Lula, um preso político e uma mostra de cartas escritas por vários artistas (Argentina)

1 – Apresentação pessoal
Meu nome é Alba Pereyra Lanzilloto. Sou socióloga e educadora popular, trabalho como docente em um Instituto de Formação para colegas educadores em uma especialização e no Espaço para a Memória Virrey Cevallos ExCCD (Ex Centro Clandestino de Detenção), onde meu trabalho é pedagógico e como promotora sociocultural.

2 – Apresentação do Espaço
2 – O Espaço para a Memória ExCCD Virrey Cevallos é um lugar da Memória recuperado por organizações de vizinhos, sobreviventes e familiares de pessoas detidas desaparecidas. Trata-se de uma casa antiga (1907) de três andares, originalmente, independentes entre si, que foi adquirida nos anos 70 por pessoas conhecidas como “os Irmãos Ríos” vinculados a Força Aérea e a Polícia. Esses irmãos cederam a casa al setor de inteligência da Força Aérea que operou o lugar como Centro Clandestino de sequestro e tortura de opositores à ditadura. O Centro Clandestino, não aparentava como tal pois estava e permanece, na metade de uma rua no centro, rodeado de edifícios, comércios, muito próximo a rua, ao lado de outras casas e funcionou desde 1976 até 1983, ano em que se retiram os militares.
Posteriormente foi casa de inquilinato, casa tomada e sofreu uma enorme deterioração durante mais de vinte anos, até que foi posta a venda e os vizinhos começaram uma a campanha para impedir que a casa fosse vendida, apresentando junto a Legislatura da Cidade o pedido de expropriação para que se convertesse em Lugar de Memória. Os testemunhos foram indispensáveis, um foi o de Myriam Lewin, que esteve cerca de hum ano sequestrada nesse lugar antes de ser transladada a Ex ESMA (Escola de Mecânica da Armada), e Osvaldo López, sequestrado no mesmo período mas que conseguiu escapar do Centro Clandestino. Ambos reconheceram o edifício como lugar de cativeiro.

No ano de 2004 apresentou-se a Lei de expropriação que finalmente se levou a cabo em 2009 quando foi entregue ao Instituto Espaço para a Memória do qual ficou subordinado, como o restante dos lugares até 2014, quando todos passaram a depender da Secretaria de Direitos Humanos da Nação.
Desde 2009 funciona como Espaço para a Memória e promoção dos Direitos Humanos recebendo visitas de estudantes, docentes, público em geral que deseja conhecer a história interna no contexto de terrorismo de Estado. Se realizam também atividades culturais, de formação, arte e solidariedade. Dentro dessas últimas, articula com distintas instituições e organizações sindicais, educativas, movimentos sociais, políticos e artísticos.

3 – Como surgiu o projeto e por qual motivação? Quem fez as cartas?
3 – O Projeto de Arte Correio Cartas para Lula é uma iniciativa da A.R.E.P.A. (Rede de Educadores Populares da Argentina) que conta entre seus integrantes, com vários artistas plásticos e visuais, a partir da injusta prisão do ex presidente do Brasil, Lula da Silva. Pensamos principalmente na figura do/a preso/a político/a, que nós também temos atualmente, em como é prejudicial para a democracia ter pessoas presas, especialmente quando essas pessoas fizeram bem a sociedade, mudaram as regras do jogo e desenvolveram propostas políticas que dignificaram o povo.
As cartas tiveram intervenções de distintas técnicas por artistas de nosso país, mais de 50, e de outros países de Nossa América. Entre eles existem artistas que ganharam prêmios nacionais e menções.

4 – Por que Lula e qual é a relação dele com a Argentina e América Latina?
4 – Nos parecia que naquele momento devíamos fazer algo para visibilizar e problematizar o que os meios de comunicação estavam instalando sobre Lula que em definitivo não é alheio ao que ocorre no resto dos países de Nossa América e portanto como se constrói a imagem do inimigo, que não é outro que o dirigente popular, que a direita não suporta nem aceita. E o que passou com Lula é o mesmo que passa com Milagro Sala em Jujuy, estigmatizada e discriminada pelo poder.
Além disso, é que nos move como educadores, que trabalhamos e compartimos espaços com companheiros da Colômbia, Guatemala, México, El Salvador e outros, um profundo espírito de solidariedade. A empatia que devemos ter como seres humanos se acrescenta a compreensão de que somos parte do mesmo, da mesma raiz que é nosso continente, e que nos passam as mesmas coisas, que os poderosos são os mesmos e sempre vão tentar nos eliminar ou nos neutralizar.

5 – Entende que Lula é um preso político? Por que? Existem presos políticos no seu país? Quando começou a ter e através de quem? ¿Quem é Milagro Sala e por que ela é considerada uma presa política, que fez ela?
5 – Obviamente Lula é um preso político. É uma pessoa que como presidente em dois períodos, desde seus atos de governo, desenvolveu políticas públicas de dignidade da pessoa humana, de promoção e ampliação de direitos e sobretudo ao acesso de quem historicamente foi postergado. Alguém que como ele, antes foi dirigente de um movimento muito grande de trabalhadores que chegou a ser um partido político, cujos interesses confrontaram com os do poder hegemônico, certamente iria ser questionado pelo mesmo e quando tivesse oportunidade, seria despejado e separado da vida política. Está claro que nem sequer o conseguiram, porque toda a mobilização que acompanhou a Lula e o conteve, está aí. Por isso acreditamos que a palavra de ordem Lula Vale a Luta é tão válida.
No meu país existem presos políticos, a primeira desse governo é Milagro Sala* e suas companheiras do Movimento Tupac Amaru em Jujuy (com suas diferenças, porque ela não foi presidente do país, mas foi acusada das mesmas coisas que Lula). É uma revanche que a direita toma porque não tem argumentos, somente a motiva o ódio, a possibilidade de que os pobres o deixem de ser e vão tomando outros lugares na vida social e que disputem o poder. E existem outrxs presos, em sua maioria ex funcionários do governo de Cristina Fernández de Kirchner (CFK) e também alguns dirigentes sociais presos a partir de mobilizações contra as políticas de Macri.
*Milagro Sala é a dirigente de um movimento social Tupac Amaru, que nasceu em sua província, Jujuy. Suas ações e mobilizações conseguiram construir em um dos bairros mais pobres da cidade de São Salvador em Jujuy, instalar para as construções fábricas de insumos, carpintarias, ferramentarias para que as pessoas tenham trabalho e ao mesmo tempo sirva para as construções da casas, espaços de recreação para as crianças, escolas primárias, secundárias e de ofícios, etc.

6 – Como pensa que podemos visibilizar os presos políticos no seu país e na América Latina para o mundo?
6 – Acredito que a visibilidade deve ser permanente e sistemática, que se devem promover campanhas, atividades, visitas e muita difusão para contrapor aos meios de comunicação. Falar do tema com argumento é uma das melhores maneiras de colocar o tema sobre a mesa, especialmente com quem não compreende o não o vê da mesma maneira. Falar do contexto e situar a questão no marco da batalha de ideias. Não se trata de reunir e gritar palavras de ordem, isso pode servir em determinado momento. Tem que falar com fundamento, tratando de que se compreenda porque estão presxs, a quem interessa que estejam ,etc.

7 – Por que o tema preso politico não aparece nos meios com frequência e quando ocorre a historia aparece distorcida?
7 – Os meios hegemônicos, justamente por jogar a favor dos interesses de quem os sustentam (ou as vezes por sustentar com seus interesses a certos governos) não falam de presos políticos quando se trata de pessoas de raiz popular ou que estiveram vinculados a processos populares.
O que fazem os meios é contribuir para a difusão generalizada, a distorcer com falsidades e abandonar o que a “justiça” do poder sustenta. Existe uma conspiração justiça-poder político- meios hegemônicos para gerar ou reforçar o sentido comum das pessoas comuns, aquilo que não interfira seus interesses senão que, pelo contrário, acrescente a ignorância, a indiferença e a falta de credibilidade.

Tulio Ribeiro: Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ,Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas -Venezuela
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