Os desafios da oposição a Bolsonaro

Depois de algumas especulações, sondagens e desmentidos, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, bateu o martelo da nomeação do titular da pasta de Educação. Será Ricardo Vélez Rodriguez, uma indicação, segundo diversas fontes na imprensa, do filósofo conservador Olavo de Carvalho.

O novo ministro já afirmou que é necessário limpar o MEC do “entulho marxista que tomou conta das propostas educacionais”. Em seu blog, ele também escreveu que o golpe de 64 (que ele não chama de golpe) é uma data para comemorar.

Com essa nomeação, o primeiro escalão do governo Bolsonaro está quase completo. E não há surpresas. As áreas econômicas, por exemplo, foram todas distribuídas a neoliberais. No BNDES, teremos Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda de Dilma. Na Petrobras, Caixa e Banco do Brasil, os responsáveis deram sinais favoráveis à privatização do que for possível, deixando apenas o esqueleto dessas estruturas.

No campo da oposição, as cartas também estão sendo mostradas. O bloco formado por PSB, PDT, PCdoB e Rede reuniu-se esta semana, com a presença do governador Flavio Dino, e agora já é uma realidade. A não-presença do PT manda um sinal claro de que essas legendas não ficaram satisfeitas com o papel desempenhado pelo partido na campanha presidencial.

O PT, por sua vez, aposta na liderança de Fernando Haddad, que teve uma semana animada. O ex-candidato à presidência comandou uma reunião da bancada da legenda em Brasília, recebeu um convite para integrar uma frente internacional progressista, encabeçada pelo senador americano Bernie Sanders, e ontem visitou Lula em Curitiba.

Na coletiva à imprensa, Haddad pareceu desdenhar do bloco parlamentar formado por seus colegas da centro-esquerda, ou pelo menos foi isso que ficou parecendo pela nota, ainda não rebatida, de Mônica Bergamo:

Cadê os óculos? No encontro com as bancadas do PT da Câmara e do Senado, nesta quarta (21), em Brasília, Fernando Haddad criticou a tentativa de criação de um bloco de oposição a Bolsonaro sem a participação de seu partido. “Frente de esquerda sem o PT ou é miopia ou uma esquerda que não é tão esquerda assim”, disse.

E o seu espelho? A fala do petista foi um recado à articulação encabeçada por Ciro Gomes (PDT). O problema é que uma ala do PC do B, por exemplo, diz que o pedetista está mais alinhado à realidade do que o PT, que seguiria atrelado ao discurso “Lula livre”.

Acho importante observar, para evitar mal entendido, que o problema não é propriamente a defesa da liberdade de Lula, bandeira que toda centro-esquerda abraça, e sim a estratégia usada, desde o início, para chegar a esse fim, dando-lhe uma centralidade político-eleitoral que apenas ajudou o partido da justiça a reforçar as barras da cela do ex-presidente.

A boa notícia vinda do governo Bolsonaro, se é que isso é possível, é uma entrevista do vice-presidente, Hamilton Mourão, em que ele deixa transparecer algum bom senso. Trechos:

O senhor vê possibilidade de o Brasil participar de uma intervenção na Venezuela? Ou a possibilidade está descartada? Descartada, é lógico. Não faz parte da nossa tradição diplomática a intervenção em assuntos internos de outros países.

(…)

Uma briga com a China não é uma boa briga, certo? Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar —34% das nossas exportações são para a China. Não podemos fechar esse caminho pois tem outros loucos para chegarem nele.

O anúncio de que o Brasil pode mudar a sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, não pode descontentar o mundo árabe?

É óbvio que a questão terá que ser bem pensada. É uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada.

Nós temos um relacionamento comercial importante com o mundo árabe. E competidores que estão de olho se perdermos essa via de comércio.

Há também uma população de origem árabe muito grande em nosso país, concentrada nas nossas fronteiras.

Temos sempre que olhar a questão do terrorismo internacional oriundo da questão religiosa, que poderá ser transferida para o Brasil se houver um posicionamento mais forte em relação ao conflito do Oriente Médio.

Quanto à iniciativa de Bernie Sanders de formar uma “frente internacional progressista”, precisamos de mais informações sobre isso. Há um artigo do senador americano no Guardian, com críticas à Rússia e à China. A esquerda brasileira precisa tomar cuidado para não ser envolvida num “imperialismo do bem”, baseado, mais uma vez, numa visão de mundo centralizada nos Estados Unidos.

China e Rússia, hoje, representam o único contraponto real à hegemonia militar e geopolítica dos EUA. Uma “frente progressista” que se pretenda justa e objetiva precisa levar isso em conta.

Bernie Sanders é um grande sujeito, mas as suas ideias e estrategias nem sempre serão as melhores, porque ele é, naturalmente, refém dos interesses de seus eleitores, cidadãos norte-americanos que, mesmo sendo progressistas, sofrem de vícios e preconceitos imperialistas.

Seria um erro bobo unir-se de maneira deslumbrada e provinciana a uma frente progressista liderada pelos Estados Unidos, sem fazer uma avaliação crítica de seus propósitos e limitações.

Aliás, o ideal é que uma frente desse tipo não fosse liderada pelos EUA.

Olho vivo, portanto!

***

Uma boa notícia foi a reunião, realizada ontem, de representantes de todos os partidos de esquerda e centro-esquerda, em defesa dos movimentos sociais, sinalizando que as rusgas criadas pelas eleições, uma hora ou outra, irão arrefecer, e o campo popular enfrentará unido, como deve ser, as ameaças autoritárias que escurecem os horizontes.

***

A fala do presidente da CUT, Wagner Freitas, em Curitiba, dizendo que houve “fraude eleitoral”, que “Bolsonaro foi eleito com menos de 30% dos votos”, que “todo mundo sabia que Lula ganharia no primeiro turno”, e que eles vão “libertar Lula”, é uma tremenda prova de que a esquerda ainda não entendeu a necessidade de desenvolver uma estrategia de oposição realista, inteligente e objetiva. Lula não ganharia no primeiro turno, a CUT não vai libertar Lula, e não se deve falar em “fraude eleitoral” se a esquerda participou das eleições e elegeu deputados, senadores e governadores.

Bolsonaro ganhou democraticamente (em alguns estados, ganhou de maneira esmagadora), Lula deve ser condenado em mais dois processos, e a direita terá, a partir de 2019, uma maioria ainda mais sólida e reacionária que já tem agora. É hora de pôr o pé no chão e discutir o que é ou não possível fazer. Quanto a Lula, o mais inteligente é qualificar e despartidarizar a luta por sua liberdade. O lawfare implica necessariamente em luta política, e justamente por ser política, precisa ser ampliada para além das fronteiras dos interesses de um partido.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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