Um guia para os indecisos e adeptos do voto nulo

Quero me dirigir aos que estão indecisos sobre quem votar no próximo domingo, bem como aos que pretendem votar nulo. A ideia é pegar os principais pontos discutidos nessas eleições e fazer o comparativo mais isento possível entre Bolsonaro e Haddad.

É claro que isenção total não existe. Todos nós temos nossa visão de mundo e acabamos por defendê-la, consciente ou inconscientemente, em um debate de ideias.

Desconfie, portanto, dos que se dizem totalmente isentos. Estes normalmente são os que tentam manipular o debate ao tentar esconder, atrás dos argumentos, os próprios interesses.

Este blog e este que vos escreve filiam-se à esquerda. Acreditamos que a desigualdade social é a raiz de boa parte dos nossos problemas e precisa ser pesadamente atacada com as armas da educação de qualidade e emprego digno.

É a partir dessa premissa que discutimos política e recomendamos o voto em Haddad.

Tratarei de quatro temas: corrupção, democracia, política econômica/educacional e segurança. Não entrarei, aqui, nas questões polêmicas sobre a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Não é preciso que concordemos nesses pontos. Vamos ao comparativo:

  • Corrupção

Haddad – Este é o grande empecilho e a justificativa mais usada pelas pessoas para não votarem no PT. O partido, de fato, utilizou o caixa 2 (recursos não contabilizados usados em campanhas eleitorais), assim como todos os partidos tradicionais fizeram. A impressão de que o PT é muito mais corrupto que os demais partidos é, contudo, apenas isso, uma impressão. A origem desta impressão é a seguinte: as poucas famílias que controlam a grande mídia no Brasil – Globo, Folha, Band, Estadão, Veja, IstoÉ e mais alguns veículos – sempre foram alinhadas à direita e, portanto, adversárias do PT. Pintar o PT como o partido mais corrupto da história foi uma estratégia utilizada por esses veículos para desgastar a imagem do partido e atingi-lo politicamente. Na prática, os governos do PT avançaram no combate à corrupção em relação ao seu antecessor, o PSDB. Vou citar dois exemplos. O primeiro é o Procurador Geral da República. Durante os governos FHC, o PGR não era necessariamente o mais votado dentro do MP. FHC escolhia o que mais lhe agradava. Naquele período, o PGR foi apelidado de “engavetador geral da república”, pois impedia que qualquer investigação sobre membros do governo ou do PSDB avançasse. Nos governos do PT, o PGR foi sempre o mais votado dentro do MP. Não houve qualquer freio a investigações, e a Lava Jato é prova disso. O segundo exemplo é o número de operações realizadas pela PF, responsável pelo combate à corrupção a nível federal. Durante os governos FHC, foram 48. Durante os governos do PT, foram mais de 2 mil. A própria existência da Operação Lava Jato deve-se a essa liberdade que o PT deu ao MP e à PF para investigar. Haddad, por sua vez, não tem nenhum crime comprovado contra si. Há investigações – hoje em dia é muito raro um político não ser denunciado e investigado – mas nada comprovado. Durante o seu governo na prefeitura de São Paulo ele criou a Controladoria Geral do Município, órgão de combate à corrupção que desmanchou esquemas antigos.

Bolsonaro – Apesar de apresentar-se como incorruptível, Bolsonaro foi pego em um caso clássico de corrupção. Uma senhora chamada de Wal era funcionária de seu gabinete mas não dava expediente na Câmara. Ela ganhava seu salário – dinheiro público – para prestar serviços particulares a Bolsonaro, como alimentar seus cachorros no Rio de Janeiro. Wal foi flagrada vendendo açaí em sua lojinha durante o horário em que deveria estar trabalhando no gabinete de Bolsonaro. O candidato do PSL passou muitos anos no PP (saiu apenas para concorrer à presidência), um partido com muito mais envolvidos em casos de corrupção do que o PT. Bolsonaro ainda recebeu uma doação de R$ 200 mil da JBS (Friboi). Ele diz que recusou e devolveu, mas na verdade ele não devolveu para a Friboi. Devolveu para o PP, que repassou o dinheiro novamente a Bolsonaro, como se tivesse vindo do partido.

  • Democracia

Haddad – O PT é acusado de ter tendências ditatoriais – os mais alucinados falam até em uma absurda “ditadura comunista do PT”. O fato é que o partido passou 13 anos no poder e não viu-se um caso de censura ou comportamento autoritário. O PT e a esquerda em geral consideram que o afastamento de Dilma do governo foi um golpe, porque não havia crime de responsabilidade. Mesmo assim, o PT submeteu-se à decisão do Congresso e não resistiu. Lula, por sua vez, está preso em Curitiba por uma condenação que a esquerda em geral – e não só ela – considera ser injusta. Mesmo assim, Lula submeteu-se à decisão da Justiça e cumpre sua pena. São evidências fortes de que o PT submete-se ao jogo democrático e não possui comportamento autoritário. A proposta de regulação da mídia é apenas consequência do que está escrito na Constituição. Não é permitido oligopólio nas comunicações, mas nós vivemos sob um. Em nenhum país desenvolvido do mundo há tanta concentração de mídia como aqui. Quanto à história de que o PT apoia ditaduras, isso é bem questionável. A definição sobre se um país é considerado uma ditadura ou não é sempre baseada na posição ideológica de quem faz a afirmação. Haddad, inclusive, já declarou que a Venezuela – país mais citado nesse tipo de polêmica – não pode ser considerada uma democracia. 

Bolsonaro – Bolsonaro, por sua vez, é um entusiasta da ditadura militar brasileira. Seu ídolo é Brilhante Ustra, um torturador sanguinário que fez coisas horríveis a homens, mulheres e crianças. Bolsonaro dedicou seu voto no impeachment a Ustra e disse, no Roda Viva, que seu livro de cabeceira também é de Ustra. O candidato já falou que é favorável à tortura e que teríamos que “matar uns 30 mil” para resolver as coisas, inclusive inocentes. Eduardo Bolsonaro, um de seus filhos, afirmou que para fechar o STF basta “um cabo e um soldado”, afirmação chamada de “inconsequente e golpista” por Celso de Mello, ministro do Supremo. As tendências autoritárias e ditatoriais de Bolsonaro são evidentes.

  • Política econômica/educacional

Haddad – A proposta de Haddad para a economia é a mesma dos áureos tempos do governo Lula: valorizar o salário mínimo para aumentar o poder de compra da população e destravar as obras federais para impulsionar o emprego. Assim, os trabalhadores, especialmente os mais pobres, voltam a participar da vida econômica do país e a roda da economia volta a girar, beneficiando a todos, inclusive os empresários. Haddad tem, no currículo, um belo trabalho à frente do Ministério da Educação. Foi o período em que mais pessoas tiveram acesso à faculdades e cursos técnicos. Muitas famílias viram suas primeiras gerações entrarem no ensino superior, o que não é pouca coisa.

Bolsonaro – O projeto econômico de Bolsonaro é uma intensificação do colocado em prática por Michel Temer – ele mesmo, o presidente mais odiado de nossa história. Bolsonaro já falou que os trabalhadores vão ter que optar entre ter seus direitos ou ter empregos. Nunca falou em aumento de salário mínimo ou investimento em obras para gerar empregos. A tendência, em um governo Bolsonaro, é que a tragédia do desemprego seja intensificada. Quanto à educação, Bolsonaro já falou em ensino à distância. Isso significa que as mães não terão com quem deixar seus filhos e também as crianças não terão a merenda fornecida pelas escolas. Seria simplesmente um desastre. Quanto ao ensino superior, ao invés de criar novas vagas com novas universidades ou programas como o Fies, a proposta de sua equipe é cobrar pelo ensino superior que agora é público.

  • Segurança

Aqui, vou falar apenas sobre a grande proposta de Bolsonaro: permitir o porte de armas. Reflita um pouco sobre o que significará isso. Em primeiro lugar, não garante proteção alguma contra assaltos. O ladrão sempre tem o efeito surpresa ao seu lado. O próprio Bolsonaro já foi assaltado e os ladrões levaram sua arma embora. O resultado prático será mais fornecimento de armas ao crime. Em segundo lugar, mas não menos importante: a permissão da compra de armas fará com que qualquer briga besta possa acabar em tragédia. Todos já presenciamos alguma briga, seja na própria família, entre vizinhos, no trânsito, na balada. Imagine se qualquer um puder estar armado. A quantidade de ferimentos graves e mortes certamente aumentará, e muito. O risco de perdermos entes queridos por uma besteira qualquer será enorme. É uma proposta que não resolve nada e ainda é potencialmente trágica.

***

Se ficou na dúvida sobre algum tema tratado aqui, pesquise. Leia os dois lados. Lembrando que a mídia tradicional tem um viés de direita, ou seja, pró Bolsonaro. Leia outros sites de esquerda também, assim como veículos estrangeiros como BBC e El País.

Estamos vivenciando uma das maiores crises da nossa história. Deixar de votar ou votar sem embasamento são atitudes que não contribuem para que saiamos do buraco em que nos metemos.

Votar parece algo corriqueiro, mas muita gente lutou – e morreu – para que pudéssemos escolher quem nos governará. Honremos essas pessoas e votemos da forma mais consciente possível.

Espero ter ajudado.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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