo deus mercado e seus representantes na Terra foi encastelarem-se no poder Judiciário.

Os concursos disputados e as bancas compostas pelos próprios integrantes dos tribunais garantem que somente os filhos da classe média e alta consigam atingir o cargo de juiz.

O cursinho pré-vestibular caríssimo é um grande empurrão para que o filhote curse uma universidade pública de qualidade. Se mesmo assim não der para ser aprovado no vestibular, não tem problema. O papai banca uma faculdade privada de renome. Mesmo que um integrante da ralé consiga, heroicamente, graduar-se em uma faculdade de qualidade, continuará sofrendo com a meritocracia reversa brasileira. Cursos preparatórios para a magistratura, também caríssimos, e tempo de estudo para quem não precisa trabalhar até que seja aprovado no concurso colocam uma pá de cal no mínimo equilíbrio que deveria existir na disputa por cargos públicos.

Esta verdadeira peneira censitária combinada com a absoluta ausência de participação do povo na escolha dos juízes só poderia resultar em um poder Judiciário ultraconservador e subserviente ao poder econômico.

Isso certamente não vai se sustentar para sempre. Não faz sentido algum termos dois poderes em que o povo, bem ou mal, escolhe seus representantes e outro – o mais poderoso! – sobre o qual a elite do país tem total controle. Claro que deve haver uma análise do conhecimento técnico, mas nada impede que isso seja combinado com a participação da população na escolha de quem vai cometer o nada corriqueiro ato de julgar as pessoas.

Os juízes são chamados de “excelência”, vejam vocês. Isso é considerado normal em todos os fóruns e tribunais do Brasil, apesar de ser uma excrescência digna de uma estúpida monarquia, onde alguns designados por Deus têm o sangue azul e o direito de submeter todos os demais aos seus caprichos.

Chamar um ser humano de “excelentíssimo” simplesmente porque passou em um concurso é uma massagem de ego ridícula, nojenta e idiota que ajuda a transformar os deslumbrados em monstros de uma arrogância incontrolável, facilmente manipuláveis quando necessário a interesses políticos escusos.

O doutor Moro aceitou mais uma denúncia ridícula do MP contra Lula, ontem, um dia antes da votação na Câmara que decide sobre a aceitação da denúncia contra Michel Temer. A combinação de uma mídia que tem expertise em golpes com um juiz inquisidor e embevecido com a fama colocou a nossa democracia de joelhos e, pelo visto, continuará controlando a política nacional por um bom tempo.

No dia em que voltarmos a viver sob uma mínima normalidade democrática será urgente a discussão sobre a democratização do poder Judiciário. É inadmissível que um líder popular tenha que prestar deferência a um medíocre juiz de primeiro grau.

 

 

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.