Faz sentido torcer para o governo Bolsonaro “dar certo”?

Um fenômeno interessante ocorreu após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais.

Muitos eleitores do futuro presidente ficaram espantados com o fato de tanta gente se declarar resistência e começar, logo após a divulgação do resultado, a fazer oposição ao novo governo.

As postagens nas redes sociais são na linha do “O cara nem assumiu ainda e vocês já estão torcendo contra?” ou “Vamos esperar, tem que dar um tempo para saber se vai dar certo!”.

Esse tipo de postura indica um desconhecimento de como funciona o processo político. Mas não se preocupem, este artigo vai esclarecer para vocês como funciona a coisa.

A disputa política institucional é, em essência, uma disputa de projetos para o país, o estado ou a cidade.

Na atual quadra histórica em que nos encontramos, podemos dizer, em um resumo extremamente simplista, que a esquerda acredita que o Estado tem papel central na indução do desenvolvimento do país e na melhora da qualidade de vida das pessoas, enquanto a direita pensa que o Estado mais atrapalha do que ajuda e o livre mercado, praticamente sozinho, é capaz de prover as necessidades da população.

São projetos antagônicos, como se vê.

Não faz sentido algum, para alguém de esquerda, “torcer para dar certo” um governo cujo programa é uma espécie de projeto Temer turbinado: mais venda de patrimônio público, mais corte de investimentos e mais retirada de direitos.

Isso simplesmente não tem como dar certo.

Se você, ainda assim, quiser esperar para ver, sugiro uma reflexão sobre as patacoadas que Bolsonaro está produzindo ainda antes de ser empossado.

O alinhamento canino a Trump, por exemplo.

Eduardo Bolsonaro posou com o boné do presidente dos EUA, como se vê na foto que ilustra este post. É uma atitude positivamente idiota, visto que em 2020 haverá eleição por lá e, caso Trump seja derrotado, teremos dado uma demonstração gratuita de hostilidade ao possível presidente democrata.

Tem como “torcer para dar certo” um movimento tão evidentemente estúpido?

Eduardo anunciou, usando o famigerado boné, que é certa a mudança da embaixada do Brasil em Israel. Não há um mísero benefício nessa atitude – a não ser que você considere que bajular Trump é bom para o nosso país. O potencial de prejuízos, por sua vez, é altíssimo: danos à imagem diplomática do Brasil (apenas a Guatemala seguiu os EUA nessa verdadeira provocação de Trump aos países árabes), danos às exportações do Brasil para os países árabes (sobre isso, Eduardo tranquilizou a nação: “temos que ter alguma maneira de tentar suprir caso venha a ocorrer esse tipo de retaliação”; ufa!) e a hipótese, há pouquíssimo tempo atrás impensável, de colocar o Brasil na rota do terrorismo internacional.

Repito: tem como “torcer para dar certo” um movimento tão evidentemente estúpido?

É claro que uma oposição inteligente também presta atenção nas contradições internas do futuro governo.

O ministro de Minas e Energia anunciado por Bolsonaro, por exemplo, é apontado como de viés nacionalista em algumas questões importantes, como a construção do submarino nuclear brasileiro.

Sinal de que, muito embora a porção entreguista do futuro governo seja patentemente mais forte, pode haver uma disputa de rumos com o nacionalismo estratégico que remanesce entre os militares. E isso é bom.

O negócio, portanto, é torcer e, muito mais importante, lutar para que o governo Bolsonaro não leve à cabo o projeto excludente e entreguista que está anunciado.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.