Os desafios da esquerda fluminense

Campanha no centro do Rio. Divulgação.

A última pesquisa Ibope no Rio de Janeiro, feita entre os dias 7 e 9 de setembro, acendeu a luz vermelha de todos os progressistas do Estado. Não há uma única notícia boa.

Na disputa presidencial, o Rio foi o estado onde Bolsonaro experimentou sua maior alta, após o atentado à faca que sofreu há uma semana: saiu de 25% na pesquisa de 20 de agosto para 33% agora.

Os candidatos progressistas, por sua vez, se mantiveram estagnados ou declinaram. Diferentemente do que ocorreu São Paulo, no Espírito Santo e em todo nordeste, Ciro não se moveu no Rio. Tem 10% das intenções de voto. E Marina oscilou 1 ponto para baixo, para 11%.

Haddad cresceu 3 pontos, mas seus 5% ainda são um percentual insignificante. Espera-se que cresça muito ainda, mas a realidade hoje é essa.

Na disputa para o Senado, os dois candidatos da direita, Flavio Bolsonaro e César Maia, se distanciaram de Lindbergh (PT) e Chico Alencar (PSOL). Lindbergh oscilou 2 pontos para cima, para 15%, e ainda está no jogo. Mas antes estava em segundo lugar, e hoje está em terceiro.

Chico Alencar, porém, ficou parado em 11% e pode ficar de fora.

A eleição para o governo do Estado, no entanto, traz o pior cenário para a esquerda organizada. Nenhum dos candidatos do campo conseguiu, até o momento, entusiasmar o eleitorado. Tarcísio Motta, do PSOL, o candidato progressista com melhor pontuação nas pesquisas, estacionou em 5%. Pedro Fernandes, do PDT, tem 2%.

Marcia Tiburi, a candidata indicada por Lula para representar um resgate ético e uma renovação política do PT fluminense, viu seus índices de intenção de voto caírem para 1%.

É de se perguntar: onde foi que erramos?

Onde está o Rio que deu vitória a Leonel Brizola por duas vezes nas eleições para governador, onde o PT sempre obteve relevantes vitórias nas eleições presidenciais?

Onde está o Rio que, em 2016, promoveu grandes manifestações contra o golpe, e que, em 2017, organizou enormes manifestações contra a reforma da previdência?

Onde está o Rio de Janeiro que, em 2013, testemunhou manifestações monstruosas contra os partidos tradicionais, em especial contra Sergio Cabral?

Esse é mesmo Rio que, depois de eleger Pezão, sucessor de Cabral, vai eleger Eduardo Paes, que apenas migrou para o DEM para simular descolamento do PMDB?

A situação é tão dramática que o campo progressista fluminense deve, antes de tudo, olhar para si mesmo com muita autocrítica e humildade.

É evidente que, para chegarmos a essa situação, inúmeros erros foram cometidos, alguns de boa fé, alguns inevitáveis, mas certamente há muitos erros que, sobretudo, podemos evitar que se repitam no futuro.

Se a esquerda fluminense quiser oferecer, ao resto do país, uma energia política mais positiva, tem de se reorganizar, e para isso precisará, mais que nunca, dos partidos políticos, porque para isso eles servem.

O PSOL vem crescendo, organizando-se e desenvolvendo vínculos com setores importantes da sociedade fluminense.

Eu queria muito falar sobre o PDT, um partido que ainda pode exercer um grande papel no estado, mas deixemos para outra oportunidade.

O PT merece uma atenção urgente, porque é notório que o nível de organização da legenda está muito abaixo de seu potencial político. O Datafolha nos informa que 18% dos eleitores fluminenses tem preferência partidária pelo PT. Onde estão essas pessoas?

Neste sentido, a candidatura de Marcia Tiburi pode ajudar o partido a se renovar. Um partido político de esquerda, por mais que tenha pretensões de ser um partido popular, de massa, precisa construir núcleos de inteligência.  Precisa organizar publicações, debates, encontros. Precisa de intelectuais. O PT nasceu do encontro entre intelectuais e sindicalistas. Daí surgiu a poderosa química que levou o partido a ganhar tantas eleições e se tornar um dos maiores partidos de esquerda do mundo democrático.

Quando o PT esqueceu essa química, e quando, no Rio, converteu-se num medíocre puxadinho do PMDB local,  ele cometeu suicídio político.

A mau desempenho eleitoral do partido se deve a essa sucessão de erros do passado, alguns dos quais, infelizmente, ainda não se livrou. Dias atrás, por exemplo, Lauro Jardim, do Globo, noticiou que um candidato a deputado pelo PT, Adilson Pires, está fazendo campanha para Eduardo Paes. Para que isso? Pires não vai ganhar a eleição, queimou-se com a Executiva nacional, e ainda trouxe prejuízos à campanha petista para o governo do estado.

Houve notícias também de que a própria direção do partido, através de Washington Quaquá, estaria já fazendo acordos com Eduardo Paes para o segundo turno, mas o próprio Quaquá veio a público negar peremptoriamente qualquer movimento neste sentido.

Eu sou do Rio, moro no Rio e tenho relações de amizade com alguns ativos e ativas militantes do PT. Muitos, sobretudo as mulheres, vêem em Marcia Tiburi, um sopro de esperança para modernizar a estrutura partidária no estado e na capital, deixando-a mais participativa, transparente e conectada com os movimentos de vanguarda.

Eleições são um momento fundamental para um partido político; seus bons resultados, porém, devem ser a consequência de um processo metódico, disciplinado e trabalhoso de organização.

Marcia Tiburi, por sua coragem em assumir a responsabilidade de ser candidata ao governo, num momento adverso, pode ser um bom nome para liderar um movimento de resgate ético e renovação política de uma legenda tão fundamental para a esquerda fluminense.

Talvez só após esse resgate e essa renovação, o PT volte a ter um peso político no estado mais condizente com sua história e seu destino.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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