À luta, companheirada

Na época das articulações que resultaram no golpe de 2016, não foram poucos os analistas políticos que fizeram o alerta: não é possível dar um golpe e depois restaurar a normalidade democrática como se nada tivesse acontecido.

Para viabilizar a derrubada de Dilma, um antipetismo insano foi cuidadosamente plantado na população pela ação conjunta da grande mídia e do Judiciário, com o apoio entusiástico dos partidos da direita tradicional.

A macabra colheita veio no último domingo.

A direita tradicional simplesmente derreteu. Seu lugar foi ocupado pela extrema-direita, tanto no executivo quanto no legislativo. Ao invés de políticos subservientes ao capital mas que mantinham alguns pruridos democráticos, mesmo que parcos, teremos políticos ainda mais subservientes ao capital só que sem a mínima preocupação com a democracia ou mesmo com regras básicas de convivência.

Pessoas como Bolsonaro e seus filhos, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Kim Kataguiri, Arthur “Mamãe Falei” (dói na alma escrever um codinome ridículo desses) e Janaína Paschoal obtiveram enormes votações para seus respectivos cargos. A indigência mental, o ódio e o delírio patentes nessas figuras foram premiados pelas urnas e ocuparão um espaço de poder descomunal a partir de 2019.

O inconsciente coletivo brasileiro deve estar raciocinando mais ou menos assim: se o PT é essa desgraça toda e essa história de democracia nem é tão importante assim, por que não votar nesses malucos? Eles são meio truculentos mas, afinal, ninguém odeia mais o PT que eles…

O castigo de PMDB e PSDB, as duas grandes forças partidárias que levaram o impeachment a cabo, veio a cavalo.

O problema é que o castigo será estendido a todos nós. Não somente pela ação da direita, por óbvio, mas também por graves erros do campo progressista.

A estratégia do PT mostrou-se estrondosamente equivocada. O fato de Bolsonaro quase ter levado no primeiro turno justamente por conta do antipetismo é prova cabal disso. O clima atual indica que mesmo Lula teria dificuldades. Imagine um substituto indicado há poucas semanas da eleição.

O cenário é nada menos do que tenebroso.

O mais provável, a vitória de Bolsonaro, não precisa de muitas explicações. Além de um aprofundamento brutal da agenda regressiva clássica da direita e do aumento de casos de violência contra minorias – que já está acontecendo – podemos esperar um recrudescimento da violência estatal contra qualquer um que não baixar a cabeça para um hipotético governo Bolsonaro.

O candidato deixou isso claro no vídeo em que comenta os resultados do primeiro turno: “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, disse ele. Some isso aos explícitos anseios golpistas de seu vice, o general Mourão, e a piada de que “nos vemos no DOPS” de repente perde a graça. O risco de termos um regime autoritário sem disfarces é assustadoramente real.

O cenário menos provável, uma vitória de Haddad, não é nada animador, muito pelo contrário. Se a direita eleita em 2014 deu um golpe e ainda fez o Brasil passar vergonha internacional na famigerada votação do impeachment na Câmara Federal, imagine o que farão os alucinados novos deputados bolsonaristas. Kim Kataguiri já anunciou sua candidatura à presidência da Câmara. Depois da boa piada do “#ficatemer, a gente tava brincando”, será que cabe um “#voltacunha, pelo amor de Deus”?

Perdoem a tentativa de humor fora de hora, mas talvez não seja tão fora de hora assim.

Sei que esse fascismo versão brasileira nunca esteve tão forte e o futuro próximo será certamente duro, muito duro.

Entretanto, quer você acredite em destino, em desígnios do universo ou apenas no acaso, o fato é que nós estamos aqui, nesse país e nesse período histórico. Temos, portanto, uma missão: derrotar o ódio e o autoritarismo.

Para isso, devemos nos afastar de quaisquer pensamentos e sentimentos de desespero. Mantenhamos o bom humor e a alegria de viver. Precisamos nos manter firmes, porém serenos. Combativos, porém alegres. Dispostos, porém tranquilos.

O segundo turno é apenas a primeira tarefa. A missão é longa e passa por espalharmos pelos corações de nossos irmãos e irmãs brasileiros as nobres ideias da democracia, do respeito à diversidade, da tolerância. Espalharmos o que move a esquerda, afinal: o amor ao próximo.

É tarefa primordial e permanente, também, fazer o debate econômico. Mostrar às pessoas o que significa, na vida prática, o tal Estado mínimo. Tornar evidente a perversidade do liberalismo econômico.

Não esqueçam que a derrota do fascismo é um imperativo histórico. O bolsonarismo é um castelo de cartas. Suas fundações são feitas de ódio, mentiras e autoritarismo e, portanto, não se sustentam ao longo do tempo. O fascismo à brasileira fatalmente desmoronará.

Encerro este post com algumas belas palavras de um grande amigo, o Felippe Sammarco:

Os que vieram antes, e que me causam muita admiração, suportaram 21 anos de ditadura, suportaram tantos períodos e instituições autoritárias. Eu não vou abraçar o derrotismo. Antes eu desejo continuar a luta de todos os que vieram e de todos que aqui estão ao meu lado. Vamos honrar nossa própria luta. Nunca tudo está perdido. Nunca a vitória é definitiva. A história não tem fim. Cada quadra histórica nos exige uma forma de organização e reinvenção. Sejamos ousados, felizes. Sejamos criativos. Estamos juntos e vivos. Somos a força da vida e da história. Os passados sempre nos ameaçam e tentam se impôr. Saberemos nos reorganizar. Um abraço carinhoso a cada um que acredita na vida e luta por ela. Estamos juntos, companheirada!

 

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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