Lula, as pesquisas e um chamado ao realismo

A nova onda é xingar o Cafezinho porque publicamos uma pesquisa eleitoral divulgada há pouco no Infomoney, encomendada pela XP Investimentos ao instituto Ipespe, que mostra Bolsonaro à frente de Lula num eventual segundo turno: 37% X 35%. A pesquisa foi devidamente registrada no TSE, por um instituto fundado em 1986, que já fez muitas pesquisas país afora, e o Cafezinho sempre estimulou a pluralidade dos institutos. Não podemos ficar em mãos apenas dos mesmos.

A pesquisa é fora da curva, e não tendo a acreditar nela, mas ela existe, e estamos a uma distância saudável do pleito, o que nos permite conviver com números díspares sem maiores perturbações. Além do mais, acho importante que a esquerda fique alerta em relação ao perigo Bolsonaro.

Apenas comparações objetivas entre vários institutos de pesquisa, com análise de cada uma delas em profundidade, mais uma observação empírica da conjuntura, nos permitirão devassar a realidade, cuja essência ninguém conhece.

A pesquisa afirmou ter entrevistado 2 mil pessoas, e não sei porque dar menos importância a ela do que ao Instituto Paraná, ao Datafolha, ao CNT/MDA, ao Ibope, e ao Vox Populi.

Os xingamentos confirmam uma coisa: nunca foi tão difícil escrever sobre Lula. Essa é, naturalmente, uma das consequências negativas de sua condenação em segunda instância e prisão: a direita converteu Lula em mártir.

Esse é um fato histórico com dois lados: o mártir é reverenciado por um lado, que o considera um injustiçado; mas é também odiado mortalmente por outro, que o considera um traidor, e por isso é um mártir.

A situação gera dois tipos de delírio, perfeitamente simétricos. De um lado, temos um antipetismo completamente fora da realidade.

Coube a nosso curioso momento histórico que um blogueiro de direita, conhecido por seu antipetismo, Reinaldo Azevedo, passasse a fazer invectivas contra o “antipetismo delirante”, por ter se agarrado à barra da saia do partido da polícia e ajudado a implodir um sistema político que, para as elites, sempre funcionou muito bem. Em sua última coluna Azevedo lamenta a burrice da direita e faz alguns prognósticos pessimistas (para ele) em relação aos resultados eleitorais.

Para mim, blogueiro de esquerda, desde o início aliado ao “petismo”, as mesmas curiosas circunstâncias fazem-me escrever sobre o reverso da moeda: o “petismo delirante”.

Hoje foram publicadas duas pesquisas. O Barômetro Político do Ipsos/Estadão e a pesquisa XP Investimentos/Ipespe. O campo petista falou apenas da primeira, e passou a xingar (eu) quem divulgou a segunda.

Os números mais interessantes da Ipsos referem-se ao ex-presidente Lula e a Sergio Moro. A rejeição a Lula continua caindo. Sua desaprovação caiu para 52% em maio (estava 54% em abril e 57% em março), enquanto sua aprovação subiu para 45% (estava 42% em abril).

Sergio Moro continua seguindo o caminho contrário: sua rejeição subiu 1 ponto, de 49% em abril para 50% em maio, e sua aprovação caiu um ponto, para 40%.

Os petistas comemoraram estes números como se fossem a trombeta do anjo Gabriel anunciando a chegada do Messias. A verdade, porém, é que esses números não valem nada. Explico porque.

Moro não precisa mais ter maioria de aprovação popular. O seu serviço sujo já está feito: destruir a classe política nacional, abrir espaço para uma grande onda neoliberal no país, manchar o PT e impedir Lula de ser candidato.  Gilmar não tem popularidade e faz o que quer, por que Moro precisaria ser popular? Daqui a pouco ele pede licença de seu trabalho e vai morar nos Estados Unidos, como já andou dizendo por aí. Caso a direita vença as eleições, talvez seu nome seja indicado para o STF, e aí ele volta ao Brasil.

Quanto a Lula, o seu desempenho é notável.  A perseguição ao ex-presidente tem sido por demais explícita, gerando um movimento crescente de solidariedade de uma parte da população.

A presidenta do PT é uma das principais representantes desse “petismo delirante”. Coerentemente com todas as suas ações recentes, Gleisi usou a pesquisa Ipsos para fazer um post triunfante em seu twitter:

Entretanto, o problema principal de Lula não é mais apenas o tamanho de sua rejeição, e sim a qualidade dessa rejeição. Esse é o problema que alguns petistas não estão enxergando.

Vamos pegar a última edição da pesquisa mais querida ao PT, a Vox Populi, feita entre os dias 13 a 15 de abril de 2018, após a prisão de Lula. Observem esses dois gráficos abaixo:

No primeiro gráfico, nota-se o profundo ceticismo da população quanto à possibilidade de Lula ser candidato: 45% acham que ele não será, contra 40%, que sim.

No segundo gráfico, temos duas afirmações sobre o processo de Lula. No Nordeste, Lula continua dando as cartas. Mas olhe o Sudeste: 40% da população acredita que “o processo [contra Lula] foi normal, sem se misturar com política”.

Esse é o problema que venho apontando, aqui no blog: a rejeição a Lula tem um componente qualitativo muito mais grave do que uma rejeição normal a um político. Há um setor importante da opinião pública (e um presidente terá de governar para todos) que não apenas “reprova” Lula, como engoliu sua condenação e acha justa a sua prisão. Isso vai dificultar enormemente não apenas a participação de Lula no debate eleitoral, como também a legitimidade de seu governo, caso seja eleito.

Quando a gente olha as pesquisas estratificadas, temos alguns agravantes. É uma pena que a Vox Populi não revele os números estratificados (renda, região, escolaridade, etc) de todas as perguntas. Então vamos ter que olhar outra pesquisa.

Um colunista aqui do Cafezinho falou mal da pesquisa CNT/MDA, a mais recente, segundo a qual 51% dos brasileiros acham justa a prisão do ex-presidente, então vamos olhar outra sondagem. Vamos ao último Datafolha que pesquisou esse ponto. Trata-se de uma pesquisa realizada entre os dias 11 e 13 de abril, apenas alguns dias após a prisão do ex-presidente, determinada por Sergio Moro no dia 5 de abril.

Segundo essa pesquisa, 54% dos entrevistados consideraram justa a prisão de Lula.

É nos números estratificados, todavia, que encontramos a realidade mais preocupante. Entre homens, por exemplo, 59% acham que a prisão de Lula foi justa. No Sudeste, o percentual dos que consideram justa a sua prisão é de 65%. No Sul, de 64%. Entre brancos, 66%. Entre pessoas com ensino superior, 71% acham que a prisão de Lula foi justa. Entre pessoas que ganham entre 2 e 5 salários, 63% acham que sua prisão foi justa; entre os que ganham de 5 a 10 salários, 73% acham que a prisão de Lula foi justa; e entre quem ganha mais de 10 salários, 71% acham justa sua prisão.

Isso não é brincadeira. A rejeição de Lula está pesadíssima!

E a culpa é nossa, da esquerda, que governamos esse país de 2003 a 2014 (2015 já não foi governo nosso, já era golpe) e não estabelecemos uma política de comunicação que libertasse a população do jugo midiático.

Quando eu defendo que a esquerda se una em torno de Ciro, não estou tirando isso apenas da minha cabeça. Nessa mesma pesquisa Datafolha, houve uma pergunta sobre qual candidato Lula deveria apoiar, caso fosse impedido de ser candidato. Reparem nas respostas.

Entre os simpatizantes do PT, uma maioria de 32% disse preferir que Ciro seja o escolhido de Lula, contra 17% que optaram por Haddad. Entre eleitores do PSOL, Ciro também ficou com uma leve vantagem. Entre os brasileiros sem partido, 25% disseram preferir Ciro. No geral, 28% preferiram Ciro, contra 15% para Haddad.

No Nordeste, onde há uma concentração muito expressiva do eleitorado lulista, 34% dos entrevistados responderam que preferem que Lula escolha Ciro como seu herdeiro político, contra apenas 9% Haddad e 15% Jaques Wagner.

Entre os mais pobres, que ganham até 2 salários, e formam a base do eleitorado lulista, 31% disseram que preferem Ciro, contra 12% de Haddad. Entre os brasileiros com ensino fundamental, 34% optaram por Ciro.

Eu não estou tão maluco assim, afinal de contas.

Eu sei que uma aliança no primeiro turno é complicado. Tudo bem. Mas então paremos os ataques mútuos no primeiro turno. Os petistas devem mirar em Bolsonaro. Ele é o grande perigo, conforme mostraremos abaixo.

***

Daí vamos à segunda pesquisa divulgada hoje, da XP Investimentos / Ipespe. Uma pesquisa “maldita”, que publicamos aqui e fomos xingados por isso.  Eu destaquei no título o ponto que mais me chamou a atenção:

O cenário mais competitivo fica entre Bolsonaro e Lula: 37% para o candidato do PSL, 35% para o petista. Brancos e nulos somam 25%, não sabem chegam a 2%.

Eu não tenho opinião formada sobre o valor estatístico dessa pesquisa. Concordo que esses números estão muito fora da curva. Todas as outras apontam vitória folgada do petista no segundo turno. Mas é uma pesquisa que está aí. Ela existe. Vamos aguardar outras, continuar olhando a nossa volta e tirarmos nossas conclusões de maneira desapaixonada. O meu ponto é o seguinte: é a primeira pesquisa que mostra a possibilidade de vitória de Bolsonaro contra Lula num eventual segundo turno. Não sei porque as pessoas se surpreenderam tanto com esse resultado. Em todas as outras pesquisas, Bolsonaro ganha de todo mundo no segundo turno, menos de Lula. Nessa pesquisa Ipespe, há empate entre os dois: Bolsonaro 37% X Lula 35%.

A coisa mais delirante que os petistas poderiam fazer, neste momento, é calçar o salto alto e achar que “já ganharam” as eleições, e começarem a xingar o Cafezinho, porque publicamos uma pesquisa, registrada no TSE (ou seja, sujeita a gravíssimas sanções, caso sejam detectadas fraudes), em que Bolsonaro aparece em vantagem no segundo turno.

Um pouco mais de realismo e objetividade seria muito saudável!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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