Sobre a entrevista de Bolsonaro à Record

Imagem: TV Record

É difícil crer que a entrevista da Record com Bolsonaro, exibida no mesmo horário do último debate antes do primeiro turno, tenha realmente acontecido.

A começar pelo singelo fato de que se tratou de um crime eleitoral, já que não houve a concessão do mesmo tempo de exibição a outros candidatos, como determina a lei. O Ministério Público e o TSE, aparentemente, vão fingir que não viram – e tem gente que acredita que o problema das eleições são as urnas. Louco, né?

Também é duro crer que um candidato tão despreparado lidere as pesquisas.

Bolsonaro basicamente transitou, durante a entrevista, entre o antipetismo apocalíptico e a insistência em pautas morais distorcidas e irrelevantes no atual momento do país. Discutir se os pais têm o direito de dar palmadas nos filhos, por exemplo, é realmente um assunto ao qual um candidato a presidente deve dar prioridade? Não há pautas muito mais urgentes, como os caminhos para o Brasil sair da crise econômica, por exemplo, a serem discutidas?

Bolsonaro usa o velho truque da direita para desviar o asssunto das discussões realmente importantes. As pautas morais, como as palmadas nos filhos ou um obscuro “kit gay” que nunca foi distribuído em escola nenhuma, servem para criar uma cortina de fumaça e escantear o debate principal: qual o modelo econômico que iremos adotar?

O proposto por Bolsonaro (ou melhor, pelo obscuro Paulo Guedes) é um aprofundamento do modelo adotado por Temer, um dos presidentes mais rejeitados da nossa história. O governo Temer é uma evidência mastodôntica de que o liberalismo econômico é um sistema perverso para os trabalhadores e, portanto, para a absoluta maioria da sociedade.

Bolsonaro tenta esconder isso puxando o debate para as pautas morais. Seu vice e seu guru da economia, entretanto, deixaram bem claro que um governo Bolsonaro será inimigo de quem depende do trabalho para sobreviver. Crítica ao 13º salário, ao terço de férias e proposta de aumento de impostos para pobres e classe média não deixam margens para dúvidas sobre a quem um governo Bolsonaro vai servir.

Aliás, perguntado sobre a sua posição quanto ao 13ª salário, Bolsonaro desconversou e não respondeu.

Além de tratar de temas irrelevantes e de não apresentar proposta concreta alguma – fora a estupidez de armar a população -, Bolsonaro mentiu compulsivamente:

– Negou que prega o ódio e que existem áudios dele falando pejorativamente de negros e mulheres. Uma rápida pesquisa no Google resulta em diversos áudios e vídeos de Bolsonaro esculachando negros, mulheres e gays.

– Disse que colocam esses rótulos nele porque não podem chamá-lo de corrupto. Bolsonaro foi pego com uma funcionária fantasa em seu gabinete na Câmara; ela vendia açaí no horário de expediente. Ou seja, corrupção clássica, só para ficar em um caso. Existem vários outros que envolvem o candidato e seus filhos, como o crescimento inexplicável no patrimônio de um destes: 432% em 4 anos.

– Disse que o Brasil deixou de ser respeitado internacionalmente nos últimos 13 anos. É notório que o Brasil nunca esteve tão bem cotado internacionalmente quanto nos governos petistas.

A resposta à pergunta sobre o forte movimento “Ele Não” foi bizarramente sem nexo: Bolsonaro criticou os artistas que “mamam na Lei Rouanet”. O homem é uma máquina ambulante de clichês delirantes da direita.

O momento de fascismo aberto da entrevista foi quando o candidato disse o seguinte:

Temos que dar um pé no traseiro do socialismo, do comunismo. Não podemos admitir esta ideologia em nosso Brasil. Será o fim da nossa pátria se o PT chegar ao poder.

A única ideologia que não pode ser admitida em uma democracia é a que não admite outras ideologias. Ou seja, em uma democracia séria, Bolsonaro não poderia dizer as barbaridades que diz. Além do mais, o PT, para quem ainda não reparou, está longe, bem longe, de ser socialista ou comunista.

O momento em que Bolsonaro mais se aproximou de alguma proposta concreta foi quando disse que visitou outros países como Coréia do Sul, Israel e Estados Unidos e “quer fazer igual” aqui. Só isso. “Quero fazer igual”. Não diz o que, como, por que. Nadica de nada.

Sei que muitos eleitores não se importam com as atitudes preconceituosas ou com as mentiras deslavadas.

Seria legal, contudo, se ao menos percebessem o evidente e absoluto despreparo de Bolsonaro para presidir um país de qualquer tamanho. Imagine do tamanho do Brasil.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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