Haddad ou Ciro? Mande o seu artigo para o Cafezinho publicar

O editor do Cafezinho tem uma opinião, que já externou em outras ocasiões, mas cada colunista nosso tem uma visão diferente sobre o processo eleitoral.

Temos um universo bastante plural de leitores, que votam em Haddad, Ciro, Marina, e até mesmo alguns conservadores, que votam em Alckmin, Amoedo ou Bolsonaro. Quero que todos se sintam respeitados neste espaço, e peço perdão se causei desconforto político ao leitor em algum momento. Não foi intencional.

Mesmo tendo a minha opinião, como cidadão, venho tentando fazer uma cobertura imparcial das eleições, dando voz às diferentes matizes da esquerda e respeitando a opinião e os comentários de todos os internautas, mesmo os conservadores. Ninguém é dono da verdade. Lula, Ciro, Haddad, Manu, Katia Abreu, Mourão, Bolsonaro, Marina, todos são humanos e cometem erros políticos, e cabe a nós apontá-los. Também as nossas críticas são passíveis de crítica, e por aí vai.

Vamos tentar manter o nível dos debates sempre elevado. Se eu cometer qualquer impropriedade ou injustiça para com algum candidato, se você notar que estamos dando mais cobertura para um do que para outro, pode reclamar. O blog tem um perfil de esquerda, o que nesse momento significa que nossa responsabilidade aqui é dar tratamento imparcial a Ciro e Haddad, e ao mesmo tempo permitir que haja um embate saudável entre os diferentes projetos.

Sobretudo, o blogueiro e seus leitores precisamos ter responsabilidade perante o Brasil. Haverá um segundo turno e Ciro e Haddad precisarão estar juntos. Então, que os embates de hoje, duros que sejam, não inviabilizem o acordo futuro.

Mas deixemos o acordo para o segundo turno. O momento hoje é de embate democrático. Deixemos de lado as sensibilidades excessivas, as vaidades, o partidarismo, o sectarismo, os melindres, para fazer o debate com franqueza, apontando as vulnerabilidades um do outro, os riscos, e ao mesmo tempo as vantagens de cada um.

Hoje publicamos um artigo de Erico Bonfim, pianista e doutorando em Música na UFRJ.

Envie seu artigo para migueldorosario@gmail.com. Use o artigo abaixo como referência de tamanho.

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Opinião: Haddad ou Ciro? Um chamado à razão

Por Erico Bonfim

Eis a dúvida que paira sobre os corações e mentes de grande parte do eleitorado de centro-esquerda brasileiro, que se vê parcialmente dividido entre duas candidaturas expressivas. De um lado, eleitores se mantêm fiéis a Lula, numa demonstração de lealdade ao maior líder popular do país. De outro, apoiadores de Ciro acreditam ter-se esgotado o petismo, ao menos por ora. Para lançar nova racionalidade sobre tal escolha, entretanto, demos, antes de tudo, um passo atrás:

Toda escolha implica, além de opções alternativas, a existência de objetivos. Escolhas são feitas para se atender a determinadas metas. Uma panela de água fervendo não é melhor que uma banheira aquecida por gerar mais calor. Qualquer uma das duas pode ser a escolha correta a depender das circunstâncias, e ninguém deverá tomar banho com água fervendo e nem cozinhar numa banheira aquecida.

Assim, uma pergunta que deve nortear a questão sugerida ao título deste breve ensaio é: quais devem ser os objetivos centrais das forças de esquerda nestas eleições? Para isso, é necessário descrever muito brevemente as inflexões mais graves da atual conjuntura brasileira. Afinal, o que queremos para o próximo mandato presidencial depende de que Brasil temos agora e o que nele queremos que seja transformado.

Não há problema mais grave no Brasil que a desigualdade social. A 8ª economia do mundo amarga uma concentração de renda tal que apenas o 1% mais rico detém 30% da riqueza, havendo mais de 50 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e mais de 13 milhões de desempregados, tudo isso apesar dos esforços de combate à pobreza encampados pelos governos de Lula e Dilma, muitos dos quais neutralizados por contra-reformas do atual governo golpista.

A luta contra a desigualdade nunca havia sido fácil: sempre foi necessária muita estratégia: dividir o inimigo, conciliar aqui ou acolá – tudo para que se obtivessem avanços até certo ponto tímidos e dificilmente estruturais. Mas a partir de anos recentes, a luta contra a desigualdade encontrou um bloqueio novo. Um bloqueio, aliás, institucional.

As consequências da operação Lava-Jato para o Brasil – para o bem ou para o mal – não podem ser jamais subestimadas. Parece difícil contestar que a ofensiva jurídico-midiática contra a classe política (e talvez em especial contra Partido dos Trabalhadores, que detinha o legítimo mandato presidencial) tenha aberto uma espécie de vácuo e desequilíbrio de poderes.

A partir daí, juízes de primeira instância grampeavam chefes de Estado e, mesmo que o grampo já houvesse sido desautorizado judicialmente, vazavam a conversa para o jornal televisivo de maior audiência do país – crime da maior gravidade, severamente punível em qualquer democracia consolidada.

Num cenário de hipertrofia de uma justiça conservadora aliada a uma grande imprensa reacionária, o impeachment sem qualquer justificativa razoável (por isso, golpe) da presidente eleita e a prisão do maior líder popular do país pareciam extrapolações quase naturais de uma catástrofe que aos poucos se desenhava, não obstante a luta popular.

Enquanto isso, o novo governo ilegítimo aprovava uma série de reformas profundamente antipopulares e, hoje, generais já se arvoram em sonhos autoritários de tutela à democracia e uma forte candidatura neofascista e ultraliberal lidera as pesquisas.

É precisamente esse novo estado de coisas que constitui obstáculo inédito à luta contra a desigualdade. Afinal, é justamente a soberania popular, traduzida, em nossa conjuntura, por uma democracia sólida, que pode ser capaz de impor às elites uma agenda de redução da desigualdade. Essa agenda torna-se inexequível numa democracia restrita e interditada, como é o caso do Brasil atual. Assim, a esquerda, ao buscar, por definição, a redução da desigualdade, também se vê na obrigação de eleger a restauração da soberania popular como sua prioridade máxima, restabelecendo o equilíbrio de poderes e a ordem constitucional, dado que essas são precisamente as ferramentas indispensáveis para a redução da desigualdade em nosso país.

Finalmente, então, podemos voltar à pergunta que nos guia: que presidente teria melhores condições de restaurar a democracia no Brasil e a soberania popular, alinhando-se a nossos objetivos centrais de redução da desigualdade?

Primeiro falemos de Haddad. Intelectualmente competente e articulado, Haddad, ainda assim, não seria competitivo como candidato à presidência da República, não fosse a indicação de Lula. Afinal, Haddad amargou uma derrota acachapante quando buscou a reeleição como prefeito de São Paulo e, antes da cassação da candidatura de Lula, era eleitoralmente inexpressivo. Mais importante do que isso, entretanto, é a lembrança do indefensável estelionato eleitoral praticado por Dilma após sua reeleição de 2014, quando a presidente traiu a agenda vitoriosa de sua campanha, buscando contentar as elites e o “mercado”. As consequências da capitulação já são sabidas: no lugar de acalmar as animosidades, Dilma viu-se esfacelar sua popularidade, fenômeno do qual se aproveitaram seus adversários para derrubá-la. Em vez de apaziguar, fragilizou-se e fez-se vulnerável.

Num sinal de que nada foi aprendido com a lição do passado mais recente, Haddad já sinaliza para o “mercado”, apresentando-se como austero e cauteloso na economia e aproximando-se de nomes afeitos ao neoliberalismo. Como se esses sinais já não fossem o suficiente para desenharem uma nova capitulação às elites, Haddad ainda, ao se ver acuado por jornalistas, comprometeu-se incondicionalmente a, sob nenhuma hipótese, conceder o indulto presidencial ao ex-presidente Lula. Haddad, dá, assim, sucessivos sinais de fraqueza, que jamais podem ser admitidos numa conjuntura de desequilíbrio de poderes, desordem institucional e ascensão de um neofascismo que precisa ser enfrentado e esmagado impiedosamente o quanto antes. Não se pode esperar coragem e valentia de um governo de Fernando Haddad, que ainda terá de lidar com o questionamento constante de sua autoridade, já que o presidente será visto e projetado constante e implacavelmente como governante por procuração de outrem, desprovido de liderança própria.

Ciro Gomes, por outro lado, desponta como valente liderança da luta contra a ascensão neofascista e as interdições do judiciário e da imprensa sobre a democracia, ao adotar a retórica firme da denúncia e do enfrentamento. Enquanto Mourão é o “jumento de carga”, juízes e procuradores “voltarão para suas caixinhas”. No conjunto, a retórica de Ciro nada mais é que um chamado ao restabelecimento firme e intransigente da ordem democrática. Se a retórica corajosa por si só não constitui ação – e é verdade que não constitui mesmo –, uma retórica tímida e recuada, por outro lado, dificilmente poderia anunciar um governo forte e valente. E, mesmo que o Partido dos Trabalhadores tenha uma base social relevante e capaz de heroicas resistências, essa mesma base é completamente impotente quando se vê dirigida por uma cúpula pusilânime – e prova disso é o próprio cenário que se desenha diante de nós.

Diante da interdição da democracia e da ascensão do neofascismo, aposte-se na coragem. Na covardia, jamais.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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