Época: Cid Gomes e Humberto Costa expõem divergências e convergências na oposição

Muito boa a ideia da Época de fazer duas entrevistas paralelas. Peço ao internauta que leia e faça seus comentários, para a gente fazer o debate por aqui. Só discordo da asserção de Humberto Costa, senador eleito pelo PT-PE, de que o primeiro movimento de Ciro tenha sido na direção do Centrão. Não é verdade. Todos que acompanharam o processo político viram que Ciro sinalizou muito antes para o PSB e PCdoB, além das discussões com o próprio PT. Aliás, uma das inúmeras gafes de Ciro, que levaram ao afastamento do “centrão”, foi justamente a sua declaração de que pretendia formar um “núcleo moral” com PSB e PCdoB. A expressão foi deselegante, porque deu a entender que as legendas do “centrão” não tinham decência para formar este núcleo moral. A fala pegou bem com a esquerda, mas produziu mal estar junto a essas legendas que cogitavam apoiar Ciro. Em seguida, Ciro, perguntado sobre possível acordo com o “centrão”, que inclui o DEM, xingou gratuitamente um vereador desse partido, chamando-o de “capitão do mato”.

Ciro cometeu muitos erros nessa campanha. E continua cometendo, como chamar Leonardo Boff de “bosta”. A necessidade de autocrítica vale para todo mundo.

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Na Época

Cid Gomes x Humberto Costa
Cid Gomes, do PDT, e Humberto Costa, do PT, expõem as divergências entre os dois partidos sobre os caminhos da esquerda na oposição a Bolsonaro

Por Amanda Almeida e Catarina Alencastro
05/11/2018 – 07:00

Cid Ferreira Gomes, cearense, 55 anos

O que faz e o que fez: Foi governador do Ceará e ministro da Educação do governo Dilma Rousseff. Foi prefeito de Sobral e deputado estadual. Acaba de ser eleito senador pelo Ceará pelo PDT. É engenheiro civil

Humberto Costa, paulista radicado em Pernambuco, 61 anos

O que faz e o que fez: É o líder da minoria no Senado. Foi ministro da Saúde do governo Lula. Foi reeleito para o segundo mandato como senador pelo PT de Pernambuco. É médico psiquiatra e jornalista

Qual será o principal nome da esquerda pós-eleição 2018?

Cid Gomes Ciro Gomes, porque ele não tem o vício. Hoje no Brasil você tem vergonha de dizer que é de esquerda, porque a maior parte da população brasileira associou a esquerda à corrupção. E o Ciro não tem esse vício. É realmente progressista e pensa no país.

Humberto Costa Existem vários nomes que se fortaleceram neste processo. Ainda que não tenha tido uma grande votação, é inegável que Guilherme Boulos ( PSOL ) emerge como uma liderança política de peso. Assim como Manuela D’Ávila ( PCdoB ) e o governador do Maranhão, Flávio Dino ( PCdoB ). Dentro desse campo, naturalmente, fortaleceram-se Ciro Gomes ( PDT ) e Fernando Haddad ( PT ), até pelo fato de ele ter ido para o segundo turno, ter recebido mais de 44 milhões de votos e ter agregado muito além do PT.

A esquerda estará unida como oposição a Bolsonaro no Congresso, a partir de 2019?

CG A esquerda não é uma coisa só. E recuperar o conceito de progressista — você vê que eu tento evitar falar da esquerda — passa necessariamente por se diferenciar do PT. O PT contaminou o conceito de esquerda no Brasil pelo protagonismo na corrupção.

HC Espero que sim. Essa discussão de quem lidera e quem é liderado é contraproducente e só interessa ao governo de extrema-direita. Nós, sem querermos tutelar nem hegemonizar ninguém, temos de estar juntos. A frente deve ser mais ampla, inclusive, do que a própria esquerda. Temos de buscar vários democratas, que, ainda que possam concordar com parte da agenda econômica de Bolsonaro, sejam defensores da Constituição, da liberdade e da democracia. Seremos compelidos a estar juntos.

Como a esquerda deve fazer oposição a Bolsonaro?

CG Nós não teremos um comportamento coletivo, único de esquerda. Vamos nos diferenciar. Nossa oposição será uma oposição preocupada com o país e com o desejo de que as coisas melhorem. Será uma oposição inteligente.

HC Tem de ser uma linha de oposição em defesa das liberdades democráticas, da Constituição, da manutenção das conquistas sociais. Vamos nos contrapor a essa agenda que ele propõe ao país. Mas não podemos ficar limitados a ela.

Depois das eleições, MDB, DEM e PSDB disseram que farão oposição a Bolsonaro. A esquerda jogará com eles?

CG Não, nós vamos nos diferenciar. Vamos procurar uma proximidade com o PSB, com a Rede, com o PCdoB, com o PPS — e teremos uma relação de diálogo com o PSDB, DEM, PP, Solidariedade e Podemos.

HC É possível que muitos desses partidos tenham uma identificação com aspectos da política econômica que Bolsonaro pretende implementar. Mas há, nesses partidos, democratas sinceros que estarão preocupados com a democracia e as instituições. Não vejo nenhum problema de termos, em alguns ou em vários momentos, as mesmas posições num enfrentamento a Bolsonaro.

Quais foram os erros que levaram a esquerda a perder a eleição?

CG Fundamentalmente o erro é do PT. O conjunto da obra do PT colocou a grande maioria do povo brasileiro contra o partido. O Bolsonaro é fruto disso. Faltaram ao PT humildade e reconhecimento dos erros. Isso significa que, se eles chegarem ao poder, vão repetir as mesmas coisas. Vai ser mais do mesmo.

HC A estratégia que foi adotada pela esquerda não foi errada. De um lado, houve um processo de desgaste gerado pelo tempo. Isso pesou. Havia o desejo da população de fazer uma mudança. Houve uma série de fatores externos que influíram no resultado. Talvez o mais importante tenha sido a facada que Bolsonaro levou. Para ele, foi positivo. Ele não precisou se expor e foi vitimizado pelo brasileiro, que é muito sensível a isso.

O PT boicotou a candidatura de Ciro Gomes?

CG O PT fez tudo que lhe é comum: só eles. Depois deles, eles de novo.

HC Isso não existiu. Da mesma forma que o PDT tinha total legitimidade de apresentar a candidatura do Ciro, o PT também tinha legitimidade de ter um candidato. Afinal de contas, é o maior partido da esquerda. Tinha o principal nome em termos de liderança popular nessa eleição. Por que razão o PT, que ganhou quatro eleições presidenciais e ficou em segundo lugar em três — indo para o segundo turno numa dessas três —, tinha de abrir mão de ter um candidato?

Quais foram os erros da campanha de Ciro?

CG Não acho que a gente seja infalível, se não estaria dando uma de petista, mas não foi por erros que o Ciro não chegou ao poder.

HC Não sou eu que devo avaliar isso. Mas essa crítica que alguns tentam fazer ao PT ( de boicote a Ciro ) tem de ser precedida de uma lembrança. A primeira articulação que o Ciro fez não foi na direção do campo da esquerda. Foi na direção do centrão. Como não deu certo, ele se voltou novamente à esquerda. É preciso ter uma política clara. Sempre dissemos o tempo inteiro que nossa aliança era com o campo da esquerda. Não foi essa a estratégia que o PDT buscou.

Quais foram os erros da campanha de Haddad?

CG Foi a falta de humildade de reconhecer os erros e se comprometer a não repeti-los. O Haddad é diferente da média do PT. É uma boa pessoa.

HC A gente ficou meio perplexo e não foi para a rua nas duas primeiras semanas do segundo turno. Mas, de um modo geral, não vi muitos erros. O programa eleitoral foi muito bom. O Haddad foi um gigante nesta campanha: surpreendeu a todos. Tirando o Lula, ele era o melhor candidato para a disputa desta eleição.

O apoio tímido do PDT no segundo turno, sem uma declaração contundente de Ciro, contribuiu para a derrota de Haddad?

CG A grande maioria do eleitorado do Ciro optou pelo Haddad. A prova é o Ceará. O Ciro mais ajudou do que atrapalhou o Haddad.

HC Não diria que contribuiu, mas uma participação mais clara e explícita poderia ajudar. O Ciro perdeu uma chance: ele poderia ter sido o Brizola dessas eleições, guardadas as devidas e enormes proporções. Só teria ganhado com isso e ajudaria o resultado eleitoral a ser um pouco diferente.

PT e PDT estão rompidos?

CG Rompidos, não. Teremos caminhos paralelos ao do PT. Não somos hegemonistas, não compactuamos com a corrupção, não achamos que os fins justificam os meios. No Congresso, procuraremos ser uma oposição que não seja a do quanto pior, melhor.

HC Da parte do PT, não. Defendo que o PT tem de procurar o PDT, PSB, PCdoB para construir uma ampla frente democrática.

Haddad e Ciro são candidatos à Presidência em 2022?

CG Não posso falar pelo Haddad, mas o PDT, reunido três dias após o primeiro turno, deliberou por colocar para o futuro a pré-candidatura do Ciro.

HC Se nós tivermos eleições, pode ser. No caso do PT, Haddad saiu grande e forte. É uma cara nova para o PT.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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