Wanderley Guilherme: Brasil caminha para periferia da periferia

Nasa

Segunda Opinião

SEGUNDA OPINIÃO: QUÂNTICO DOS QUÂNTICOS

Não pesquisei, mas acredito que as medidas de desigualdade entre as nações não comparam as principais urgências internacionais com as internas a cada país.

Usar países africanos como exemplos não constitui difamação do continente, mas reconhecimento de que no continente por mais tempo e mais brutalmente colonizado encontram-se os piores indicadores de bem estar, saúde, educação, econômicos e políticos do mundo contemporâneo.

Este prefácio serve para ilustrar a defasagem entre as urgências africanas de aprimoramento em todos os indicadores mencionados e as pressões internacionais visando à consolidação de um balanço de poder menos contaminado por subliminares ameaças bélicas e mais equitativas relações de trocas comerciais entre países periféricos e gigantes da economia.

Entre os países periféricos à ordem internacional encontram-se incluídos todos os sul e centro-americanos, toda a África, praticamente toda a Ásia e grande parte da Europa.

O critério classificatório está implícito: o tratamento das urgências nacionais desse heterogêneo conjunto de países repercute minimamente nas urgências internacionais. A luta contra a desigualdade que, a meu juízo, devia estar subordinada à urgência maior que é a escandalosa miséria do Brasil, por exemplo, é tão irrelevante para a dinâmica internacional quanto os direitismos contra imigrantes de alguns países europeus.

A competição internacional se dará cada vez mais pela capacidade de produção autônoma de tecnologia da automação e da informação. Tanto para o bem quanto para o mal. É para essa competição que nações vão se tornando periféricas, cabendo o adjetivo, hoje, a países como Inglaterra, França e Alemanha, potências coloniais do século XIX e de grande parte do século XX, sendo desnecessário mencionar a retirada de cena da Bélgica e da Itália, por exemplo. São periféricos hierarquicamente superiores aos periféricos africanos ou sul-americanos, em comparações nacionais, mas igualmente em vias de obsolescência na escala de poder internacional.

A perspectiva do Brasil já foi mais promissora. Apesar de bastante festejada, a opinião pública nacional é rastaquera porque rastaquera é sua cultura cívica e acadêmica, com as exceções de praxe. Há uma enorme assimetria entre as capacidades negativa e positiva da imprensa, produzindo destroços em quantidades dezenas de vezes acima dos benefícios distribuídos.

Em grande parte porque o poder político só presta atenção ao que não presta, e as opiniões construtivas são inteiramente impotentes. Dois ou três colunistas dos grandes veículos ainda têm cultura e audiência para gerar ações públicas positivas enquanto há sérias dúvidas se a blogosfera virá a superar o estágio doentio e contra-democrático em que se encontra.

Evidentemente, tenho consciência de que os comentários que publico em jornais tradicionais ou que assinei durante alguns anos na coluna Segunda Opinião não alteram senão mínimos quânticos do mundo da opinião. A distância entre esse mínimo quântico de opinião e o impacto na realidade é, por outro lado, cosmologicamente gigantesca. Nada se alterava; nada continuará não se alterando com o recolhimento da Segunda Opinião a sua insignificância e invisibilidade quântica. Ela termina aqui.

Wanderley Guilherme dos Santos: Cientista político brasileiro, autor de muitos livros. Mais: https://www.ocafezinho.com/wanderleyguilherme/
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