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Brasil e a distopia horrível da desigualdade

Por Miguel do Rosário

21 de janeiro de 2018 : 14h45

[Este é o segundo e último artigo de uma série sobre a desigualdade de renda no Brasil. Leia o primeiro aqui].

No artigo anterior, eu cometi um erro estratégico.

Comparar os níveis de desigualdade entre Brasil e EUA não é uma boa ideia, por várias razões.

Piketty, em seu clássico Capitalismo no Século XXI, estuda em profundidade a questão da desigualdade nos Estados Unidos, que é particularmente chocante, sobretudo se comparada àquela verificada na Europa, no Japão e no mundo desenvolvido em geral.

Enquanto os 10% mais ricos da França, por exemplo, amealham 30%, nos EUA, os mesmos 10% controlam 47% da riqueza nacional.

Entretanto, mesmo dentro dos 10% mais ricos, há níveis de desigualdade que são muito diferentes entre as nações.

Na França, por exemplo, os 1% mais ricos detêm 8,8% da riqueza nacional, enquanto nos EUA, os mesmos 1% desfrutam de 20,20%.

A desigualdade no Brasil figura num outro patamar, distante da verificada em qualquer outro lugar do mundo, incluindo o super desigual Estados Unidos: nossos 1% mais ricos detêm quase 30% da riqueza nacional.

Na Coreia do Sul, os 1% mais ricos controlam 12% da riqueza do país. No Japão, os 1% mais ricos ficam com 10% da renda somada da população.

Outro erro  que cometi, ao comparar Brasil e EUA, é que os EUA são uma exceção: por razões históricas, tornaram-se o maior império econômico de todos os tempos. A desigualdade nos EUA, apesar de seus efeitos dramáticos na vida de muitos americanos, não atinge os mais pobres, nem de longe, com a mesma força que o faz no Brasil.

Os 50% mais pobres no EUA, que controlam 19% da riqueza nacional, tem uma renda média, depois dos impostos, de 25 mil dólares por ano. Já o mesmo segmento no Brasil (os 50% mais pobres), que detêm 12% da renda nacional, recebem apenas 3.400 dólares por ano, ou seja, uma renda mais de sete vezes menor do que seus primos norte-americanos.

A questão tributária é outro fator que se deve considerar, sempre que se compara o Brasil e outros países.  O gráfico abaixo (fonte: World Wid) mostra as alíquotas máximas de imposto de renda em alguns países desenvolvidos, ao longo dos últimos cem anos.

Observe que o processo de desenvolvimento das nações ricas foi marcado por uma tributação profundamente progressiva. O Reino Unido, por exemplo, nas décadas que antecederam a gestão de Margareth Tatcher, aplicava alíquotas de imposto de renda que atingiam 90% da renda em alguns casos. É evidente que isso foi fundamental para equalizar a distribuição de renda, oferecer educação e saúde de qualidade à população e desenvolver a economia.  A partir da década de 80, há queda acentuada nas cargas tributárias de vários países, de que resulta, aponta o estudo de Piketty, baixo crescimento econômico e elevação das desigualdades sociais.

Outros números para os quais os economistas do grupo de Piketty chamam muito atenção são os impostos sobre herança (inheritance tax). O século XX é marcado, nos países ricos, por impostos sobre herança extremamente pesados, que ajudavam a capitalizar o Estado e a reduzir as iniquidades sociais. Japão, EUA, Reino Unido, em particular, registram, desde a década de 30, impostos que oscilam de 70% a 80% sobre a herança legada a um cidadão. Até hoje esses impostos são muito relevantes, em geral acima de 40%.

No Brasil, segundo o mesmo estudo, o imposto sobre herança é de 4%.

Nos EUA, o imposto sobre herança, após decisão de Franklin Roosevelt, manteve-se em 77% de 1941 a 1976! O imposto sobre herança nos EUA irá cair somente após a era Reagan, quando terminam em 55%. A era Bush promoverá novo abatimento do imposto sobre a herança.

O governo Trump vem falando em cortar ainda mais esse imposto, o que faria com que a desigualdade nos EUA desse um novo grande salto.

Segundo o grupo de Piketty, o imposto sobre herança em países como o Brasil poderia fazer diferença:

“De fato, impostos adicionais cobrados através de taxas aplicadas sobre a herança poderiam ser usados para financiar programas de educação e saúde, e dar alívio à classe média no Brasil e em outros países emergentes”, diz o estudo, em sua conclusão.

 

 

No gráfico abaixo, os economistas fazem algumas projeções para o nível de renda dos 50% mais pobres do mundo, até 2050, usando três cenários: 1) se seguirem o padrão europeu, a renda média dos 50% mais pobres do mundo chegará a 9,1 mil euros/ano em 2050; 2) se seguirem seus próprios padrões, essa renda ficará em 6,3 mil euros;  3) se copiarem o padrão dos EUA, a renda média dos 50% mais pobres ficará em apenas 4.500 euros.

Como se vê, o mundo deve procurar se afastar ao máximo do padrão norte-americano de distribuição de renda, o pior, o mais cruel do mundo desenvolvido.

Quanto ao Brasil, é um caso monstruoso. A desigualdade no Brasil é absolutamente infame, vergonhosa, humilhante, superando o nível de países que vivem, há décadas, guerras civis, golpes e revoluções, como os países do oriente médio.

Considerando a magnitude do nosso país, que tem uma população de quase 210 milhões, temos uma desigualdade de renda não apenas monstruosa em termos de qualidade. Em quantidade também: um percentual importante da raça humana sofre as consequências do atraso mental de nossas elites.

 

Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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8 comentários

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Marcelo Montenegro

22 de janeiro de 2018 às 18h17

Poha Miguel. Que artigo da porra. Muito bom,

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Jorge

22 de janeiro de 2018 às 07h57

A desigualdade é ruim, mas a igualdade, dependendo de como for é pior. Leia a matéria da Carta capital sobre a Venezuela. Estou falando da Carta Capital, e não da Veja.
http://www.cartacapital.com.br/internacional/venezuela-a-vida-num-pais-em-colapso/@@amp

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    Antonio Carlos

    22 de janeiro de 2018 às 14h40

    Conteúdo do Deutsche Welle não da Carta Capital.

    Responder

    Antonio Carlos

    22 de janeiro de 2018 às 14h44

    O problema de lá não é igualdade, é dependência de uma única commoditie de preços instáveis e falta de diversificação da economia que vem de muito antes do chavismo.
    A direita de lá propõe ficar com o dinheiro do petróleo para si e não diversificar a economia.

    Responder

Yorkshire Tea

21 de janeiro de 2018 às 23h45

saiu…

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francisco amaral

21 de janeiro de 2018 às 17h10

Obrigado por essa síntese do trabalho de Piketty, Miguel do Rosário. E aqui no Brasil, os desinformados pela Folha de São Paulo et caterva vivem a reclamar dos “impostos excessivos”, do estado “interventor” e “gastador”, a pregar ajustes fiscais que são o puro aniquilamento das políticas de bem-estar social. Precisamos é aprofundar as políticas que os governos petistas apenas iniciaram.

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Yor

21 de janeiro de 2018 às 17h09

Boa tarde, Miguel!

Essa sua matéria vai diretamente ao encontro daquele livro que mencionei no seu programa (The Great Leveler: Violence and the History of Inequality, de Walter Scheidel). Mandei a tradução de um trecho dele, você recebeu? Nele, Scheidel descreve como a desigualdade foi combatida no Japão do pós-Guerra por meio de medidas que hoje seriam consideradas altamente revolucionárias (reforma agrária radical, congelamento de preços e aluguéis – frente a uma inflação relativamente elevada, aumento violento dos impostos sobre propriedade – a partir da segunda propriedade, etc.). Detalhe: quem implementou essas medidas foi o Gal. Douglas MacArthur seguindo instruções do presidente Truman. Foi graças a adoção de medidas radicalmente indutoras da distribuição de renda que o Japão se tornou uma das sociedades com menor desigualdade social no mundo.

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    Yorkshire Tea

    21 de janeiro de 2018 às 20h39

    Por algum motivo, o meu nome sai cortado.

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