Ex-ministro da Defesa, Celso Amorim, vê remédio amargo demais em intervenção militar

O Globo - Joyce Heurich

 

Denise Assis*

 

O ex-ministro da Defesa, Celso Amorim, é embaixador de carreira. Sendo assim, por profissão, um homem do diálogo e avesso a medidas radicais. Toda esta sua trajetória e experiência o fez ver com preocupação o decreto de intervenção militar no Rio de Janeiro, que classificou de “medida extrema”.

Embora destaque que o impacto das cenas de arrastões exibidas pela TV, durante o carnaval, sempre provoque na população a sensação de insegurança, ele considerou a medida “perigosa, num ano eleitoral e com o país em crise, não só do ponto de vista político, como econômico”.

Amorim entende que no início a medida será aplaudida e talvez traga certo alívio para uma parcela da opinião pública, sobressaltada com a violência, mas daqui a pouco, o resultado pode não ser o esperado, e aí já se lançou mão do último recurso. “É muito perigoso”, reforçou.

Em sua opinião, “há vários riscos numa ação militar”. E apontou razões. “Uma delas é que os militares não são treinados para isto. Há declarações, inclusive do próprio comandante do Exército, já fornecidas à imprensa, colocando em dúvida este tipo de ação. Segundo, nós já estamos vivendo um período especial, de crise política no país, de todas essas questões em torno do ex-presidente Lula. A presença ostensiva das Forças Armadas pode gerar outras preocupações. Não estou nem querendo julgar as intenções. Pode ser que existam, mas isto gera inquietação em um ano eleitoral”, repisa.

O ex-ministro lembrou a questão de Roraima, (com a chegada dos refugiados da Venezuela) bastante delicada, além da situação do Rio. E destacou a ideia da criação do Ministério da Segurança Pública, como uma ênfase na problemática da segurança. “Não é que ela não exista. Ela é real, mas esse instrumento da intervenção é muito forte e nunca foi usado sob a Constituição atual. Considero um instrumento realmente preocupante, e que envolve muitas questões”.

Dentre esses pontos, Amorim destacou as despesas acarretadas pela manutenção das tropas na cidade, tais como os deslocamentos. “Tem o dinheiro para o combustível, por exemplo? Não estava faltando? Então você fica sem entender. O que houve? Deu-se um salto de uma situação para outra? O que se sabia era que estavam faltando recursos, até por causa dessas PECs todas, e ainda a negociação da dívida do Rio”.

O ex-ministro disse não entender “como se salta, de repente, de uma situação em que faltavam alguns elementos, para uma de presença militar dominante”. Presença, esta, sobre a qual declara ter “fundadas dúvidas. Algumas dessas dúvidas, são semelhantes às já emitidas pelo próprio Comandante do Exército. Outras ligadas também à militarização da questão da segurança eleitoral. Em um país que já sofreu o que já sofremos, isto causa sobressaltos”, alerta.

Outro aspecto que lhe causou perplexidade foi a característica de “vai e vém” da intervenção, para ele “especialmente escandaloso”. E esclarece: “o fato de os próprios ministros terem dito, sem disfarce, que se vão proceder da maneira apontada no artigo do tijolaço, durante a coletiva de imprensa,demonstra o total oportunismo do governo. Para, “desintervir” antes do prazo será preciso justificar com a cessação das razões que motivaram a medida extrema. E para voltar a intervir, será necessário afirmar que tais motivos voltaram. É uma desfaçatez absoluta estabelecer desde já que essas duas condições vão existir na época da votação da emenda da previdência: uma logo antes, outra logo depois”, espanta-se, para logo em seguida recuar do seu estado de perplexidade, talvez por se lembrar de que no Brasil de Michel, nada é previsível.

“Em um país em que as leis podem ser flexibilizadas para condenar um ex-presidente, tudo é possível. Mas brincar com a Constituição dessa forma é, na expressa de um tango argentino muito apropriado para os dias que correm (cambalacho) um “atropelo à razão”

Por sua reconhecida exelência no cargo de chanceler Amorim fala, ainda, sobre a sua preocupação com a imagem do país, levada ao exterior. “Não podia ser pior”, avalia. “Você está passando para o mundo uma confissão de perda de controle. Fica aquela sensação de falta de comando, de não termos tomado as medidas no tempo certo. Isto aliada à que já temos, que é a repercussão da falta de dinheiro e do desemprego. Cria-se oportunidade para uma ampliação da imagem de crise”, analisa.

Voltando à questão da segurança da cidade, ele considera que “não houve um fato novo determinante para isto. Os episódios na Zona Sul do Rio de Janeiro não foram excepcionalmente novos. Já estavam acontecendo. Fica-se sem saber se a intervenção era algo que já estava planejado pelo governo federal, com o objetivo de dar mais ênfase à pauta da segurança pública, num ano eleitoral, para causar maior impacto”, conclui, repisando a sua dúvida sobre a eficácia de remédio tão amargo.

 

http://www.tijolaco.com.br/blog/intervem-desintervem-intervem-vergonha-que-vai-parar-no-supremo/

 

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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