A Venezuela em seu 21º processo eleitoral em 18 anos, ainda pode ser chamada pelos EUA de ditadura?

Texto: Douglas Finger(UCV) e Tulio Ribeiro (UBV)

Imagens: Coreo del Orinoco (eleitores enfrentam enchente pra votar)

É difícil dissertar sobre o momento atual do povo venezuelano sem se reportar a dicotomia entre as forças políticas internas e externas. Desde a Revolução Mexicana (1911-1940), quando o capital internacional foi praticamente expulso com estatização da exploração de petróleo em solo mexicano, os investimentos migraram para a Venezuela. Foi nesse contexto, que a direção do país deixaria de estar nas mão dos venezuelanos, para estar sob a interferência constante dos estadunidenses que valendo-se de uma aliança com uma elite “criolla” controlou a nação até a revolução bolivariana.

Em julho de 2017 esta relação de poder se reverbera, embora agora não se trate de uma aliança com o governo, mas sim para derrubá-lo, devolvendo as tradicionais elites a administração do país, o que em verdade se trata de uma terceirização, para que novamente a Venezuela se enquadre a cartilha de Washington. Com esse objetivo, a oposição hoje se sustenta com fortes investimentos dos EUA cuja a clara intenção é voltar a controlar a maior reserva de petróleo do planeta.

Retomar o controle do governo venezuelano, também poderia significar a interrupção do ciclo iniciado com a chegada de Hugo Chávez a presidência da Venezuela, que abriu passo a um período de ascensão social e econômica para nossa América, liderada por diversos governos com identificação popular e de que buscavam diminuir a dependência dos Estados Unidos.

A crise de 2008, somada as fortes pressões internacionais e também aos erros cometidos pelos governos progressistas, novamente colocou a América Latina em uma encruzilhada histórica, enfraquecendo politicamente vários desses governos, sendo que alguns deles foram vítimas de tentativas de golpe de estado ou mesmo de golpes consumados.

A Venezuela, em particular, enfrenta desde o falecimento de Chávez, diversos problemas: uma oposição incapaz de conviver em democracia e aceitar os resultados eleitorais, somados a uma queda histórica nos preços do barril de petróleo (de forma induzida), sua principal fonte de ingressos. Diante de tal situação, os níveis de aprovação do governo bolivariano diminuíram a ponto de saírem derrotados das eleições para Assembleia Nacional em 2015. Com maioria parlamentar, a oposição, em vez de trabalhar para melhorar o país, apenas decidiu incrementar o boicote ao Poder Executivo, inclusive defendendo o afastamento de Nicolás Maduro antes das eleições presidenciais de 2018.

Em completo desrespeito ao poder eleitoral, decidiram juramentar deputados que foram julgados e condenados por compra de votos e outros crimes, levando com que o Tribunal Supremo de Justiça declarasse a Assembleia Nacional em desacato. Mesmo sabendo que bastava afastar os deputados ilegalmente juramentados, a oposição preferiu entrar em conflito também com o poder judicial. Não bastando sua atuação completamente a margem da constituição, ainda começaram a incentivar manifestações violentas por todos o país, inclusive pagando a manifestantes violentos para atacarem escolas, hospitais e qualquer instituição vinculada ao governo chavista.

Diante de tão complexa conjuntura o presidente convocou, usando das atribuições que lhe concede a atual Constituição da República Bolivariana de Venezuela, uma Assembleia Nacional Constituinte para que, através da democracia se possam resolver os graves problemas que enfrenta a Venezuela. Repetidas vezes Nicolás Maduro e diversos outros representantes do governo convidaram a oposição a participar, e a mesma se recusou.

Cabe recordar, nas últimas semanas diversos líderes da oposição como Capriles Radonski, Freddy Guevara e Lilian Tintori entre outros discursavam para que as pessoas fossem comprar comida, e estivessem prontas para não sair de casa nos dias prévios a Constituinte e para que 30 de julho realizassem “trancazos”, com objetivo de impedir as pessoas de votar. Sendo que Tintori, pouco depois de dar declarações pedindo para que as pessoas saíssem a protestar, embarcou para Miami e sequer estava na Venezuela no dia das eleições para Constituinte.

Segundo informações, nos estados Lara, Táchira e Mérida houve mais casos de violência, com ataques a seções eleitorais e com tentativas por parte dos opositores armados de trancar ruas e impedir os eleitores de participarem do processo eleitora, ataques que provocaram mortes de pelo menos um guarda nacional, um candidato chavista a Constituinte e vários feridos. Muitas pessoas não puderam exercer seu direito ao voto, e mesmo assim o chavismo fez mais de 8 milhões de votos, sendo uma de suas maiores votações, nos 21 processos eleitorais realizados desde 1998.

A história do tempo presente deveria ter ensinado a oposição atual, que foi governo por 40 anos (1958-1998), a importância de defender a democracia como um alicerce de sua prática. Enquanto ela fosse propositiva, em um congresso no qual tem maioria poderia chegar a conquistar a hegemonia entre os venezuelanos. Ao se perder nos caminhos da violência, voltou a ser refém dos interesses estadunidenses do início do século vinte, adotando um discurso incapaz de alcançar a população. O chavismo, mesmo com dificuldades, continua a governar e agradece os repetidos erros da direita venezuelana.

 

Douglas Finger é graduado em História pela Universidade de Caxias do Sul(UCS) e Mestrando em História da América contemporânea pela ¨Universidad Central de Venezuela¨(UCV) em Caracas.

Tulio Ribeiro: Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ,Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas -Venezuela
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