Considerações a partir da sabatina de Ciro na Jovem Pan

Como a maioria dos internautas, assisti à sabatina de Ciro Gomes na Jovem Pan tentando encontrar falhas. Afinal, ele é um candidato importante, e os brasileiros, traumatizados por tantos golpes sucessivos contra a soberania popular, devem ficar infinitamente mais atentos às qualidades e defeitos dos candidatos do que em outras eleições.

Os entrevistadores da Jovem Pan começaram a sabatina apertando o pré-candidato do PDT justamente sobre a questão de seu temperamento, que poderia lhe tirar votos, e Ciro Gomes comprovou que esse é, de fato, seu calcanhar de aquiles.

A sorte de Ciro Gomes é que as entrevistas da Jovem Pan são todas muito tensas, sempre beirando o “barraco” (muitas descambam mesmo para o barraco), mas isso não é desculpa.

A impressão que temos é que o candidato faz um esforço enorme para não explodir.

Outro ponto negativo é procurar brigas e atritos de maneira gratuita, como nas falas sobre o vereador Fernando Holiday, chamado de “capitãozinho de mato”, e na acusação ao presidente de Michel Temer, chamado de “corrupto”. Temer pode até ser corrupto, e há denúncias suficientes – com provas materiais contundentes – de que a acusação pode ser verdadeira, mas acho que é possível travar um debate político mais qualificado do que simplesmente lançar acusações de ordem criminal contra um adversário.

Neste mesmo sentido, também acho desnecessárias as invenctivas que Ciro faz contra o PMDB, dizendo que vai “destruir o partido”, embora acrescentando que o fará pelas vias “democráticas”. Pode até ser um anseio legítimo, ou mesmo nobre, de Ciro Gomes, mas para que falar isso? Quem destruirá o PMDB “democraticamente” serão os eleitores, e nada indica que essa destruição acontecerá tão cedo. Até lá, Ciro Gomes, caso eleito, terá que lidar com parlamentares do PMDB, assim como do PP e do DEM, com os quais, dizem alguns, poderá se aliar.

Ciro Gomes estava nervoso demais na sabatina, a meu ver. Se eu fosse dar uma nota de 1 a 10, daria nota 5, os pontos perdidos pela agressividade desnecessária e por outros motivos que exponho nesse post.

A sabatina de Bolsonaro na mesma rádio é nota zero, mas comparar Bolsonaro com qualquer outro candidato é covardia, porque ele é ruim demais.

Outro ponto negativo foi a referência tola, ofensiva, a uma posição do PT sobre a Venezuela (“não sou como o PT, que alisa o regime Maduro”).

Não havia sido perguntado ao pré-candidato o que ele achava da posição do PT em relação ao chavismo, então Ciro produziu um atrito inteiramente desnecessário, e até mesmo contraditório, porque a resposta de Ciro Gomes sobre a Venezuela foi muito próxima à posição do PT, que nunca foi exatamente de “alisar” o regime chavista e sim de defender a soberania do país vizinho.

Ciro Gomes defendeu, corajosamente, a democracia venezuelana. Confrontado por Marco Antonio Villa se achava que a Venezuela era uma democracia, Ciro respondeu categoricamente que sim, que a Venezuela era uma democracia.

O pré-candidato lembrou que a oposição venezuelana participou do processo eleitoral em que foi derrotada, recentemente, por Nicolas Maduro, então seria incongruente, da parte dela, e da parte da nossa própria elite, chamar a Venezuela de “ditadura”.

“Nossa elite pirou”, disse Ciro, referindo-se ao ódio irracional que parte da nossa elite, obviamente atiçada pela mídia imperialista, desenvolveu contra a Venezuela.

Ciro então faz uma crítica muito forte à vassalagem do governo brasileiro aos Estados Unidos, na questão da Venezuela, defendendo que o Brasil assumisse uma posição de mediador, e não de inimigo do regime Maduro.

O pré-candidato, subindo o tom, alertou para o fato de estar sendo criado, em nossa vizinhança, e por culpa dessa vassalagem ao império do norte por parte do governo brasileiro, o surgimento de um perigoso conflito entre potências: de um lado, Estados Unidos convidando a Colômbia para integrar a Otan, fazendo ameaças militares diretas à Venezuela; de outro, Rússia e China estabelecendo laços militares com a Venezuela.

“Isso é perigoso para o mundo!”, alertou Ciro Gomes, dando a entender que atuaria, como presidente, para conter as agressões imperialistas contra o país vizinho.

Perguntado sobre a Lava Jato, Ciro respondeu protocolarmente, como manda o figurino eleitoral: “sou inteiramente a favor”.

Num depoimento recente, Ciro fez reflexões um pouco mais elaboradas sobre a Lava Jato, em que faz as críticas necessárias à destruição das empresas.

Apesar de entender que a Lava Jato é a ponta de lança do ataque imperialista ao Brasil, também entendo que um pré-candidato não pode responder de outra maneira em se tratando de uma operação que se tornou, na cabeça da esmagadora maioria da população, sinônimo de luta contra a corrupção.

Eu já vi, inúmeras vezes, lideranças petroleiras, Roberto Requião, Dilma, sem falar do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, falarem exatamente a mesma coisa.

Ninguém tem coragem de falar mal da Lava Jato, a não ser meia dúzia de blogueiros malucos, como eu, que não tem preocupação eleitoral.

A Lava Jato é uma operação imperialista de grande sofisticação contra a qual já perdi as esperanças de vencer a golpes de retórica. Grandes juristas do Brasil e do mundo já denunciaram os erros da lava Jato e nada aconteceu.

Os lavajateiros fazem o que querem, sem preocupação de nenhuma ordem. Prendem empresários e políticos sem provas. Fecham as maiores empresas do país. Pressionam o STF a mudar a Constituição. Derrubam governos. Fazem jornalistas importantes ser demitidos e perseguidos.

A Lava Jato se tornou o partido político mais orgânico da direita brasileira, e ninguém consegue confrontá-lo porque ela não aparece como um partido, mas como uma missão sagrada de extirpar a chaga da corrupção no país.

Para derrotar a Lava Jato é preciso vencer as eleições presidenciais, ocupar o Poder Executivo, e através dessa ocupação, democrática, simbólica, política, fazer o Judiciário recuar. Daí é preciso nomear para o STF e STJ ministros que tenham coragem para enfrentar a mídia, principal sustentáculo da Lava Jato, e que sejam comprometidos com valores democráticos e constitucionais contrários ao lavajatismo.

Outra maneira de derrotar a Lava Jato é organizar, via ministério da Justiça, debates, seminários, eventos e reuniões, em que os arbítrios e as violências judiciais sejam denunciadas com a qualificação que a gravidade do tema merece.

O governo precisa construir sistemas de inteligência e contra-inteligência, aliados a ferramentas eficazes de comunicação, para fazer a ofensiva contra a Lava Jato.

O Executivo precisa se reaproximar das Forças Armadas, para ajudar a reconduzi-las a um pensamento nacionalista, que se contraponha ao desmonte da indústria e do nosso sistema de defesa. Isso também ajudará a derrotar a Lava Jato, visto que se trata, como já disse, de uma operação imperialista que também teve como objetivo desmontar, suspender ou atrasar por tempo indeterminado alguns programas estratégicos de defesa, como a construção de Angra 3, o submarino nuclear, a compra dos caças sueco, etc.

A posição de Ciro sobre Lula permanece firme e coerente: ele considera a sentença de Sergio Moro “injusta”. É o que afirmou na entrevista.

O pedetista não concorda, no entanto, com a narrativa do PT de que a prisão de Lula é parte de uma conspiração política golpista, que incluiria a participação ativa do judiciário, por entender que essa posição seria incompatível com a esperança, por parte do ex-presidente, de reverter judicialmente a sua condenação, inclusive para ser candidato e eleito presidente da república.

A narrativa petista, de fato, carrega contradições extremamente problemáticas, e acho que Ciro Gomes tenta caminhar sobre uma linha tênue, que o permita fazer a crítica à condenação de Lula (sempre qualificada por ele, categoricamente, de “injusta”), e ao mesmo tempo não se deixar contaminar pelos problemas do PT com a justiça, o que o prejudicaria eleitoralmente, além de o tornar alvo da mesma justiça partidária. Essa contaminação não interessa ao campo popular, que precisa vencer as eleições. Os candidatos a presidente do PT em 2006, 2010 e 2014 (Lula e Dilma) agiram rigorosamente da mesma maneira, tentando separar suas plataformas de campanha dos problemas judiciais que afligiam o seu partido, seguindo também a lógica pragmática de que precisavam vencer as eleições. O problema é que o PT venceu as eleições presidenciais e não usou o poder outorgado pelas urnas, como deveria ter feito, porque tinha mandato popular e legitimidade democrática para tal, para desmontar a máquina golpista que estava sendo construída pelo conluio entre mídia e judiciário. Pelo contrário, o PT continuou nomeando os mais votados para o cargo de Procurador Geral da República, e levando para o Supremo ministros sem compromisso com valores democráticos.

O PT precisa compreender, e explicar à sua militância, que a estratégia de Ciro é necessária, porque a esquerda não pode cometer a irresponsabilidade de se deixar aprisionar junto com Lula em Curitiba. A esquerda precisa vencer o partido judicial pelo voto popular, e para isso precisa travar uma batalha simbólica extremamente sensível. Vencida essa batalha eleitoral, iniciaremos outra, tão difícil quanto, que é de pressionar a opinião pública, a classe política e o próprio presidente da república, a cortar as asinhas do judiciário e do ministério público, os quais precisam ser fortes e autônomos, mas submetidos à lei e à autoridade que as urnas conferem ao poder político.

Neste sentido, de que somente as urnas tem condições de derrotar o partido judicial, a narrativa petista, de que eleição sem Lula é fraude, é um tiro no pé, porque reduz o poder de fogo da última arma em mãos da soberania popular, que é justamente o processo eleitoral. As eleições vão acontecer, o PT está decidido a participar de uma maneira ou de outra, tanto no pleito para presidente (com Lula ou sem Lula) como para deputado, senador, governadores, etc, então elas tem de ser fortalecidas moralmente, por ser a única arma que nos resta. O povo brasileiro não tem mídia, não tem armas de fogo, não tem apoio do “mercado”. Todas as potências do mundo parecem unidas numa grande conspiração para subjugar e explorar uma população vulnerável e desprotegida de quase 210 milhões de pessoas. O povo também não tem as “ruas”, como parte de uma esquerda delirante parece não ter entendido. A única grande arma, mas que é a arma mais poderosa de uma democracia, que sobrou à classe trabalhadora, é o processo eleitoral, com todos os defeitos, contradições e limites. Então cabe às organizações populares, incluindo aí os partidos políticos, agirem com responsabilidade, e usarem o voto da melhor maneira possível para derrotar os adversários.

Voltando à sabatina de Ciro Gomes, outro ponto crítico é um certo orgulho excessivo do candidato de pretender mostrar que sabe tudo, em detalhes milimétricos, sobre qualquer questão. Bolsonaro tem o defeito exatamente oposto, que é ter orgulho de não saber absolutamente nada de nada. A sabedoria, como diria um filósofo oriental, está no caminho do meio. O candidato não precisa saber exatamente os decimais e percentuais de qualquer dado sensível sobre economia. O que é necessário é ter conhecimentos sólidos e gerais sobre os temas, e saber explicá-los, em palavras simples, para o povo. O segredo eleitoral de Lula sempre foi a capacidade de falar com simplicidade ao povo. Ciro Gomes precisa se esforçar para se comunicar de uma maneira mais simples e compreensível.

Nessa entrevista à Jovem Pan, por exemplo, houve momentos em que Ciro Gomes parecia estar falando para uma plateia de PHD em economistas, e não ao público em geral.

Atualização: Um ponto muito bom na entrevista, foi a defesa que Ciro Gomes fez do conceito de “golpe de Estado”, explicando que Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime de responsabilidade, e enfatizando que a presidenta era uma pessoa “honrada”.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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