O furor lavajatista e o programa nuclear brasileiro

(Foto: Ricardo Borges/Folhapress)

Na Folha

‘Limpeza’ do programa nuclear em nome do quê?

Por DEMÉTRIO DE TOLEDO, FLÁVIO DE OLIVEIRA E GIORGIO ROMANO

14/12/2017 08h00

Em artigo publicado no dia 9/11 nesta Folha, Matias Spektor, arguto estudioso das relações internacionais, desconsidera o contexto global das investigações relativas a desvios no programa nuclear brasileiro e a prisão do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, 78.

Em nossa opinião, não é possível compreender esses eventos sem levar em conta o jogo pesado da política internacional e os atores que possam ter um interesse em retardar ou mesmo inviabilizar o desenvolvimento da tecnologia nuclear pelo Brasil.

O programa nuclear brasileiro é um dos mais importantes esforços de desenvolvimento tecnológico nacional. O domínio dessa área, com aplicações não apenas militares, mas também nos setores de energia, saúde, agricultura, indústria e pesquisa científica e tecnológica, pode contribuir para a autonomia do Brasil.

Por meio de seu Programa de Desenvolvimento de Submarinos, a Marinha do Brasil empregará a tecnologia nuclear para propulsão de um submersível que no futuro se somará aos quatro outros submarinos de propulsão convencional que serão incorporados à frota militar.

Eles desempenharão papel central na defesa da área oceânica brasileira, a Amazônia Azul. Com aproximadamente 4,5 milhões de km2, não é tarefa fácil garantir a soberania nacional sobre área tão vasta, na qual se localizam enormes reservas de petróleo e gás.

É na confluência entre autonomia tecnológica, independência energética e garantia da soberania nacional que os interesses internacionais na prisão do almirante Othon se fazem presentes. O que este em jogo não é apenas o desenvolvimento de tecnologia nuclear pelo Brasil, mas também a aquisição dos meios navais que garantirão o controle das reservas de petróleo e gás brasileiras.

O ataque a Othon desconsidera, ingênua ou propositalmente, essas características, e esquece que o Brasil, como membro pleno do Grupo de Fornecedores Nucleares (NSG), já tem reconhecida sua confiabilidade como país que desenvolve um leque de conhecimentos no campo dos materiais e do manejo industrial nesse campo.

Mais importante: para se beneficiar da condição de membro do NSG, o esforço brasileiro deveria se intensificar nos próximos anos para desenvolver tecnologia autóctone e competir com os “big players’ internacionais, como EUA, França, Rússia e China.

O furor “lavajatista” não consegue entender que o combate que qualquer país democrático empreende contra a corrupção não deve desconsiderar os interesses estratégicos mais amplos.

Não se tem conhecimento de governos de qualquer outro país destruindo suas próprias empresas ou desmoralizando seus cientistas em nome de uma suposta “limpeza”. O Brasil faz isso justamente em um momento em que deveria aprofundar seu desenvolvimento tecnológico-industrial.

O almirante Othon dedicou sua vida à construção de um país soberano. A pena de 43 anos com prisão preventiva à qual foi condenado em primeira instância é, sob qualquer ótica, desproporcional.

Ao não considerar os eventuais interesses internacionais, resta apenas uma narrativa moralista e persecutória incapaz de compreender o quadro mais geral da geopolítica mundial.

O uso do recurso cômodo de colocar o trabalho de Othon inteiramente sob suspeita de corrupção cumpre a função de desmoralizar todo o esforço científico nuclear nacional.

DEMÉTRIO G. C. DE TOLEDO, FLÁVIO ROCHA DE OLIVEIRA e GIORGIO ROMANO SCHUTTE são professores de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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