Barroso e a “refundação do país”

(Foto: André Lima.)

É cansativo criticar o ministro Luis Roberto Barroso. Escorregadio, populista, astuto, ele fala somente aquilo que a classe das altas finanças quer ouvir, mas não exatamente porque é algo com o qual ela concorde e sim o que, sabe ela, é o que deve ser dito para enganar o povo.

Por isso é cansativo. Porque a nossa crítica não é propriamente ao conteúdo de seus discursos, e sim à honestidade com que os profere.

Veja esse discurso feito em Fortaleza. Barroso diz:

Nós vivemos um momento especial no Brasil, um momento de refundação do País. Nós nos demos conta que temos ficado aquém do nosso destino e estamos conseguindo fazer os diagnósticos corretos, que são pressupostos das soluções corretas. A fotografia do momento é devastadora, mas o filme destes 30 anos da democracia no Brasil é um filme bom. Nós estamos empurrando a história para o caminho certo”, afirmou.

O que isso quer dizer?

Nada!

Não é uma frase que faça sentido!

Em primeiro lugar, que “momento especial” é este, que estamos vivendo, se a fome e o desemprego estão voltando aos lares, e nem o Estado, nem a grande imprensa, acenam com políticas públicas para proteger o principal problema de segurança que aflige a sociedade: a segurança alimentar?

Que “momento especial” é este em que o judiciário assume um poder reacionário e violento, que promove instabilidade política e econômica?

Que “momento especial” é este em que estamos sendo governados por um grupo político não eleito, que nos impõe reformas econômicas violentíssimas, as quais não foram discutidas num processo eleitoral?

E que “diagnósticos coretos”, que “soluções corretas” são estas?

Barroso fala que a “fotografia do momento é devastadora”… Ora, o que isso significa? Até concordo, mas a frase não tem nenhuma coerência com a afirmação imediatamente anterior! Se o Brasil vive um momento de “refundação”, faz os diagnósticos corretos e encaminha as soluções corretas, por que a fotografia do momento seria devastadora?

Para quem se esforça em interpretar criativamente a Constituição, ao sabor dos interesses do “sentimento social”, a coerência se torna apenas um detalhe. Mais adiante, em seu discurso, Barroso tenta passar um pouco de óleo na superfície da consciência política do público e afirma:

O Brasil superou as metas de inclusão. O IDH dos últimos 30 anos foi o que mais cresceu na América Latina. Nós tivemos no Brasil um aumento de 11 anos na expectativa de vida, um aumento expressivo da escolarização e um aumento de 50% na renda das pessoas. Tirar milhões de pessoas da miséria é uma realização importante, e talvez, com exceção da China, nenhum país tenha conseguido uma realização tão expressiva”, atentou o jurista.

Sim, Barroso, mas essa “realização importante” foi obtida através de luta política, e contra a vontade e a violência das elites rentistas das quais você é hoje o principal representante.

O principal responsável por essa “realização importante” é hoje um preso político em Curitiba, mantido em isolamento absoluto por uma juíza que também deve acreditar em “refundação”.

A última presidenta eleita foi deposta por um golpe de Estado promovido por corruptos e reacionários. O aumento da escolarização e da renda ainda ainda precisa passar por uma grande revolução, caso queiramos simplesmente nos manter competitivos com outras nações emergentes.

Mais importante que tudo, Barroso: ainda temos milhões de brasileiros vivendo na miséria ou na pobreza. A luta não terminou. E, pelo jeito, para que as coisas continuem melhorando, teremos que lutar também contra o cinismo que você representa, um cinismo bem remunerado, um cinismo que dá palestras…


(foto: Jose Cruz/Agencia Brasil)

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No Correio Braziliense

Vivemos um momento de refundação do País, diz Barroso

A declaração do magistrado foi dada durante a palestra “30 anos da Promulgação da Constitução Federal de 1988”, em Fortaleza, na Câmara Municipal

AE Agência Estado
postado em 23/04/2018 19:18

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta segunda-feira, 23/4, que o Brasil vive “um momento de refundação do País”. A declaração do magistrado foi dada durante a palestra “30 anos da Promulgação da Constitução Federal de 1988”, em Fortaleza, na Câmara Municipal.

“Nós vivemos um momento especial no Brasil, um momento de refundação do País. Nós nos demos conta que temos ficado aquém do nosso destino e estamos conseguindo fazer os diagnósticos corretos, que são pressupostos das soluções corretas. A fotografia do momento é devastadora, mas o filme destes 30 anos da democracia no Brasil é um filme bom. Nós estamos empurrando a história para o caminho certo”, afirmou.

Barroso reforçou a necessidade do envolvimento da sociedade nas questões políticas do Brasil, lembrou as conquistas políticas para mulheres, índios, negros e comunidade LGBT e encerrou a palestra reafirmando o papel da liberdade de expressão no exercício da democracia. Segundo ele, o Brasil não deve levantar o combate a corrupção como única bandeira de luta.

“Nós paramos de varrer a sujeira para debaixo do tapete e estamos aos poucos enfrentando fantasmas que assombraram muitas gerações. Houve uma impressionante reação da sociedade civil, que deixou de aceitar o inaceitável, e isso vai modificar as instituições de uma maneira geral”, disse.

Barroso lembrou as conquistas garantidas pela sociedade ao longo das três últimas décadas e destacou três conquistas da Constituição de 88: estabilidade institucional, estabilidade monetária e inclusão social.

“O Brasil superou as metas de inclusão. O IDH dos últimos 30 anos foi o que mais cresceu na América Latina. Nós tivemos no Brasil um aumento de 11 anos na expectativa de vida, um aumento expressivo da escolarização e um aumento de 50% na renda das pessoas. Tirar milhões de pessoas da miséria é uma realização importante, e talvez, com exceção da China, nenhum país tenha conseguido uma realização tão expressiva”, atentou o jurista.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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